O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

CINECLUBE CINEMA EM REVISTA - CICLO CINE-DEMÊNCIA #7



Para finalizar o ano, mas não o ciclo que segue firme em 2015, o Cineclube Cinema em Revista dá continuidade a sua fáustica jornada e realiza mais uma sessão maldita em torno das profundidades do cinema paulista. Desta vez, receberemos para o debate conosco o crítico e cineasta Inácio Araújo, uma referência cara para nós e dos poucos críticos que persiste em reinventar o cinema, a despeito da distância que insistem em colocar o trabalho crítico da realização. 

Para afastar de vez os Mefistófeles do cinema paulista, exibiremos filmes que não podem ser apropriados, pois já nascem dentro de uma outra lógica, de invenção, experimentação e sem pactos incontornáveis para a explosão criativa. Em todos eles o crítico se aproxima da realização e participa do processo criativo:

- Filme Demência (1986): dirigido por Carlos Reichenbach e co-roteirizado por Inácio Araujo 
- Uma Aula de Sanfona (1982): episódio do longa "As Safadas" dirigido por Inácio Araujo 
- O Guru e os Guris (1973): curta de Jairo Ferreira montado por Inácio Araujo 

O ciclo cine-demência, uma evidente homenagem ao mestre Carlão Reichenbach, tem como proposta a discussão estética e política, dentro do âmbito de um cinema paulista que se organiza de forma independente e propõe a experimentação da linguagem e o filme-risco, posicionando-se claramente contrário ao cinema-mercadoria e àquilo que convencionou-se chamar de "filme médio", e que nós denominamos medíocre.

Trata-se de uma iniciativa de coletivos de cinema e teatro Coletivo Cinefusão, Coletivo Zagaia, PARACATUZUM e Núcleo de Estudos Cynematográficos que, posicionados dentro de um campo de disputa simbólica, vêm, a partir da experiência de um cineclube permanente, propor reflexões críticas em torno da experiência coletiva e da necessidade de um outro fazer cultural e cinematográfico. As sessões são gratuitas e irão ocorrer todo primeiro domingo do mês, às 18h01. 

Cineclube, experiência de recuperação do espectador morto. Espaço onde o óbito não é aceito sem diagnóstico. O especialista, neste caso, está mais do que convidado, mas aqui o diagnóstico é feito de forma coletiva, sobre a égide do universalismo, em contraponto com a educação tecnocrata das instituições de ensino. Ciclo Cine-Demência. O cineclube é permanente, Cineclube Cinema Em Revista. Um participa da ação do outro. E afirmamos: A arte tem que ter uma perspectiva revolucionária, caso contrário, os ursinhos carinhosos dominarão. Será sempre convidado alguém que valha realmente a pena, inclusive, os sujeitos da mídia-piada brasileira. Neste caso, não garantimos que não ocorra um ataque feroz por parte dos presentes, sempre no nível do debate, mas prometemos lançá-lo para o abismo de suas contradições.

Estão quase todos convidados: 

“E sobretudo, meu corpo, da mesma forma que a minha alma, evitem ficar de braços cruzados em atitude estéril de espectador, porque a vida não é um espetáculo, porque um mar de dores não é um proscênio, porque um homem que grita não é um urso dançando...”

(Aimé Cesaire)

domingo, 30 de novembro de 2014

TRECHO DE UM CONTO OU PESQUISA PARA O FILME "FERROADA"



"Enquanto ela, vestido suspenso, uma nesga de coxa descoberta, verificava com um dos pés a temperatura da água do chuveiro, no quarto o homem falava ao telefone e espiava pela janela a rua deserta. Era de madrugada e eles tinham chegado do bar. Ela se despiu e entrou no banho. Ele desligou o telefone, fechou as cortinas e pôs sobre a mesa o revólver que trazia à cintura. Apagou o abajur e dirigiu-se ao banheiro. Nessa hora, a penumbra da sala ganhou um matiz roxo-azulado e eu senti a pressão da mão de Keyla no meu colo, vi os seus dedos deslizarem para abrir o zíper da minha casa. Ocultei seus movimentos com a camisa que há pouco tirara, e de soslaio procurei ver se éramos observados. Foi então que ouvi os primeiros cochichos alusivos à tatuagem nas minhas costas. E parece que Keyla também, pois ela me abraçou e sorriu debochada. O casal na tela bebia conhaque sob as cobertas. O homem, levantou-se, nu, com o copo na mão, apanhou a arma e a trouxe para o criado-mudo. Keyla percebeu os rumores crescendo ao nosso redor e, do riso sarcástico, passou à cólera. O homem deitou-se e a mulher o beijou. Mais comentários. Enfurecida, Keyla nem chegou a ver a cena de sexo. Ergueu-se e mostrou o dedo médio em riste para toda a plateia.

