O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Luiz Carlos de Oliveira

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No último sábado (15/12), pela manhã, o estudante - e jovem - Luiz Carlos de Oliveira, 20 anos, suicidou-se por enforcamento no centro acadêmico da Unifesp Guarulhos. 

Cursava o primeiro ano de filosofia. 

Na noite anterior (sexta-feira), ocorreu uma festa no mesmo centro acadêmico - festa, segundo dizem, para reinaugurar o "espaço dos estudantes". 

Frente a isto, deveríamos nos perguntar qual o verdadeiro significado da "festa" atualmente, quer dizer: haveria algum conteúdo emancipatório efetivo na "festa", como outrora nos carnavais? O que acontece nas festas? 

Seguindo: qual o verdadeiro significado de "universidade"? 

Ou o significado da juventude, e da própria vida, enfim, num mundo onde jovens de vinte anos se enforcam, ou invadem escolas infantis matando dezenas de crianças. O que tais "fatos isolados" querem dizer a nós? 

Por exemplo, já disseram, em algum lugar, que apenas vinte e quatro horas na vida de um homem é o bastante para ele aprender o que fazer ao longo de toda sua vida. Presume-se, com isso, que não precisamos de muito para saber de tudo.

Muitos pensam que não devemos envolver questões políticas em respeito à memória de Luiz Carlos. Ou seja: mencionar o fato de que ele era negro e pobre, numa universidade dominada por uma classe-média branca e estúpida; ou dizer que certamente ele sofreu racismo dentro da universidade, é uma forma de "desrespeito".

Penso exatamente o contrário. De tudo na vida não só podemos, mas devemos (deve-se aos mortos), tirar conclusões políticas - o que dizer, então, de um suicídio? 

Luiz Carlo ingressou em 2012 na UNIFESP. Ou seja: topou com uma greve que paralisou a universidade ao longo de todo o primeiro semestre. Mas ele participou ativamente, foi preso, realizou balanços pessoais, entregou seu corpo, enfim, recostando-o do lado certo da barricada. 

Noutras palavras, como dizem, o ingresso na universidade é uma "nova fase" na vida de uma pessoa. Foi recebido pelos grevistas, e pela greve. Tomou contato com organizações de esquerda que atuam dentro do movimento estudantil. Enxergou, momentaneamente, quem sabe, alguma perspectiva. 

E, no entanto, suicidou-se. O que aconteceu?

A esquerda, talvez, não dá mais pé a quem precisa. 

Quanto à memória, vale dizer: aqueles - não todos - que tiveram contato com ele não se recordam de tê-lo ignorado ou o tratado com indiferença em algum momento?

Para não falarmos da indiferença institucional, ou das inúmeras vezes em que professores olham com desconfiança um negro, pobre, que ousa estudar e falar, e se mover no espaço, e desejar a vida como qualquer ser humano.

Quem matou Luiz Carlos foi o racismo da sociedade brasileira, o racismo fora e dentro das instituições de ensino. Quem matou Luiz Carlos foi a impossibilidade material, subjetiva e última, da sobrevivência.

Pelo que dizem, Luiz Carlos se enforcou a uma distância que lhe permitia botar os pés no chão. Todo enforcado mexe as pernas, freneticamente, à procura do chão. No caso de Luiz, por que seu corpo, naturalmente - pensamos nós - não pisou o chão, para impedir o prosseguimento da dor insuportável e do sufocamento? 

É que a esquerda, repito, não dá pé a quem precisa. A culpa do capitalismo não é o suficiente para explicar a incapacidade de destruí-lo, por parte daqueles que dizem lutar por sua destruição. A culpa do capitalismo é relativa, sim, quando nós, os incapazes de destruí-lo, sabemos que não é impossível destruí-lo, e, mesmo assim, essa consciência não conduz no caminho da sua destruição.

Luiz Carlos dobrou as pernas, "conscientemente", fazendo questão de não esticá-las, para além das súplicas do corpo.

Me pergunto: que dor é essa, afinal, mais forte que a dor do corpo, a ponto de mantê-lo, obstinadamente, preso pelo pescoço até o último instante de vida, abrindo mão de manter-se de pé?


Abaixo, link's de dois vídeos de Luiz Carlos, cantando:

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cf0yyJctp0c

http://www.youtube.com/watch?v=wuSmiKfICrM

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