O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

domingo, 22 de agosto de 2010

CURTA KINOFORUM - Épico ferroviário

Dividido em estrutura épica, “Magnífica Desolação” nos impõe a presença da máquina, tal como é imposta ao maquinista, de forma brutal. O contato do espectador com essa máquina ferroviária se dá através de elementos cinematográficos que buscam a subjetividade, tais como a intensidade sonora exacerbada e enquadramentos que reproduzem aquilo que poderia estar observando e escutando o personagem. Após imergir o espectador nessa jornada grandiosa, o curta avança permeado pela voz off de um maquinista que acentua o tom melancólico da solidão aterradora que o personagem enfrenta. Aqui, já entendemos a magnífica desolação que o título antecipa, pois estamos, sem dúvida, diante de uma experiência paradoxal, que tem a sua beleza justamente no seu triste vazio. 

É em meio a esse cenário que sentimos o alívio passageiro que o maquinista sente ao parar em um bar, tomar cerveja, jogar sinuca e conversar com eternos desconhecidos. Sentimos o alívio épico, mas com a triste sensação de que aquilo é efêmero, como próprio ser humano. Este que Fernando Coimbra quer colocar em contato intrínseco com aquilo que ele mesmo criou: a brutal beleza da máquina. Há um amargo espírito de desbravamento da natureza. Assim, vemos lindas imagens de paisagens que são cinematograficamente atravessadas por cortes bruscos para imagens barulhentas do trem em movimento. Entendemos a crueldade de uma dialética impossível de ser harmoniosa: natureza e maquina estão em oposição.

Da mesma forma, Coimbra se aproveita da linguagem do cinema para tratar de algo que lhe é própria: o tempo, que no caso do maquinista parece estancado, em contraste com o tempo da máquina que é outro, frenético. O penúltimo capítulo é de uma tristeza ansiosa, daquele ser solitário que insiste em voltar, mas parece nunca chegar. A voz off seca e amarga já nos atravessa de uma forma incômoda, pois, agora sim, sentimos a dureza dessa jornada. A tensão da volta reflete uma câmera inquieta e nervosa, que parece buscar uma estabilidade na paisagem deslumbrante que ela atravessa. Estamos saturados emocionalmente de uma viagem sem volta. Chegou a hora de nos distanciar, buscar entender aquela experiência de uma forma objetiva. É aí que o diretor Fernando Coimbra nos apresenta um belo epílogo, em que o alívio se dá por uma visão romântica das viagens ferroviárias. Vemos recriado aqui um famoso diálogo entre uma garota e um maquinista, eternizado no também magnífico e desolador “A Besta Humana”, de Jean Renoir.


PS: A expressão “magnífica desolação” ficou famosa ao ser usada pelo astronauta americano Buzz Aldrin para resumir o momento em que pisou na lua.

4 comentários:

  1. O filme é realmente ótimo. E como já disse ao próprio autor desse post, passei a gostar mais ainda do filme depois dessa análise.
    Porém não tive a oportunidade de fazer uma pergunta para o diretor do filme, ou mesmo para equipe, ou as pessoas que estejam de fato engajadas no projeto. Aí vai:
    Sendo esse um filme, muito bonito e que trata da vida de trabalhadores, qual é o próximo passo do filme enquanto arte? Digo, esse filme será exibido para trabalhadores, haverá um debate com os trabalhadores? com um publico maior com pouco acesso aos festivais?
    Digo isso, não necessariamente levando a discussão para um lado de como se a arte fosse obrigada a justificar e ter uma solução eficaz para a miséria, politica, exploração e afins...isso seria estalinista demais. Porém, a arte - em si - é de qualquer forma todas essas coisas(filosofia, politica, ciência, etc..) e nenhuma delas. De qualquer forma é uma opção estética e em todos os casos tem que estar em contato com o maior número de pessoas possíveis. Acedito que se essa bela obra ficar restrita aos festivais, ainda mais com o caráter desses festivais, ela perderá seu valor.

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  2. Oi Danilo,
    o filme acabou de estrear, ainda não temos nenhum plano nesse sentido. Com certeza quero mostra-lo a todos os ferroviários que participaram e ajudaram nesse filme. Também acho que se o filme ficar restrito só ao pequeno circuito de festivais, ele não cumpre por completo a sua função. É uma coisa a se pensar, essa estratégia de como chegar a esse publico. Valeu pelo toque!
    Abraço
    Fernando Coimbra

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  3. Fernando,

    Primeiramente, parabéns, agora oficialmente, pelo filme. É lindo. E parabéns também, porque o que você está fazendo de vir aqui e se expor como autor, trabalhador de cultura e dizer quais são as intenções do filme, isso é primordial e pode ter certeza que passo a gostar mais ainda do filme e meu respeito por você como artista - já que não nos conhecemos pessoalmente - se torna maior com essa atitude. Acredito que você é feliz em tudo que disse e espero de coração que possa fazer tudo que anseia fazer com a obra. Mas tambpém tenho consciência de que a grana que é destinada as obras pelo editais, no caso públicos, supre apenas parte de todo o processo artístico - o processo como entedemos que ele seja. Acho que nós, aqui no coletivo sofremos um pouco com isso também.
    Obrigado, pela visita, comentários, parabéns pelo filme e atitude. E com certeza estaremos, estarei disposto a ajudar a que essa obra chegue a esse publico e muitas outras pessoas possam ver. Conversaremos!
    Abraços

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  4. Que bom que conseguimos gerar essa discussão, pois o objetivo do blog é justamente a troca de experiências.

    abraços

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