O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Também é Natal na cracolândia.


(o natal existe: todo o Mundo é triste)

O Natal chegou, mais uma vez.


As frases de efeito, chavões, clichês, lugares comuns, etc. que se erguem contra o Natal, povoando o imaginário daqueles que aparentemente detestam o capitalismo, converte-se naturalmente em bloqueio à verdadeira crítica da mercadoria. A revolta assim se transforma em papagaiada, mesmices, do tipo: o natal é a festa da hipocrisia! Nos porões da nossa consciência existe um saco cheio - e vermelho! - dessa ideologia reciclada, que, no fundo, não passa de mais uma atração das festividades natalinas. De fato, o natal já não incomoda tanto quanto os seus críticos morais de plantão. 


A hipocrisia, o parco entusiasmo do trabalhador analfabeto, despolitizado e dominado pela ideologia (petista) do consumo, é infinitamente menos corrosiva do que a hipocrisia histérica da classe-média, que se auto-intitula “reflexiva”. Quem são eles? Nós: artistas, estudantes de Humanas, professores universitários, agitadores culturais, etc. etc. Chamar de corja esse segmento social, por seu pedantismo parasitário, pode parecer um insulto  contraditório. No entanto, muito cuidado leitor: sentir-se insultado com o xingamento é provar justamente sua exatidão! Contente-se com a verdade, e não tenha medo em ser a exceção da regra. Enfrente sua caganeira cheirosa... cagão!

***

“O natal chegou mais uma vez”. Esta frase conserva um conteúdo ideológico gritante, e ensurdecedor. A sensação de imutabilidade, de que nada acontece e de que vivemos numa realidade imóvel, é um dos resultados mais perversos, no nível da consciência, que o veneno da mercadoria produz. O efeito é tão devastador e vertiginoso que beira a loucura: repetem-se detalhadamente os mesmos comportamentos, ano após ano...

Ainda estamos no ano passado? O ano passou, ou tudo não passa de uma eterna véspera – eterna temporada no inferno do consumo?

Os mecanismos que conformam o aparelho mental de um consumidor padrão assemelham-se enormemente aos de um viciado em crack: comportamento repetitivo, uniformização assustadora das funções motoras, incapacidade de comunicação, redução da capacidade cognitiva, confusão mental, sensação repentina de sufocamento, irritabilidade, etc.

Para o viciado, o efeito da droga de certa forma é permanente. Toda a sua vida, nos dias em que não está sob efeito da droga, é uma espécie de odisséia (com toda ironia) que só faz sentido quando o objetivo é alcançado: o consumo. Essa é a medida palpável de onde devemos partir: a experiência sensível das pessoas, e não de esquemas morais inócuos.

Uma festividade voltada ao consumo, no reino absoluto da mercadoria, aparece necessariamente como um verdadeiro caos moral. Não pode ser de outro modo.  A dissolução ética em curso é plenamente compreensível à luz das forças cegas de acumulação do capital, que regem os anseios mais subjetivos das pessoas. Espantoso, nesse sentido, é ainda nos espantarmos com isso. O nível moral só se presta à constatação do óbvio, exemplo simples para fins pedagógicos.

Mas, justamente no nível mais sensível à consciência podemos observar que as coisas mudaram, e mudam, ao contrário do que parece. Primeiro: a derrocada cultural, ou o reforço diário da ideologia do consumo, não esbarra num grau zero de destruição subjetiva – pelo contrário: seguindo-se até as últimas conseqüências a marcha só será interrompida por uma destruição definitiva da base social que lhe sustenta: o fim da própria civilização humana.

O natal, nesse sentido, serve para alguma coisa: é um termômetro. Todos percebem, ou “sentem”, que as “festas” do ano atual mudaram em relação ao ano anterior. Difícil é confessar que mudam pra pior. Seja como for: trata-se de uma expressão simples, mas altamente reveladora do ritmo pelo qual nos aproximamos de um abismo irreversível.

De outro lado, a crise, alastrando-se em ondas sucessivas e cada vez mais largas de desemprego em massa, medidas econômicas restritivas contra a classe trabalhadora, etc. O Brasil afundará em breve... Com o seguinte desconto, que parece tornar imperceptível o efeito da crise: a miséria atual extrema de algumas nações européias não é novidade para nós: o desemprego aqui é crônico, e a miséria permanente. Mas, como foi dito, o buraco é sem fundo...

No telejornal do meio-dia, mostraram a imagem de uma rua do centro da cidade de São Paulo. Como um formigueiro, pessoas moviam-se aparentemente sem rumo. A jornalista hesitou por reveladores milésimos de segundos. Cracolândia, ou 25 de março? O editor deu a informação, e o tom do informe, imediatamente, revelou-se eufórico... De fato, como não pensávamos, era a rua do comércio feliz. Mas um silêncio fúnebre se manteve indisfarçável... Resquícios de uma dúvida sinistra. Visto de certo ângulo, o cinismo é digno de pena.  

João .

Roberto Piva - A Piedade

Filme com Roberto Piva e vozes de Jim Morrison, Willian Burroughs, Patti Smith Jack Kerouac, Antonin Artaud. Músicas de Stockhausen, Lou Reed e Morfine.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

"O Signo do Caos"

Escravos de Zara

Ação direta realizada em 10 de dezembro, dia de comemoração do aniversário da publicação da Carta Universal dos Direitos Humanos, contra a franquia espanhola ZARA, que mantém trabalhadores em regime de escravidão.


Veja a reportagem completa - no link abaixo-, e entenda mais como essa empresa- que só é uma entre tantas empresas, corporações - mantém os trabalhadores em regime escravo.


http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1925&name=Roupas-da-Zara-s%E3o-fabricadas-com-m%E3o-de-obra-escrava



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"Linguagem" Paulo Leminski

"Pasolini passou aqui"




A notícia é da semana passada: depois de uma longa queda de braço, o prédio do Cine Belas Artes, na Rua da Consolação, não será tombado pelos órgãos de proteção ao patrimônio. Fechado desde março, o imóvel foi pichado com a frase “Pasolini passou aqui”, aludindo ao cineasta italiano.

O autor da ação (confira vídeo acima) é um artista paulistano. Ele topou dar uma entrevista, por e-mail, ao blog. Antes, fez algumas ressalvas, que reproduzo a seguir:

“sobre o meu nome pensei bem e não gostaria que aparecesse mesmo.
não por omissão, mas pela coerência da proposta.
gostaria de assinar com um endereço eletrônico:
www.exorcity.pravida.org
o que acha?
de qualquer maneira gostaria de colocar o link junto do texto.
sei que será praticamente impossível
isso sair na íntegra no impresso
mas fico na expectativa que ao menos no eletrônico
não haja cortes.
tomei algumas liberdade de escrita
por exemplo:
escrever pixação com x (de pixel)
e não com ch (de piche)
utilizei a palavra pixo também muitas vezes”

Isto posto, publico a nota na coluna impressa da edição de hoje da seção ‘Paulistices’. E, a seguir, a íntegra da entrevista:

Por que “Pasolini Passou Aqui”?
Perigoso explicar. A expressão “Pasolini passou aqui” se auto-explica e, precisamente, naquele espaço, estimula múltiplas interpretações. O que posso afirmar, percebendo a recepção das pessoas, é que ao menos duas questões primordiais são levantadas: a primeira (definição da denúncia), como assim acabou o cinema e ninguém faz nada? a segunda, não menos importante: quem que é esse Pasolini? Um grupo de pixo? Fato é que o cine belas artes encontra-se agora desfigurado como desfigurado fora o rosto de Pasolini naquele novembro horrendo de 1975 (quando o poeta do cinema, de porte e postura, foi atropelado de maneira perversa, sob a pecha de comunista emporcalhado). “Pasolini passou aqui”, é obvio, porque os filmes dele foram ali exibidos, “Pasolini passou aqui” porque esse é o espírito da pixação: o do “fulano passou por aqui”, “Pasolini passou aqui” porque o espírito Pasolini passou por mim: psixografei-o. Atropelo cinema X atropelo Pasolini. Para alertar os desmemoriados.

Como surgiu a ideia de escrever essa frase na fachada do Belas Artes?
Muros são como túmulos: merecem epitáfios; e morremos todos os dias entre os muros. Penso que jamais devem haver retrocessos nesses aspectos: nunca um muro a mais, sempre um muro a menos: nunca um cinema a menos. A ideia de uma intervenção bem diagramada e clara, utilizando a marquise como grid para simular um letreiro de cinema (letras brancas em caixa alta), me pareceu uma boa solução para comunicar e resignificar o problema. Fiz a poetixação (como Augusto de Campos me sugeriu chamar essas perquirições) para explodir o diálogo, trazendo a questão do cinema pro universo da pixação ao mesmo tempo q a questão do pixo pro universo do cinema. Afinal, já é tempo de abrir os códigos desta linguagem marginalizada para expandir seu alcance e atuação e como diria o próprio Augusto: “filmletras quem os tivera?”.