    - Caretas! Bundões! - gritava ela. - Moralistas enrustidos do cacete! Vêm ver filminhos de arte porque um intelectualoidezinho de merda qualquer disse na Ilustrada que é bom. Mas não estão entendendo porra nenhuma. Vocês consomem os guias culturais e as resenhazinhas sobre arte com a mesma sofreguidão e frivolidade que os leitores de Caras. Vocês devoram os segundos cadernos com objetivo idêntico ao dos malhadores crônicos, ao das patéticas figuras que se submetem a todo tipo de dieta pra se livrar das gordurinhas a mais.Vocês, assim como esses compulsivos ergométricos, almejam um padrão que lhes foi imposto. Não fazem nada por prazer. Eles não se deleitam com o sol, nem vocês com a arte. Querem apenas, eles, um corpo tostadinho e rijo, e, vocês, um discursinho cabeça e pernóstico. Pra isso, eles suam feito imbecis nas esteiras e vocês babam nas exposições. Galeria, teatro, museu estão para vocês, assim como academia, clube e praia estão para eles. Mas tudo é falso. Hipócritas! Vão passar a vida como dublês de clones. Se exercitando para se enquadrar no modelo determinado. Tentando fazer ginástica intelectual e sentindo fome de telenovelas. Quem sabe até, induzidos por seus preconceitos, não assaltem de madrugada o quartinho da empregada, em busca de material que os sacie? "Algumas folhinhas de Contigo e umas linhazinhas de Sabrina não poderão me fazer mal; o importante é que ninguém saiba!" Vocês nunca passarão disso. Serão sempre burros! Néscios crônicos. Insensíveis. Com celulites medonhas na massa cinzenta. Porque vocês não se entregam e, então, não há regime à base de Bergman ou Proust que tire a banha desses cérebros adiposos. Ainda não inventaram silicone pros neurônios. Aprendam a gozar, burgueses do caralho; senão, vão morrer assim, sofrendo de mediocridade mórbida e idiotismo agudo. Eu desprezo vocês. Babacas! Sem estilo e sem tesão. Vulvas secas e broxas! Todos aí! Eu respeito mais quem fica em casa à noite vendo televisão e, de manhã, liga o rádio AM pra saber o que diz o horóscopo. Pelo menos, são mais honestos. E mais felizes..."

("Elas, Etc", Tico)

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A QUEBRADA NÃO É CHAPA BRANCA! Nota de repúdio à alteração de imagem na peça de divulgação da III Mostra “Cinema da Quebrada”

publicada originalmente pelos parceiros do Coletivo Zagaia

Há uma imagem, do filme “O Muro da Vergonha”. Nela vemos um muro, erguido na Favela do Moinho, no qual há uma pichação: “Haddad sustenta o muro da vergonha do Kassab”. Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, ergueu o muro e que não havia sido posto abaixo pela administração do atual prefeito, Fernando Haddad. O muro foi derrubado pela própria população, em protesto. 

Havia uma imagem: essa mesma, também retirada do filme, com a pichação inscrita. Essa imagem supostamente foi usada pelo Cinusp e pela organização da III Mostra Cinema da Quebrada para a divulgação do evento. “Supostamente” porque a imagem não foi de fato utilizada. O Cinusp e produção da mostra alteraram ela digitalmente, modificando seu conteúdo. Por meio de uma intervenção grosseira, apagou-se o nome do prefeito Haddad da pichação, restando da frase apenas o verbo e o predicado: “sustenta o muro”. Assim mesmo, sem sujeito. A mostra exibe o filme, mas não sustenta o compromisso com suas imagens no momento de divulgar o evento. Será que ocorreu ao Cinusp e aos organizadores da mostra que tal posição, além de contraditória, é um ato de violência contra todos os filmes exibidos, e não somente aquele que teve sua imagem alterada? Não percebe o Cinusp que tal ato atinge também as lutas e posicionamentos expressos nos sons e imagens desses filmes? 