Como foi a “operação”? Você tomou algum tipo de cuidado para não ser surpreendido?
A operação foi precisa. Utilizei a técnica que a pixação me deu. Nenhuma outra modalidade de composição me daria essa habilidade, e eu não estava sozinho. Aspirei ao letreiro luminoso que é recorrente no filme O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla, mas foi mesmo o letreiro furioso do pixador #DI#, pioneiro que dominava plenamente a arte de pixar de ponta cabeça, que me inspirou na hora.

Qual sua ligação com o Belas Artes?
Não tenho nenhuma ligação com as “belas artes”, esse termo está totalmente ultrapassado. Não compactuo com beleletristes. Mas, apesar do nome, é certo q era um bom cinema, caso em extinção de boa programação (que incluía filmes representativos da história cinematográfica) e ótima localização (contrário da cinemateca por exemplo). Hoje, ficamos reféns dos filmes em cartaz da programação meramente comercial dos outros cinemas da região, da qual 1% dos filmes trazem alguma novidade, os outros 99% são carne de vaca.

Como você recebeu a notícia de que, definitivamente, o cinema não será tombado?
As coisas estão tão sem sentido que eu recebi mensagens comemorando o fato da pixação ter aparecido no jornal ao invés de lamentando a decisão da “justiça”. Cultivei, nestas ultimas semanas, a falsa expectativa de que o cinema pudesse voltar a funcionar. Mas não, o que se vê é uma política pública que privilegia os interesses do mercado imobiliário, e essa política repercuti em sérios equívocos sociais. Como abordar essa coisa delicada a qual chamamos vida? E se o cinema é, em certo grau, a extensão da nossa mente, de nossos sonhos, é justamente a nossa cabeça que está sendo atropelada. E se não tem cinema, e se o mercado rodoviarista também comete suas presepadas, e se aquela velha lei da física prova que os muros estão em movimento em relação ao corpo que está parado dentro do carro, os pixadores (melhor se forem poetixadores) vão se encarregando de distribuir palavras e imagens em movimento por aí. o cinema é o mundo?

EDUARDO COUTINHO (Vice Magazine)



TEXTO LAURO MESQUITA E FOTOS CHRISTIAN


Os filmes de Eduardo Coutinho não têm pirotecnias, nem jogos de câmera incríveis. Em geral, têm pessoas falando, contando histórias de suas vidas. Mas foi com essas histórias que ele se tornou um dos melhores cineastas do Brasil—e sem dúvida o maior documentarista.

Morador do Rio de Janeiro há quarenta anos, ele mantém o seu jeito de tio turrão de bairro paulistano, onde nasceu. É notadamente ansioso e se recusa a falar sobre sua vida pessoal e hábitos—como o tabagismo—renega dois de seus filmes e costuma declarar que não aprendeu nada trabalhando na imprensa na década de 50, e que duvida que alguém aprenda.

Em Santo Forte (1989), seu segundo filme a ir para os cinemas, mesmo sem apego algum a ideologias ou credos, ele fez algumas das cenas mais intensas sobre a fé do cinema brasileiro sem filmar ne- nhum culto nem nenhum ritual—a crença se materializava nos depoimentos das pessoas. Coutinho acima de tudo ouve o seu interlocutor. Daí em diante, seu cinema parece obcecado com a descoberta das coisas a partir das conversas e dos relatos diante da câmera.

Esse interesse pela conversa talvez tenha começado já em 1984, quando o diretor lançou o seu primeiro longa-metragem, Cabra Marcado para Morrer (1985), quando ele retomava a tentativa de fazer um filme com camponeses da cidade de Galiléia na Paraíba. Na primeira tentativa, em 1964, a intenção era reencenar a vida do líder camponês do título. O filme foi interrompido violentamente, assim como tudo que se opunha à ditadura que chegava com o golpe militar. Quando o diretor vai atrás das pessoas que participaram do projeto, 20 anos mais tarde, já não há mais utopia de construir um projeto coletivo de intelectuais e camponeses.

Apesar de sempre declarar que não vai ao cinema, shows ou teatro, preferindo assistir a tudo em casa, em seu filme mais recente, Moscou (2009), Coutinho acompanha a montagem da peça As Três Irmãs, de Tchekhov, e vai além do registro dos ensaios. Observando os bastidores do esforço para construir a interpretação do texto em apenas três semanas, ele registra uma mistura de realidade e ficção que fala muito sobre cada um dos participantes e leva o espectador a se imaginar também.

Durante a conversa, tive a certeza de que pra quem procura a verdade e nada mais que a verdade em seus filmes, a voz desgastada pelos três maços de cigarro por dia e os ouvidos abertos de Eduardo Coutinho têm pouco a oferecer. Seus últimos filmes mostram como as interpretações, no palco ou fora dele, constroem a memória do mundo.

Vice: Por que, depois de conversar com gente tão diferente ao longo de sua carreira, você foi atrás dos atores nos últimos filmes?
Eduardo Coutinho: Depois de tanto tempo trabalhando com pessoas como personagens, eu vi que há um elemento ficcional no momento em que elas falam. As pessoas se reinventam na hora de falar. Pelo modo como elas falam, e eu chamá-las de personagens, acaba se construindo mesmo uma mise en scène nem que seja uma situação vivida por elas.Isso eu já observo desde que eu fiz o Cabra Marcado para Morrer, mas ganhou força no Santo Forte. No meu filme anterior, o Jogo de Cena, eu misturei as entrevistadas com atrizes profissionais. A idéia era mostrar que muitas vezes outras pessoas podem contar me-lhor sua história do quem passou por isso. E se não é melhor, é diferente, a história pode até ganhar outro sentido... Tem duas mães contando a mesma história no filme. Uma é verdadeira e outra é falsa, mas não é isso que importa. O que importa é que todas falam a história com verdade. Ninguém é dono de sua própria história.

Então a ficção pode ser tão verdadeira quanto a declaração de um personagem que conta sua história?
No fundo é o seguinte, o imaginário é tão real quanto o real. Você pode pensar na realidade sócio-econômica e nos dados, mas o ima-ginário é tão importante quanto isso. O imaginário é o jeito como a gente cria o nosso passado, presente e o futuro. No final das contas, nós somos sempre atores—agora, aqui na entrevista, e sempre.

E quando uma história é bem contada?
Quando ela é dita com paixão, ela já é verdadeira, mesmo que ela não pertença a pessoa. O bom contador de história é sempre ator...

E qual o papel que o diretor interpreta?
O meu personagem tem de ser a pessoa que escuta mas não julga. Mas nesses dois últimos filmes, eu tive que assumir outro papel. Um papel de ator mesmo... Quando eu filmo um ator interpretando um texto do Tchekhov ou reinterpretando uma entrevista, eu tenho de fingir que não sei o que elas vão me falar, mas eu já sei o texto. Mas quando funciona é surpreendente e é isso que eu busco nos filmes.Eu não tinha noção do que as atrizes iam fazer com o texto em Jogo de Cena, nem elas, eu acho. A Fernanda Torres entra em pane. Ela tenta fazer a personagem e é ela mesma, tentando ser uma mulher que está em crise e tenta sair usando os recursos de atriz para fazer a personagem. É tudo um pouco misturado.Tem muitos momentos que eu não sei se os atores têm consciência de que estão sendo filmados ou não. Não desligo nunca a câmera. É um ocaso absoluto. Eu me comporto como quem pergunta sem saber. Várias vezes, é um papel de ator.

E foi daí que nasceu o interesse pela Três Irmãs do Tchekhov?
A partir do Jogo de Cena, eu vi que não podia voltar atrás, não podia me repetir. Eu resolvi fazer algo ao contrário do Jogo de Cena. Ao invés de colocar as atrizes para interpretar um depoimento, eu preferi acompanhar a montagem de um texto ficcional. Lidar com a questão de quem é o ator e quem é o personagem. Afinal as coisas se confundem no filme, não é? Tem hora que os atores do Galpão estão lendo um texto, tem hora que uma atriz se comove com as coisas da vida dela, em outros momentos alguma coisa da peça emociona uma das atrizes e elas começam a cantar o hino de Divinópolis. E a situação, em si, já tem um elemento de imaginário. Afinal é uma peça que nunca vai se realizar. Uma peça que a deveria ser montada em três semanas, já era um projeto inacabado no nascimento...

E sua experiência como jornalista ajudou nesse trabalho de entrevistador?
Eu acho que não. No Jornal do Brasil eu fui copidesque, ficava na redação. E depois fui trabalhar nas reportagens da Globo e ali eu tive um aprendizado de câmera... Mas foi no Cabra Marcado pra Morrer que eu me tornei cineasta. Cheguei na Paraíba sem muita pesquisa para dirigir um documentário sobre a morte de um líder dos lavradores. Tudo sem pesquisa alguma e sem conhecer a minha principal personagem, viúva do João Pedro. Lá que eu aprendi que com pesquisa ou sem pesquisa eu espero buscar coisas surpreendentes. Por que jogo é jogo e treino é treino. É na hora de filmar que as coisas acontecem. Nunca se sabe se vai sair um filme ou não dali. 

É bom falar sobre o Cabra Marcado, eu acho que ele diz muito sobre a mudança do cinema brasileiro. Originalmente o filme era um projeto coletivo envolvendo “representantes” de intelectuais e camponeses, não é? Com o golpe militar, que interrompeu as filmagens em 1964, ele se tornou uma busca de um indivíduo por outros indivíduos, reencontro em que os cacos da história estilhaçada, rompida, são retomados. O quanto essa experiência te marcou?
É isso mesmo. Eu era envolvido com o CPC e fui me meter em cinema, fazendo filmes sobre camponeses. Logo eu que não sabia nem como se plantava uma batata. Em 15 dias lá, estive com umas 15 pessoas. O curioso é que a gente ia filmar uma história das pessoas do movimento dos camponeses da Paraíba, eles atuando como atores de sua própria história. O golpe militar interrompeu as filmagens e o filme ficou inacabado. E daí eu reencontrei essas pessoas quinze anos depois. O Cabra era uma espécie de um resgate de uma história perdida por todos. Por isso é um filme que fala da minha vida e da vida dos personagens, da equipe... O próprio filme é personagem. E acho que isso que deu tanta força ao filme.

E por que você passou tantos anos sem lançar um filme nos cinemas depois do Cabra?
Eu fui fazer cinema 15 anos depois com o Santo Forte. Eu demorei pra fazer o filme porque não encontrava quem apostasse na idéia de um filme sobre religiosidade em que os cultos e os templos não aparecem... A religiosidade aparece toda por meio da fala das pessoas. E eu na verdade, falava sobre fé ,mas queria saber como as pessoas vivem. A partir daí, os meus filmes partiram de ser o encontro das pessoas e da câmera. A maneira como elas se relacionam e contam suas histórias para câmera. O tema é sempre a vida.

Esse caso é curioso por que seus filmes parecem interessados no que as pessoas têm a falar sobre o que é difícil de medir, pelo intangível. Seja nas entidades de Santo Forte e Babilônia, seja no mito de Lula, em Peões...
Acho que isso rende conversa. Em Peões, eu não queria saber da maneira como as pessoas viam a greve de 78.Todos eles vão contar a greve como um mito. Quero saber como eles viveram aquilo, como era vida das pessoas naquela época. E como eles viveram depois da greve. O curioso é que a maioria dos operários estava melhor de vida. No discurso deles, os mais comunistas, os mais aguerridos, se orgulhavam de trabalhar na Mercedes-Benz. E isso é muito curioso pra quem vem de outra realidade. Mas o que me interessa é isso mesmo. Você tem de revelar a diferença cultural. Tem de se abrir pras coisas. E mostrar que isso não é um obstáculo. Eles têm algo a me ensinar e eu tenho algo a ensinar a eles.

Por que falar de um lugar que só existe na imaginação das pessoas, como a Moscou da Três Irmãs de seu último filme? Essa Moscou é boa para pensar o Brasil?
Na verdade, já na peça, Moscou é uma coisa de tudo que você idea-liza. É o que a gente pensa na vida e que não acontece nunca. Eu acho que esse texto não fala só sobre o Brasil, é universal, pra qualquer pessoa. Eu acho que a peça diz respeito a todas as pessoas. A vida de todo mundo tem origem, família, morte, o trabalho. São as coisas que inte-ressam as pessoas. Como a gente filmou com o Galpão em Minas Gerais, o texto acaba trazendo algumas reminiscências deles. Mesmo por que as memórias delas e das personagens se misturam também. Tem uma cena em que uma das atrizes chora depois de um ensaio. As colegas se aproximam, uma dá um copo de água, diz uma frase do texto da peça, como se o ensaio continuasse, e, por fim, uma atriz entoa o hino de Divinópolis. O que isso tem a ver com Tchekhov? Não sei também, mas é que ali elas eram as atrizes, a personagens. A atriz tá falando da vida dela. No fundo não tem no Tchekhov. Foi puramente eventual. Elas viram a atriz triste e tentaram animar ela com o que tava acontecendo ali na hora.

E o quanto esse acaso é importante nos seus filmes? 
Sem o acaso e o improviso, eu não tenho o menor interesse no que eu faço. Se eu não me surpreendo em um filme, ele não me interessa em nada. Acho que isso também serve pro público. Se o filme não faz pensar, não toca na imaginação, não vale a pena. Nessa cena mesmo, do hino de Divinópolis, não tem nada premeditado. Nessa hora, não tem nem o diretor e nem o personagem, não tem nada. É a perso-nagem e a atriz falando ao mesmo tempo. O artista tem de buscar o acaso. Quando ele funciona é quando a gente acredita no que está vendo ali. A coisa tem paixão, a gente acredita e a coisa se desmancha, ninguém vive no paraíso o tempo todo.

E isso também parece ter muito a ver com o que as irmãs falam no filme.
Eu acho que a vida é assim. As pessoas fantasiam que a vida vai ser de um jeito, sonham com alguma coisa, e quando isso acontece elas se frustram. Para mim é assim, e acho que Moscou tem muito disso.

E pelo que eu fiquei sabendo isso também teve muito a ver com a montagem do filme?
Nesse filme a gente tinha tanto material, setenta horas filmadas em duas câmeras. Era muito material filmado e acho que isso tem muito a ver com as novas tecnologias. A câmera permanecia ligada o tempo todo. E na hora de montar, eu e Giovana Berto, que já trabalha comigo há dez anos, a gente estava perdido. Então fizemos uma pré-edição de quatro horas e quarenta. E vendo tudo ali naquele material, eu percebia que a gente não tinha filme. Eu realmente não sabia o que fazer. Eu nunca tinha vivido essa experiência. Em Peões eu até vivi uma coisa parecida, mas era mais relacionada a alguns detalhes do filme. E aí o João Moreira Salles, produtor do filme, foi essencial pra me apontar o caminho. Ele inclusive também sugeriu o nome do filme. Partimos para a idéia de fazer uma coisa em fragmentos. E nisso, esse formato dialogava com uma peça que também é um fragmento inacabado.

Mas havia a preocupação de contar toda a história da peça?
Eu nunca quis um filme de making of e o material das conversas não renderia imagens boas pro filme. Na montagem, a gente passou a não se preocupar em contar a história inteira. Começamos a trabalhar com fragmentos que incluíam vida pessoal, workshops, oficinas, improvisos e o próprio texto do Tcheckhov, fazer um mosaico que fizesse sentido sem ser óbvio

E quando você sentiu que o filme estava pronto?
Ao longo da montagem, eu fiquei aliviado por chegar a uma solução que fosse interessante, mas mesmo assim eu continuei cheio de dúvidas até que o filme estreou. Só depois da estréia no “É tudo verdade” é que eu vi que o filme estava pronto. Depois que eu li umas críticas que me deixaram contente. E não é por que falaram bem do filme, mas por que pensaram a partir do filme. E pensaram até coisas que eu não tinha pensado. Na minha opinião o filme é bom quando faz pensar ou sentir, com a cabeça ou o coração. É claro que algumas pessoas não vão embarcar no filme. Isso é normal. O público pode gostar dele se estiver aberto a um filme que não é tão comum. Um filme que não é uma peça e nem um documentário sobre montagem de peça é isso também.

E uma vez você disse que o filme pronto não é só seu...
O filme pronto não é mais meu. Eu pertenço ao filme, mais do que o filme pertence a mim. Ele já é um fato consumado, um objeto que tá aí.

E como essas novas tecnologias te ajudaram?
Foi a primeira vez que eu filmei com câmeras HD digital. O modelo que eu usei não é desses super modernos não, mesmo assim, ele tem uma qualidade de imagem muito boa, que parece cinema. E outra coisa é que ela grava em uma espécie de disco em que você pode filmar umas vinte horas seguidas. Você pega e põe no computador. Você pode filmar horas sem parar. Mas o principal é essa qualidade de imagem e que cada um vai ficar melhor e mais barato. Eu já não filmo com película há quase vinte anos. Tem gente no Brasil, um país pobre, que ainda tem esse fetiche com o 35 mm. Eu acho que pode até existir ocasiões em que a película é necessária, mas no caso do documentário, eu acho patético que ainda tenha gente com essa preocupação.