Por isso, nós, realizadores com filmes na programação da III Mostra Cinema de Quebrada, viemos, através dessa carta, demonstrar nosso repúdio ao procedimento realizado pelo Cinusp e organização da mostra e exigir dos responsáveis: 

a) que se pronunciem publicamente, através de comunicado no site do Cinusp e na sua página no facebook, sobre o ato da manipulação; 

b) que retirem a imagem alterada da capa da pagina do Cinusp no facebook e a substitua pela imagem original; 

A existência da mostra é, em princípio, positiva. Abrir um espaço de reflexão na academia para a produção cinematográfica da periferia é indispensável, sobretudo na USP, uma universidade com poucos alunos “da quebrada”. Mas é preciso deixar bem claro que a relação com a periferia não pode se dar pela via da domesticação.

Quem quer exibir a quebrada, que seja para dar a ela voz e imagem, e não para silenciá-la. Quem quer dar espaço e tela para a periferia, tem de ser honesto com o recado e as lutas que vem dela. Não topamos exibir nossos filmes na Mostra para correr o risco deles serem apresentados num contexto que parece se envergonhar ou temer o que dizem suas imagens. Nos é difícil compreender que um evento destinado a pensar e exibir as imagens da quebrada se preste ao papel de apaziguar conflitos que seus realizadores, em contrário, desejam promover. Não nos parece sequer razoável que uma universidade pública promova o silêncio ao invés do questionamento e do conflito. 

A quebrada não é chapa branca e sua voz e seus conflitos não serão apaziguados num cordial panos quentes com o poder. Esperamos que essa seja uma oportunidade de o Cinusp se retratar ante o ocorrido e pautar sua conduta futura na promoção de um maior diálogo com a periferia e a arte política que se arrisca, sem temer nem maquiar o que dizem as imagens dos filmes. São Paulo, 27-11-2014, 

Assinam:

Adirley Queirós, cineasta
Affonso Uchoa, cineasta
Andre Novais, cineasta
Coletivo Tela Suja Filmes
Diogo Noventa, cineasta e diretor teatral
Ester Marçal Fer, cineasta
Evandro Santos – cineasta e educador
Felipe Terra, cineasta
Flávio Galvão – Coletivo Fabcine
Lincoln Péricles, cineasta
Rafael Fermino Beverari, cineasta e educador
Renan Rovida, cineasta
Rodrigo Sousa e Sousa, cineasta
Romulo Santos – cineasta e educador
Rede de Comunidades do Extremo Sul
Thiago B. Mendonça, cineasta – roteirista e produtor de Dias de Greve
Viviane Ferreira, cineasta

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

CINECLUBE CINEMA EM REVISTA - CICLO CINE-DEMÊNCIA #6


No dia de finados, não iremos ao cemitério, não levaremos flores, não rezaremos e não choraremos a morte. Realizaremos o nosso ritual pagão. É debaixo da tempestade que se anuncia que celebraremos o cinema nosso de cada dia, bebendo e debatendo o que foi e ainda é forte. É nesse clima que o Cineclube Cinema em Revista realiza a 6ª sessão do ciclo cine-demência e exibe 7 curtas-metragem, numa tentativa cabalística de reafirmar a força de um cinema paulista que sabe ser vivo.

“Exemplo Regenerador” (1919, José Medina)
“Mário Gruber” (1966, de Rubem Biáfora) 
“Uma Rua Chamada Triumpho” (1971, Ozualdo Candeias)
“Migrantes” (1973, João Batista de Andrade)
“Blablablá” (1975, Andrea Tonacci)
“Nem Verdade, Nem Mentira” (1979, Jairo Ferreira)
“Divina Previdência” (1983, Sergio Bianchi)

O ciclo cine-demência, uma evidente homenagem ao mestre Carlão Reichenbach, tem como proposta a discussão estética e política, dentro do âmbito de um cinema paulista que se organiza de forma independente e propõe a experimentação da linguagem e o filme-risco, posicionando-se claramente contrário ao cinema-mercadoria e àquilo que convencionou-se chamar de "filme médio", e que nós denominamos medíocre.