Muita gente inclusive comenta da plasticidade do seu último filme. Do trabalho com a imagem, a câmera tem a ver com isso?
As duas palavras mais terríveis para mim são pureza e perfeição. Você sabe o mal que essas palavras já causaram no mundo. Meus filmes são e continuarão tendo a pessoa como centro das coisas, a oralidade e o corpo delas. Talvez a câmera tenha trazido uma imagem melhor, mas acho que essas imagens vêm muito do trabalho que os atores faziam surgir na sala de ensaio e das propostas do Enrique Diaz. Eu só acompanhava e tentei interferir o mínimo nas cenas.

E como foi esse trabalho entre você, o Enrique Diaz e o Galpão?
O Enrique Diaz também dirigiu. Eu participava das discussões sobre os detalhes e sobre a concepção do trabalho, mas a direção de atores e a concepção da peça é dele. Eu nunca falei com um ator pra fazer isso ou aquilo. Eu interferia o mínimo. Podia até conversar com ele sobre uma cena ou outra. Ao mesmo tempo, ele tinha a dificuldade de lidar com uma coisa que era pouco confortável. Afinal ele pro-punha as cenas e os ensaios da peça sem saber como eu estava filmando. Ele não podia interferir na imagem. Com isso, eu queria deixar ele livre, para que os atores fossem verdadeiros. Pro público acreditar nos atores, seja fazendo Tchekhov, seja fazendo exercícios, seja falando da vida deles. Os atores do Galpão e o Enrique Diaz não sabiam como eu dirigia a câmera e conduziam a montagem da peça como se fosse uma montagem. Era uma atuação dentro da atuação. No final, eles sabiam que eu ia montar e na montagem é que a coisa seria decisiva, como acabou sendo. Mas o importante é que as imagens que estão foram feitas por eles. E mesmo que falem desse cuidado maior com a imagem, é tudo de uma simplicidade total. Não gastamos nada com cenografia, já estava tudo lá. Eu acho isso muito bom. Porque o texto e as interpretações fazem entrar na viagem do filme, imaginar, pensar as coisas da vida. Isso que importa. Dá pra interpretar como quiser, o filme é aberto pra isso. E como eu disse, o filme não me pertence.

E depois desse trabalho, o que te motiva a fazer um filme nos dias de hoje? O que você busca?
Vários filmes, desde o Cabra, acabam sendo filmes sobre um mundo que sumiu. Nesse caso era o fim do patrimonialismo, o fim do movimento camponês, mas é muito desse mundo que não existe mais, que fica na memória e que a gente recria com a imaginação. Quando eu filmei o Edifício Master, que é sobre os moradores de um prédio em Copacabana, eu não queria falar sobre esse bairro no Rio de Janeiro. O tema é o encontro com as pessoas na metrópole. Eu jamais esco-lho um tema. O tema é sempre um pretexto. O tema é a vida delas e a memória delas e dos objetos. Eu não filmo pobre por motivações políticas ou sociais. Eu filmo por que eles são diferentes de mim. Meu objetivo é sair de mim.

Eu não estou preocupado com a profundidade, mas com a superfície. No cinema, se não tem aparência a vida não existe. Por isso não interessa se a história é real ou não, interessa que ela seja contada. Não me interessa a montanha, o edifício, a fábrica ou o que for. O que me interessa é o corpo humano que se expressa por meio da fala. Quando a pessoa fala, ela se revela com o corpo e com as tripas. E é na singularidade de cada indivíduo que está meu interesse. Isso é forte pra mim.



2159


Era noite de festival de cinema, em 2159, numa cidade do interior de São Paulo.

Haviam alguns alienígenas na platéia da premiação. Eram de um planeta há pouco descoberto chamado "Capton". Eles, por sua vez, eram donos de metade do planeta terra, a outra metade era de empresários do Mac Donalds. O Mac Donalds havia instalado algumas franquias em Capton e levado alguns seres humanos para lá trabalharem, agora sob recente descoberta de cientistas do planeta "Mercaton", de que seres humanos conseguiriam trabalhar 22h por dia, com 30 minutos de descanso, 30 para comer uma cenoura por dia no almoço, e outros 60 para visitar amigos, família, se divertir, criar, trabalhar a subjetividade e dormir.

Naquela noite, um cineasta que parecia não dialogar com seu tempo, desde sua forma de vestir até como se sentava na cadeira ou respirava, ouvira seu nome pronunciado a um prêmio pela  pesquisa histórica de um filme que falava sobre o século 21.

Subira até o palco sem olhar para os lados, como se se despedisse de todos, sem querer encará-los um pouco por asco e um tanto por medo. Recebeu o prêmio com um sorriso e retirou da cintura um revólver calibre 38 e o direcionou ao céu de sua boca.

Ninguém entendera nada, já que o obsoleto objeto já não existia - a repressão agora era feita através de um pequeno aparelho do tamanho de um polegar que, simplesmente, contorcia o cérebro dos revoltosos, transformando seu descontentamento em dor, e o que era vontade de mudança, o que era desejo se torna um incômodo tão grande que logo todos se acostumaram a viver sem aquilo, que até um certo momento também chamavam de sonhos.

O cineasta então atirou contra o céu de sua boca. O sangue que corria parecia morto, mas de alguma maneira, seu corpo ainda pulsava. A platéia ainda demorava para entender o que houvera acontecido. Há muito não se via aquele liquido e nem aquela cor. E ao mesmo tempo, um sentimento de vida se confundia com a morte, já que aquele corpo pulsava motivando os outros corpos humanos a também pulsar, os únicos se mantinham ocos, parados eram os dos donos do mundo.

Alguns fotógrafos, repórteres armaram câmeras e espécies de micro computadores, mas não conseguiram clicar ou escrever qualquer coisa, já que um deles houvera se cortado na alça metálica de uma das câmeras, e viram que aquele sangue que jorrava se assemelhava com o homem no chão.

Todos olharam o corpo e, por algum motivo, deixaram seus equipamentos caírem sobre o chão. Apenas compadeceram com aquele corpo morto, e andavam, vagarosamente para fora do espaço de premiação.

Alguns deixavam cartões de crédito e dinheiro - estes ainda sobreviveram através dos tempos -  caírem sobre o chão, que consequentemente eram pisados por outros.

O alienígenas de Capton se juntaram aos outros do donos do mundo e cabisbaixos entravam na última nave para Capton, de onde desciam os trabalhadores que lá estavam.

Foi então que, pela primeira vez, entendemos o que era humanidade. 



Janis Joplin "Summertime"

domingo, 4 de dezembro de 2011

Olhai por nós, doutor!

Freud morreu, Marx morreu, e eu também não me sinto bem.

Algo me atinge semelhante às outras lembranças de grandes seres humanos que se vão:

Quando se foi, Boal parece ter levado contigo uma matéria humana digna, sincera, necessária. Dele fica um teatro que celebra a vida, engajado, combativo. E ao mesmo tempo se esvai assim como um pouco de nós. Morremos um pouco a cada lembrança.

Assim foi com tantos outros: Florestan, Rosa, Ana, Che, Milton, ....

Com todos, todos eles, um pouco de nós.

E, hoje, Sócrates, o doutor, aquele que de fato avistávamos e dizíamos: "Este existe e é filósofo, dos bons"; rompeu com o tecido que nos segura em vida, e quanto mais vive, mais fino fica. Com ele se √ão os desejos de uma democracia onde nada mais vivia. Vão também as promessas, ainda que cumpridas. Fica seu convite para uma dança. Que só aceitam aqueles capazes de se embriagar com a bola nos pés, uma cerveja gelada num buteco mais ou menos, se possível numa segunda pela tarde.

Fica um desejo de novos atrasos nas concentrações antes do jogo, não por causa de melancias e morangos, mas porque se embriagava - de novo - com a mulher que ama(va)(ou) - ainda que por uma única noite, mas amou. 

Fica o desejo, de que surjam mais ociosos, mas que no fundo "só-negam"a realidade e clamam por vida.

Doutores,

Uma coisa é certa: de vocês, mas que qualquer fetiche, fica a vontade de vida, e aquilo, que (nos)nós, extensão de vós, (nos)cabe fazer: mudar o mundo!

Seremos competentes o bastante para continuarmos nossa(vossa) jornada? 

Veremos camaradas, veremos!

ps: se por caso, estivermos errados, e de fato existir um deus e um céu, diz a ele que a brincadeira já deu o que tinha que dar.

Egberto Gismonti "Palhaço"

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Carlos Reichenbach "O M da Minha Mão"

O Fim e o Princípio

Se Marx foi a tentativa de humanizar a ciência, Coutinho é, talvez, a tentativa mais sincera de humanizar o cinema.