Trata-se de uma iniciativa de coletivos de cinema e teatro Coletivo Cinefusão, Zagaia em Revista, PARACATUZUM, Cia Antropofágica, Tela Suja Filmes e Núcleo de Estudos Cynematográficos) que, posicionados dentro de um campo de disputa simbólica, vêm, a partir da experiência de um cineclube permanente, propor reflexões críticas em torno da experiência coletiva e da necessidade de um outro fazer cultural e cinematográfico. As sessões são gratuitas e irão ocorrer todo primeiro domingo do mês, às 18h01. 

Cineclube, experiência de recuperação do espectador morto. Espaço onde o óbito não é aceito sem diagnóstico. O especialista, neste caso, está mais do que convidado, mas aqui o diagnóstico é feito de forma coletiva, sobre a égide do universalismo, em contraponto com a educação tecnocrata das instituições de ensino. Ciclo Cine-Demência. O cineclube é permanente, Cineclube Cinema Em Revista. Um participa da ação do outro. E afirmamos: A arte tem que ter uma perspectiva revolucionária, caso contrário, os ursinhos carinhosos dominarão. Será sempre convidado alguém que valha realmente a pena, inclusive, os sujeitos da mídia-piada brasileira. Neste caso, não garantimos que não ocorra um ataque feroz por parte dos presentes, sempre no nível do debate, mas prometemos lançá-lo para o abismo de suas contradições.

Estão quase todos convidados: 

“E sobretudo, meu corpo, da mesma forma que a minha alma, evitem ficar de braços cruzados em atitude estéril de espectador, porque a vida não é um espetáculo, porque um mar de dores não é um proscênio, porque um homem que grita não é um urso dançando...”

(Aimé Cesaire)

DOMINGO, 02 DE NOVEMBRO, 18h01
GRÁTIS
ECLA (ESPAÇO CULTURAL LATINO AMERICANO) - RUA ABOLIÇÃO, 244 - BIXIGA

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

PROJETO "HELENA" - DEBATE "NO PAÍS DAS CALÇAS BEGE"


Dia 18, próximo sábado, acontecerá a segunda roda de conversa do projeto "Helena", do Sáfaro, em ação conjunta com o Grupo de Estudos Pedro Alexandrino. 

Desta vez a roda contará com a presença de Alain Gerino (Grupo de Estudos P.A.) e Rodolfo Valente (Rede Dois de Outubro). 

Nela discutiremos a questão carcerária no Brasil, a vertiginosa ampliação das ações de encarceramento e seu lugar na luta de classes. Além disso, tentaremos estabelecer conexões entre o espaço prisional e outros espaços disciplinares, especialmente com o mundo escolar e do trabalho.

Gratuito

Antes do início da roda, haverá apresentação do Núcleo de Criação Performática, com duração de 15 minutos.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Saci e Procissão dos Mortos – Auto-referência fantástica no cinema paulista

*artigo de Laura Cánepa, extraído do site http://www3.usp.br/rumores/artigos.asp?cod_atual=169