Segue o link para download do filme "O Fim e Princípio" de Eduardo Coutinho via torrent:

http://thepiratebay.org/torrent/5094744

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

"A crise do documentário" por Ian F. Svenonius

Relia uma antiga edição da revista √ice "edição de filme" e encontrei este ótimo texto de Ian F. Svenonius,  e ilustrações* de Jim Krewson.

Matéria original: http://www.viceland.com/br/v1n4/htdocs/documentary-crisis-125.php?page=2

A pintura a óleo é praticada há cerca de 600 anos. A serigrafia foi desenvolvida na China, durante a dinastia Song no século X, ou melhor, há uns 1.000 anos. Talvez o poema mais antigo de que se tenha notícia seja A Epopeia de Gilgamesh, redigido em escrita cuneiforme no século III a.C., o que faz a poesia escrita ter uns 5.000 anos de idade. A música provavelmente surgiu junto com o homo sapiens na África como um elemento intrínseco à cultura humana, há 160 mil anos. Em comparação, o cinema tem o equivalente ao tempo de vida de uma tartaruga: aproximadamente 124 anos. Mas, apesar de ainda ser um bebê na escala de tempo das artes, enfrenta hoje uma crise existencial.

Saudado por Lênin como “a forma de arte mais importante”, o cinema que, mesmo em plena infância, fascinou o mundo até uma geração atrás, hoje luta pela sobrevivência, relevância, público e até mesmo para voltar a ser objeto de análise e debate. Considerando que o cinema nasceu do capitalismo industrial desordenado, essa condição de crise não é tão estranha. Na verdade, já que a característica principal do capitalismo é a crise perpétua, faz sentido que o cinema—uma lasca do grande bloco—seja marcado pela mesma histeria fabricada típica do sistema que o gerou.

Quando passou a ser mais do que uma simples novidade, o cinema era uma extensão do teatro, uma forma de contar histórias sobre o mundo. Mas, ao contrário do teatro, o cinema foi a contribuição da era industrial para o mundo das artes e assim—diferente de outros meios mais antigos—inevitavelmente lembrava as novas indústrias, como a siderúrgica e petrolífera, com as mesmas divisões de trabalho estratificadas, sindicatos, greves, contratos traiçoeiros, exploração impiedosa e uma elite proprietária de mentalidade monopolista.

Como a propriedade dos meios de produção é a questão central em tais indústrias, as grandes empresas do ramo cinematográfico—Warner Bros. e MGM—garantiram controle total sobre filmes, processos, suprimentos, trabalhadores (atores e diretores eram comprados e presos a contratos) e distribuição a fim de sufocar, destruir ou desencorajar a concorrência.

Assim como o rock em sua fase “clássica”, o cinema nos Estados Unidos era, quase desde o início, uma empreitada cujos custos apenas os estúdios de Hollywood conseguiam bancar, com um punhado de “autores” ilustres responsáveis por oferecer suas novas dádivas a cada temporada. A humanidade foi hipnotizada pelas fábulas que lhes contavam nos cinemas hermeticamente fechados que se encontravam a cada esquina. Tornar-se um participante do “cinema” era um sonho glorioso. Aspirantes a atrizes se jogavam contra o megalito de Hollywood como alimentos sacrificiais, e tornar-se diretor era uma ambição fantasiosa, ridícula, comparável a querer ser presidente ou rei do Universo.

Quando a tecnologia de vídeo proliferou, no início dos anos 80, ela foi, como todas as novas parafernálias da cultura de consumo, saudada como uma revolução para o homem comum. O vídeo era barato e portátil, e não estava sob o monopólio que a indústria cinematográfica mantinha sobre os meios de produção. Agora, qualquer pessoa que tivesse cabeça e ambição podia fazer um filme, e não mais apenas aqueles com conexão no showbiz, vínculos familiares ou disposição para um teste do sofá. Como a maioria dos supostos triunfos do “povo”, era na verdade o resultado do processo de imposição de uma indústria (a indústria eletrônica japonesa) sobre outra (a indústria cinematográfica de Hollywood).

O único problema com o vídeo era sua crueza e feiura. A imagem era tosca, e não tinha a mesma sensibilidade mágica que os espectadores viam na película. Assim, apesar da proliferação em massa quase imediata de câmeras de vídeo, poucos filmes dignos de nota foram produzidos com o novo equipamento. Em vez disso, as hoje onipresentes filmadoras foram relegadas a shows de rock underground até que outro uso—o registro de atos sexuais—fosse descoberto.

Ainda assim, Hollywood respondeu à ameaça da democracia do vídeo, tornando seus meios de produção ainda mais inacessíveis. Os filmes passaram a ser dirigidos por supercelebridades e os efeitos especiais se tornaram cada vez mais sofisticados. A narrativa deixou de ser prioridade em favor das maquiagens dos monstros, das explosões interestelares e das mega-estrelas. Uma vez que a TV a cabo e a locação de vídeos continuava a estraçalhar os lucros das salas de cinema, o desejo de produzir espetáculos se tornou cada vez mais e mais a principal preocupação dos estúdios. Para que um filme fosse lançado no circuito, deveria parecer um passeio de montanha-russa com todos as suas excitações nauseabundas. Cortes de quebrar o pescoço, enquadramentos nervosos, volume de som insuportável e violência explícita e bizarra fizeram muitos filmes, ironicamente, serem inassistíveis. Uma vez ou outra, por descuido, nos vemos em uma sala de cinema, seduzidos por uma enxurrada de propaganda, convencidos de que assistir a um determinado filme é indispensável para a continuidade da nossa educação cultural. Então, humilhados, degradados, insultados e R$ 20 mais pobres, juramos nunca mais cair nessa. Essa lição de vida é aprendida, em média, uma vez por ano. Na verdade, assistir a filmes no cinema é geralmente uma forma de nostalgia.

Esse declínio já vem acontecendo há algum tempo. Jean-Luc Godard afirmou memoravelmente em uma entrevista que, quando descobriu o cinema nos anos 50, este “já estava acabado”. Realmente, nos Estados Unidos de 1946, com uma população de 141 milhões de habitantes, vendia-se 100 milhões de ingressos de cinema por semana—um total de 36,5 bilhões de ingressos no ano. Hoje, com o dobro de habitantes, vendeu-se apenas 1,4 bilhão de ingressos em 2007 em toda a América do Norte (incluindo o Canadá).

Claro, as pessoas ainda assistem passivamente às peças moralistas dos seus mestres, mas agora em casa, na televisão, e a qualidade da imagem já não é mais tão importante. Pressentindo uma oportunidade, os videomakers—pessoas não necessariamente consagradas pelos estúdios—tentaram explorar o enorme potencial de desenvolvimento de uma indústria cinematográfica descentralizada formada por autores de verdade e entusiastas, similar à cena descentralizada dos músicos, artistas plásticos e poetas. Mas a vocação inicial da câmera de vídeo como uma ferramenta documental nunca foi abalada. Tampouco o desdém generalizado por algo que podia filmar qualquer um e que estava ao alcance financeiro de todos. Em uma sociedade cujo desprezo pelos pobres é institucionalizado, o próprio fato de o vídeo ser barato era considerado um defeito.

Por causa das suas raízes no registro de shows e pornografia, o vídeo era considerado uma “verdade”. Por isso, a nova geração de diretores, excluídos do uso de película pelos altos custos, se ocuparam em fazer “documentários” em vez de dramas com suas câmeras de vídeo. Hoje, produz-se documentários em uma escala inacreditável. São, em geral, perfis de alguma pessoa incomum, como um arqueiro sem braços ou um vegetariano que pratica a caça ou uma crítica política sobre alguma guerra ou uma pesquisa histórica em homenagem a uma banda de rock qualquer com direito a testemu-nhos de pessoas que estavam “lá” ou que foram profundamente influenciadas por ela. É relativamente fácil conseguir fundos para a produção de documentários, e não faltam festivais para exibi-los.

Apesar de parte desses documentários feitos em vídeo ser interessante, o que é realmente fascinante é o volume em que são produzidos, se comparado com as narrativas ficcionais tradicionais. O que isso revela a respeito de uma geração que não parece capaz de escrever uma história com personagens ou com uma trama bem estruturada? Enquanto a música se tornou completamente fantasiosa (repleta de compositores e cantores de folk psicodélico cantarolando canções sobre magia e duendes, compositores de música eletrônica propondo sexo com robôs e cantores românticos alternativos lamentando o fim de algum mundo imaginário), os novos diretores estão obcecados em apresentar um retrato da “realidade”. Eles têm uma preocupação apocalíptica de mostrar sua época como a vêm, já que não participam do diálogo oficial surreal que está sendo registrado pela mídia imperialista corrupta.

Enquanto esse impulso em apresentar a própria época aos herdeiros da terra ecoa uma necessidade humana antiga, vista desde as pinturas rupestres, a falta de qualidade artística do vídeo precisa ser enfrentada. Esses filmes são, em geral, relatos propagandísticos de eventos, feios, sem nuances. O trabalho de câmera é quase sempre execrável, a estrutura é simplística, o método narrativo é normalmente uma paródia de programas de televisão; parecem trabalhos de escola. Enquanto a utilização desse meio poderoso e a tentativa de expressar um argumento ideológico são admiráveis, as decisões estéticas dos videomakers muitas vezes revelam uma visão de mundo infantilizada, uma concepção artística atrofiada e uma mentalidade linear e empobrecida.

Isso tudo levanta a questão: quem é a audiência de tais produções? São os seus contemporâneos? Isso parece ser pouco provável, uma vez que as repetidas histórias da guerra no Iraque e os mitos do rock que aparecem em tais filmes são velhos conhecidos de seus espectadores. Se a intenção é a mera repetição de um folclore, é até uma boa razão, apesar de as armadilhas do cinema não parecerem necessárias para tal tarefa quando um panfleto ou um artigo de revista poderia fazer o mesmo serviço pelo menos tão bem quanto um vídeo, dispensando toda aquela autopromoção. Ganhar dinheiro não pode ser o objetivo, já que esses projetos representam em geral um risco financeiro.

A resposta óbvia parece ser que os vídeos são produzidos para oferecer uma explicação sobre nós e nossa época a alguma raça alienígena futura. Os esclarecimentos cuidadosos e infantis oferecidos são pensados para serem compreendidos por alguma sensibilidade exótica, e a idiotice em exibição parece falar a uma consciência interestelar à qual não se pode atribuir nenhuma sofisticação, sob perigo de gerar mal-entendidos, e à qual tampouco podemos atribuir o compartilhamento, conosco, de pressupostos culturais. Por que outro motivo um filme como Procedimento Operacional Padrão seria tão burro e simplório? Todos os seres humanos que viram esse filme devem ter ficado chocados com sua postura apologética em relação ao que todos sabem ser uma máquina de matar desprovida de ética, o Exército dos Estado Unidos.

Não faltam documentários sem sentido. No End in Sight, por exemplo, é uma peça de propaganda que sugere que a guerra contra o Iraque foi “mal conduzida”, e então invoca o espectro do Irã no papel de bicho-papão nos comentários finais, deixando as portas abertas para uma sequência espetacular. Uma vez que essas ideias estão por todos os lados, na televisão e nos jornais, quem seria o público alvo para tamanha estupidez? Talvez uma raça futura que vasculhará os detritos de nossa civilização e em relação aos quais os realizadores sentem a responsabilidade de explicar sua ideologia capitalista maldita, o sistema que desencadeou o fim de um planeta tão lascivo. Talvez achem que enquanto os programas de TV se perderão e os jornais serão queimados no holocausto nuclear, os videodocumentários sobreviverão, protegidos por sua capa de plástico resistente. Talvez sua propaganda tenha como intenção diminuir o nojo que os alienígenas sentirão quando testemunharem a insensatez humana, o mesmo sentimento que seria despertado, em uma loja de coisas usadas, por uma grande coleção de discos que foi pisoteada, arranhada e abandonada à própria sorte.

Parece claro que os documentários, e o vídeo em geral, são feitos para alienígenas. Por que, afinal, os DVD têm a forma de OVNIs? Para atrair a atenção de alienígenas. Por que os atores pornôs depi- lam sua genitália? Porque os diretores imaginam que isso agradará os alienígenas para os quais o vídeo pornô é feito—os mesmos alienígenas que são normalmente retratados sem pelos. Quem decidiu que o vídeo seria utilizado dessa maneira? Ninguém em particular. Foi inconsciente. Alguma coisa a respeito do vídeo grita “O Futuro” para as pessoas. Fontes e telas de vídeo sempre aparecem em programas de televisão, discos e filmes futurísticos. Talvez tenhamos feito alguma viagem astral na qual vislumbramos esse ambiente pós-histórico.

Esse impulso de criar explicações sobre nossa época para uma raça ou forma de vida superior é compreensível, claro. Tem sido o ímpeto de muitos escritos esotéricos e religiosos ao longo da História. Mas é um equívoco pressupor que os alienígenas sejam tão esteticamente esnobes que não possam apreciar um pouquinho de arte em sua propaganda. O que esses vídeos estão de fato insinuando para essa raça futura é o quão esteticamente pobre é nossa época. Dos novos edifícios concebidos por uma geração diabólica de arquitetos às calças de sarja dos empregados de escritório, às placas do comércio sem ne-nhum senso artístico feitas com as mesmas fontes de computador, aos carros projetados com o mesmo computador horroroso. A população tem sido alvo de uma imensa defecada estética, e não sabe. Anos e anos de retardamento artístico e de admoestações filistinas contra a arte vindas de todos os lados resultaram em um país kitsch de merda (EUA) e, por meio da influência desmesurada desse país sobre o resto do mundo, em um mundo kitsch também de merda.

Claro, é importante que não sejamos tão duros em nosso julgamento dos autores desses vídeos medíocres. Afinal de contas, eles trabalham sob uma ditadura fascista, com todas suas atribulações psíquicas, uma população idiotizada e conexões asquerosas, fruto da necessidade de financiamento. É bastante difícil produzir qualquer coisa que seja no mundo inteiro quando não há audiência para a obra. A mídia de massa teve sucesso em nos fazer sentir distantes, azarados, loucos, solitários. Com certeza, relativamente pouca arte interessante foi produzida no Chile de Pinochet.

Na famosa entrevista de Bob Dylan no documentário Don’t Look Back, de D. A. Pennebaker, na qual ele fustiga um repórter da Time ao dizer “Não há ideias na revista Time... apenas certos fatos... o artigo que você está escrevendo, pode vir a ser um bom artigo; mas não significa nada”, ele poderia estar falando dessa nova mania de documentários. Quando, ao ser pressionado a dar uma alternativa, ele sugere, “Uma simples foto... uma simples foto de uma, digamos, prostituta vomitando na sarjeta e ao lado uma foto do Sr. Rockefeller”, ele poderia estar falando das colagens de cinejornal de Santiago Alvaréz.

O trabalho de Alvaréz aponta o caminho para uma solução do impasse no qual o mundo do documentário se encontra. Um diretor cubano, a quem Fidel Castro encarregou de produzir cinejornais sobre a bem-sucedida batalha da revolução por poder, criou uma média de um filme a cada duas semanas ao longo de 30 anos. Fez isso com praticamente nenhum material à sua disposição e, mesmo assim, seus trabalhos são evocações fantásticas das circunstâncias nas quais foram feitos. Um alienígena que visse seu trabalho certamente se encantaria com a humanidade que o criou, compreenderia a complexidade de suas criações e as circunstâncias e as contradições em seu caráter que conduziram por fim à destruição do planeta. Seria como se a tal coleção de discos arruinada encontrada na loja de coisas usadas contivesse uma explicação excitante da luta de seu antigo proprietário contra as forças terríveis que criaram a calamidade que resultou em sua destruição.

Um dos filmes de Alvaréz que merece ser visto é LBJ, de 1969. Ali se insinua que LBJ (Lyndon B. Johnson) assassinou MLK, RFK e JFK (L de “Luther”, B de “Bobby” e J de “Jack”), e o faz quase sem palavras ou narrativa. As ferramentas são simples: algumas são recortes das revistas Life e Playboy lentamente filmados. Edição engenhosa. Música enfeitiçante. Esse é um documentário que poderia ser mostrado a falantes de qualquer língua com o mesmo resultado, e que também funciona, mesmo que desligado de seu programa político, como uma bela colagem de nossa época. Música de Carl Orff, Miriam Makeba, Nina Simone, Trashmen, Pablo Milanés, Leo Brouwer e outros seguidos pelo casamento da filha de LBJ até seus atos traiçoeiros. O filme termina com a montagem de imagens do nascimento de seu neto intercaladas com um clipe de uma camponesa vietnamita queimada por napalm. Quase todo o filme é composto de fotos de jornal ou de colunas sociais de revistas. Alvarez é livre para utilizar quaisquer imagens de cinejornais, fotos de revista, imagens encontradas e a música pop, o jazz ou composições clássicas que desejar, das fontes que quiser, uma vez que trabalha para o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos da República de Cuba, que estava e ainda está em guerra com o mundo capitalista e, por isso, desdenha as leis do copyright.

Diretores invejosos assistem aos filmes de Alvaréz e gritam “Não é justo!” quando vêem o que isso lhe permite—mas eles deveriam largar mão de seus choramingos e levar o programa adiante. As regras de licenciamento e as leis de propriedade intelectual destruíram a arte e a expressão dos paísescapitalistas. Está na hora de uma rebelião contra as convenções cinematográficas e, sim, contra as leis que resultam na produção cinematográfica medíocre. Santiago Alvaréz, que fez mais de 700 filmes em sua carreira, de 1959 até sua morte em 1998, seria muito mais admirado por quaisquer alienígenas que porventura desembarcassem no nosso planeta do que o lixo cafona e simplório que os diretores de documentários têm despejado ultimamente.




segunda-feira, 28 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

"Sujeito Periférico" - Tita reis

sábado, 26 de novembro de 2011

Ideia para um filme...a propósito de uma estética-política... "Aqui o patrão é protagonista"

Rosana, uma mulher de cabelos longos, bem cuidados e corpo magro está sentada à mesa e enquanto morde uma cenoura crua observa a empregada que lava a louça.

(Trata-se de uma cozinha da alta classe paulista)

A pia é próxima ao fogão.

Rosana se levanta de repente, ainda mascando a cenoura - não tira os olhos da empregada. Se aproxima mais até colar seu quadril na pia e fita a diarista no fundo de seus olhos.

A diarista se assusta e encara - com olhar baixo e trêmulo - Rosana.

DIARISTA
Tudo bem dona Rosana?

ROSANA
(Não desprega os olhos dos da diarista)
Não sei, eu tive uma impressão estranha lá da mesa, sabe?

DIARISTA
É a comida? 

DIARISTA
Porque se for, te garanto que dessa vez prestei muito atenção.
Não tem nem rastro de nada de carne aí.

ROSANA
(sorri abismada, ainda fitando os olhos da diarista)
Não, foi algo mais estranho, quase mágica.
Ela coloca a mão carinhosamente sobre o maxilar da diarista e sente a pele da moça.

ROSANA
Sei lá, de lá de onde eu tava, a gente parecia ter alguma coisa
semelhante, sabe? Quase igual mesmo? Como se fôssemos de um
mesmo lugar, de uma mesma origem, sabe?

ROSANA
Inclusive, sabe o que eu tô vendo em volta de ti?

A diarista atônita, mas tentando conter o sinais, gesticula que não com a cabeça, sem emitir um único som.
ROSANA
 (sorri simpaticamente)
Não?

ROSANA
(Passando a mão sobre o rosto da diarista)
Uma chama azul!

ROSANA
Mas não sei ainda te dizer o que é. E nem como veio
essa ideia de semelhança. 

ROSANA
(Coloca a outra mão com a cenoura no rosto da diarista)
Mas...enquanto penso, lava o banheiro?(sorri)

Rosana sai em direção ao quarto ainda com a cenoura em mãos e expressão de extrema tranquilidade junto a um encantamento que a faz olhar para o alto, para as paredes, (etc..).

A diarista volta a trabalhar e se assusta.
Seu avental começa a pegar fogo pela chama azul que vinda do fogão.
DIARISTA
Burra. burra, burra!
DIARISTA
Mais um desconto...

continua...

Curta-metragem "Uma Carta Para Tio Boonmee" (2009)

Por ora, legendas só inglês..

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Cotidiano / Baioque / Você vai me seguir - Chico Buarque

Apoio de grupos de teatro de SP ao ato dos estudantes da USP



Cia Ocamorana se apresenta na USP

Excepcionalmente hoje, dia 25/11, a Cia Ocamorana apresenta o seu espetáculo "Ruptura: Um Processo Revolucionário", na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. A apresentação é as 20h, com entrada gratuita, no vão do prédio da FAU (piso caramelo). A temporada segue normalmente até o dia 04/12, no Teatro Coletivo.

Calle 13 - Latinoamérica

Seminário público - Teatro no século XXI - a criação teatral - políticas públicas e privadas


quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Simbólico encontro entre Pato Donald e Zé Carioca

Eis a descoberta do Brasil do samba e de Carmem Miranda - Tio Sam cria o Zé Carioca e o coloca em uma gaiola de grossas grades.

domingo, 20 de novembro de 2011

Sergio Mendes & Brasil 77 - Pra Dizer Adeus, To Say Goodbye 1974


É esquerdismo burro, imediatismo daqueles que criticam a ação dos atores globais em relação a Belo Monte?

Para todos aqueles que compartilharam o vídeo de atores globais sobre a usina de Belo Monte - contra a construção da usina, o que, também, obviamente, compartilho da posição -, algumas críticas feitas ao vídeo causaram certo desconforto .

E como se fundamenta esta crítica? Puro imediatismo, esquerdismo burro de nossa parte?  Digo "nossa", pois faço parte dos críticos.

No que me cabe, posso dizer que, para mim - bem redundante mesmo -, o mundo funciona semelhante a uma boa obra de arte, seja em qual âmbito for, forma e conteúdo dialogam intrinsecamente, dialeticamente, quando não, muito provavelmente, a obra é no minimo confusa - no sentido ruim da palavra.

Digo isso, pelo seguinte: a "consciência social", para muitos, vai até onde começa suas cercas elétricas.  A usina, por exemplo, não é patrocinadora direta da novela, ou nenhum dos atores é garoto propaganda dela; sem contar o fato primordial na discussão que é o sistema que continua operando que garante que senão este, milhões de micro e macro -absurdos aconteçam a cada segundo; mas o que mais me intriga nisto tudo é que - e grande parte da esquerda compartilhou tal vídeo - por que aqueles mesmos atores, sempre criticados, não necessariamente enquanto indivíduos, mas sujeitos que são operados por este sistema que possibilita essas atrocidades, e que ao mesmo tempo são coniventes a ele, e se mostram não tão desconfortáveis assim em manter suas posições, são agora tidos como grandes revolucionários? Os mesmos que criticávamos por serem também "responsáveis" (operados e coniventes ao sistema) pela imbecilização do ser humano pelas obras "de arte" mas toscas possíveis (de wolf maya e cia), agora são vangloriados porque a mesma popularidade, o mesmo mainstream que emburrece, vai atingir um grande público e conscientizá-los?

Isso vai de encontro a um sério problema, e que a esquerda não pode se esquivar, sem acabar de vez com ele  -  e ainda vai levar tempo para resolver o caso e darmos um salto qualitativo - que é o tão criticado fetiche criado pelo mercado, mas que por muitas vezes reproduzimos, mesmo nos opondo a ele. Se uma grande celebridade, criada pelo e para o mercado, que talvez de humano não lhe tenha restado nada, diz que apoia uma movimento social de esquerda, a esquerda faz questão de compartilhar a notícia tão vigorosamente quanto é feito num propaganda no mac donalds. O que há? Estamos reproduzindo a mesma imbecilização, mesma forma, mesmo humano, que dizemos tanto que perde seu status de ser humano, que se torna mercadoria? Basta então mudarmos o conteúdo, sem que haja mudança significativa na  forma?

Ser crítico aquilo que não fazemos é um pouco menos complicado que aquilo que fazemos e mais, ao que nos garante o pão, o brioche, o shopping, Paris.

Talvez isso funcione, quando os mesmos atores - nós todos - criticarem e se mostrarem dispostos o bastante para romper definitivamente, inclusive, com aquilo que, infelizmente, se tornou condição de nossa sensação de existência -: o mercado.

sábado, 19 de novembro de 2011

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Sobre gadús, diogos, morenos, moleques, travessos...

Quanto mais escuto, ou simplesmente vejo os novos artistas lançados ao mainstream, mais volto aos antigos.

Num mundo onde tudo se vende, o que vale é ter atitude. E dessa mesma tal atitude nasce o álibi para toda e qualquer cagada. Que leva, inclusive, pseudo-subversivos a serem aceitos de forma tão acolhedora  e semelhante a um bom moço.

O que aconteceu com os rebeldes ?

Ora orgulhosos de exporem seus preconceitos, e ideologias mais reacionárias  sob o manto do humor, ora tocando suas músicas que exaltam culturas orpimidas, antigos miltantes, lutadores, guerreiros , guerrilheiros, em reality shows; comportados, assimilados por tudo aquilo que em certo momento haviam, ainda que por bem pouco, parecido ser diferentes... 




quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma galinha (Clarice Lispector - 1961)

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã.

Parecia calma. desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.
Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou – o tempo da cozinheira dar um grito – e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou o telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. A família foi chamada com urgência e consternada viu o almoço junto de uma chaminé. O dono da casa, lembrando-se da dupla necessidade de fazer esporadicamente algum esporte e de almoçar, vestiu radiante um calção de banho e resolveu seguir o itinerário da galinha: em pulos cautelosos alcançou o telhado onde esta, hesitante e trêmula, escolhia com urgência outro rumo. A perseguição tornou-se mais intensa. De telhado a telhado foi percorrido mais de um quarteirão de rua. Pouco afeita a uma luta mais selvagem pela vida, a galinha tinha que decidir por si mesma os caminhos a tomar, sem nenhum auxílio de sua raça. O rapaz, porém, era um caçador adormecido. E por mais intima que fosse a presa o grito de conquista havia soado.
Sozinha no mundo, sem pai nem mãe, ela corria, arfava, muda, concentrada. Às vezes, na fuga, pairava ofegante num beiral de telhado e enquanto o rapaz galgava outros com dificuldade tinha tempo de se refazer por um momento. E então parecia tão livre.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Afinal, numa das vezes em que parou para gozar sua fuga, o rapaz alcançou. Entre gritos e penas, ela foi presa. em seguida carregada em triunfo por uma asa através das telhas e pousada no chão da cozinha com certa violência. Ainda tonta, sacudiu-se um pouco, em cacarejos roucos e indecisos.
Foi então que aconteceu. De pura afobação a galinha pôs um ovo. Surpreendida, exausta. Talvez fosse prematuro. Mas logo depois, nascida que fora para a maternidade, parecia uma velha mãe habituada. Sentou-se sobre o ovo e assim ficou, respirando, abotoando e desabotoando os olhos. Seu coração, tão pequeno num prato, solevava e abaixava as penas, enchendo de tepidez aquilo que nunca passaria de um ovo. Só a menina estava perto e assistiu tudo estarrecida. Mal porém conseguiu desvencilhar-se do acontecimento, despregou-se do chão e saiu aos gritos:

– Mamãe, mamãe, não mate mais a galinha, ela pôs um ovo! ela quer o nosso bem!
Todos correram de novo à cozinha e rodearam mudos a jovem parturiente. Esquentando seu filho, esta não era nem suave nem arisca, nem alegre nem triste, não era nada, era uma galinha. O que não sugeria nenhum sentimento especial. O pai, a mãe e a filha olhavam já há algum tempo, sem propriamente um pensamento qualquer. Nunca ninguém acariciou uma cabeça de galinha. O pai afinal decidiu-se com certa brusquidão:

– Se você mandar matar esta galinha nunca mais comerei galinha na minha vida!
– Eu também! jurou a menina com ardor.
A mãe, cansada, deu de ombros.
Inconsciente da vida que lhe fora entregue, a galinha passou a morar com a família. A menina, de volta do colégio, jogava a pasta longe sem interromper a corrida para a cozinha. O pai de vez em quando ainda se lembrava: "E dizer que a obriguei a correr naquele estado!" A galinha tornara-se a rainha da casa. Todos, menos ela, o sabiam. Continuou entre a cozinha e o terraço dos fundos, usando suas duas capacidades: a da apatia e a do sobressalto.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátil, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.
Uma vez ou outra, sempre mais raramente, lembrava de novo a galinha que se recortara contra o ar à beira do telhado, prestes a anunciar. Nesses momentos enchia os pulmões com o ar impuro da cozinha e, se fosse dado às fêmeas cantar, ela não cantaria mas ficaria muito mais contente. Embora nem nesses instantes a expressão de sua vazia cabeça se alterasse. Na fuga, no descanso, quando deu à luz ou bicando milho – era uma cabeça de galinha, a mesma que fora desenhada no começo dos séculos.
Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

domingo, 6 de novembro de 2011

Sobre o Otimismo e o Pessimismo

.
(contra ambos)
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É realmente óbvio que o pessimismo é um sentimento pequeno-burguês?  Digo, num sentido obviamente marxista? Para responder a esta pergunta, deve-se formular outra, aparentemente imprópria: Há provérbios suficientes no mundo? Quer dizer: Há no mundo provérbios para tudo?
Falsa questão. O importante é que a resposta já foi colocada aproximadamente na forma de provérbio, quando dizemos, por exemplo: “Pobre não tem depressão”. Afirmação sádica, e, por isso mesmo, suspeita. Seja como for, alguma coisa aí parece verdadeira. Não sei, mas se tivesse o direito de inventar um provérbio, diria, nesse exato momento: “O pessimismo é um luxo de quem pode pensar na vida”.
Um operário, ou um operador de telemarketing, não tem tempo para o pessimismo. Pela mesma razão invertida, ou seja: o trabalhador não tem tempo de pensar na vida. Por isso, o operário que ainda não sabe o que isto significa, responde, ardentemente: “Sou otimista!”.  
Mas a obviedade termina quando descobrimos que o pessimista (necessariamente pequeno-burguês) poderia não ser pessimista, exatamente por que, enquanto pequeno-burguês, instalado numa poltrona desconfortável, pensa.
Noutras palavras: apesar de pequeno-burguês, tem a possibilidade de não pensar como tal – exatamente por sê-lo. Não se trata de um mero jogo de palavras: o pequeno-burguês me entende.
Vejamos. O sentido mais largo da dialética, seu pressuposto generalíssimo, e constante, é aquele segundo o qual tudo é processo (contraditório e mutável). Sob o pano de fundo desse princípio geral, o que responderíamos ao pequeno-burguês caso nos perguntasse: “Qual o problema do pessimismo, se o mundo é realmente péssimo?”. Responderíamos:
- O pessimismo anula o pressuposto mais amplo da dialética: o processo, pelo qual o mundo tornou-se a tragédia que se vê. Ou seja: apesar de trágico, veio a ser como está sendo, ou seja: virá a ser outra coisa.
Ora, pequeníssimo-burguês, não se apavore. Mas pense o quão preocupante é dizer que o mundo “não tem mesmo jeito”. Não se trata, para você, de negar este ou aquele aspecto da luta de classes, mas de negar a própria luta de classes. Um marxista reconhece, evidentemente, que o mundo está péssimo. Ao mesmo tempo, levanta-se imediatamente contra aquele que, ao ouvi-lo falar, conclui que devemos, então, aderir ao pessimismo.
Já se pode ouvir: “Devemos ser otimistas, então?”. De onde vem esta voz? Conclusão inversa, também ela aparentemente óbvia?  Do mesmo núcleo duro, irradiador de desespero: o cérebro empedernido do pequeno-burguês.
O pequeno-burguês é aquele que detesta as réguas, pois, além de centímetros, possuem também os malditos milímetros. Impaciente, não enxerga, por exemplo, os variados matizes de uma mesma cor. Na música, a idéia da pausa entre uma nota e outra o incomoda profundamente. Um poema é um gueto: não vale à pena passar. Não se trata, para ele, de “oito ou oitenta”. Mas de... “oito, ou oitocentos milhões”. Para ser coerente, deveria odiar-se a si mesmo!
Respondemos com o mesmo princípio:
- O otimismo também anula o pressuposto mais amplo da dialética, a idéia de processo. Embora o mundo tenha se tornado a tragédia que se vê como conseqüência de um longo processo histórico, que nos autoriza a enxergar a possibilidade real de uma saída, e nos obriga a abandonar o pessimismo cego (como se pudesse existir... pessimismo lúcido), isto não quer dizer, por outro lado, que este processo de saída é fácil, inevitável e espontâneo. Logo, também o otimismo é equivocado!
A medida do mundo, meu caro pequeníssimo-burguês, meu irmão, meu igual, não é a aparente imutabilidade de sua deprimente condição existencial.
Aliás, nada mais inventado por você mesmo do que sua própria condição. Não me refiro a sua agonia (por que esta é geral), mas à sensação de paralisia que te acomete, como se a paralisia de sua consciência (e de seu coração) fosse o reflexo de um mundo paralisado. Sua parada cardíaca, nobre egoísta, não significa que a vida parou de pulsar.
O maior dos otimistas mantém um pacto de alma – e de classe - com o maior dos pessimistas. Pessimista é derrotado, fraco, obscuro, desesperançado, fatalista...  Não deixa de ser verdade. Já o otimista é o iludido mal intencionado, manipulador de consciências, voluntarioso... Outra verdade.
Mas, ambos, sempre tão zelosos de sua própria posição, que temem profundamente o anúncio de seu contrário. É o mesmo princípio que rege o casamento  entre democracia ocidental, de um lado, e o terrorismo árabe, de outro.
Pessimistas fatalistas, e otimistas voluntaristas, Lukács pensava em vocês quando escreveu:
Fatalismo e voluntarismo são contrários apenas numa perspectiva não-dialética e a-histórica. Para a concepção dialética da história, eles provam serem pólos que se complementam necessariamente, reflexos intelectuais em que o antagonismo da ordem social capitalista e a impossibilidade de resolver seus problemas em seu próprio domínio se exprimem claramente”.  
A crítica dialética precisa ser incansável. É difícil? Claro, e penoso. Não sou eu, nem ninguém que o diz, pequeno-burguês, mas a própria realidade, a mesma, aliás, que dificulta enormemente a tarefa. Isto significa: quanto maior for a dificuldade, maior a necessidade de superá-la (à realidade), e não o contrário. (In) felizmente, é assim.