O curta "Procissão dos Mortos" começa aos 42min

A história do cinema fantástico brasileiro ainda está por ser contada. Esse gênero, embora se apresente no cinema nacional de maneira diluída em diversas formas e diferentes períodos, tem também uma trajetória própria em um grupo de filmes que o assumem de maneira declarada e autoconsciente – e o estudo de tal trajetória ainda permanece disperso nas pesquisas sobre o nosso cinema. Mas, quando nos debruçamos, mesmo que superficialmente, sobre os filmes fantásticos brasileiros, notamos que a relação entre eles não é tão dispersa quanto fazem parecer os poucos trabalhos publicados a respeito: o que se observa, ao se colocarem os filmes lado a lado, é que existiram, ao longo do tempo, diálogos, tentativas de estabelecimento de filões de mercado, competição e, em alguns casos, até citações e outros procedimentos intertextuais facilmente identificáveis que dão a essa cinematografia um caráter próprio e inventivo dentro do universo do cinema brasileiro. Exemplos evidentes disso podem ser encontrados nas diversas pornochanchadas de horror, muito populares no final dos anos 1970; na maioria dos filmes infantis, inclusive em uma boa parte da filmografia do grupo Os Trapalhões, uma das mais bem-sucedidas comercialmente no país; nas paródias de filmes fantásticos estrangeiros, freqüentes nos anos 1970 e presentes na obra de diretores populares como Amácio Mazzaropi e Adriano Stuart; na filmografia de estrelas da televisão dos anos 1980/90, como Xuxa e Angélica; em séries cinematográficas como Se eu fosse você (2006) e Se eu fosse você 2 (2008), de Daniel Filho, entre muitos outros. Mas também existem exemplos mais discretos e que exigem observação mais detalhada. Um deles será objeto de análise neste artigo por revelar uma surpreendente continuidade: trata-se da homenagem feita por Luis Sérgio Person, no curta-metragem de horror Procissão dos Mortos (parte do longa-metragem em episódios Trilogia do Terror), produzido por Antonio Pólo Galante e Renato Grecchi, em São Paulo, em 1968, ao longa-metragem infantil O Saci, realizado também em São Paulo, por Rodolfo Nanni, em 1953. A partir da análise proposta neste trabalho, pretende-se demonstrar a evidente relação visual e narrativa entre os dois filmes, e também levantar hipóteses que nos permitam compreender o significado da retomada, feita por Person, de diversos elementos do filme infanto-juvenil de Nanni. 

O Saci e o fantástico para crianças 
O Saci foi um marco para o cinema brasileiro por várias razões: foi o primeiro longa-metragem infantil realizado no país, o primeiro inspirado na obra de Monteiro Lobato e também um dos primeiros a reunir um grupo de artistas e intelectuais que teria papel definitivo na constituição de um projeto de cinema nacional, como o cineasta Nelson Pereira dos Santos, que foi assistente de direção do filme, e o pesquisador Alex Viany, gerente de produção. A equipe, chefiada pelo artista plástico Rodolfo Nanni, que até então tinha experiência no cinema apenas como continuísta (do inacabado AGLAIA, de Ruy Santos), contava também com outros profissionais importantes, como o fotógrafo Ruy Santos, o compositor Cláudio Santoro e o montador José Cañizares, além do elenco composto pelas crianças (Paulo Matozinho, como Saci; Livio Nanni, como Pedrinho; Aristela Paula Souza, como Narizinho) e outros atores convidados, como Maria Rosa Ribeiro (Dona Benta), Otávio Araújo (Tio Barnabé) e Benedita Rodrigues (Tia Nastácia). Concebido como um projeto quase familiar e filmado nos estúdios alugados da Cinematográfica Maristela, em São Paulo, entre 1951 e 1953, o longa foi produzido num sistema independente, mas obteve, depois, significativo sucesso comercial. Inspirado no Saci-Pererê (1), figura folclórica conhecida no Brasil desde o século XVII, e cuja origem está na junção de uma figura da mitologia indígena com elementos das culturas africana e européia, o filme trazia a entidade brincalhona a partir da visão do escritor Monteiro Lobato, que a transformou em personagem recorrente da coleção Sítio do Pica-pau Amarelo, publicada entre 1921 e 1947 – e iniciada justamente com o livro O Saci. O longa de Rodolfo Nanni contava uma das aventuras das crianças Pedrinho e Narizinho no Sítio do Pica-Pau Amarelo, quando o menino aprende a caçar sacis e acaba ficando amigo de um deles, que o leva para assistir à “sacizada” (reunião em que dezenas de sacis que se encontram magicamente durante a noite) no meio da floresta. Então, Pedrinho e seu novo amigo descobrem que Narizinho fora petrificada pela maldosa bruxa Cuca, e precisam resgatá-la em uma caverna assombrada, para desespero da vovó Dona Benta e da fiel cozinheira Tia Nastácia. Como se pode depreender da trama, o filme era dedicado ao público infantil, mas também fazia parte de uma proposta mais abrangente de seus realizadores, no sentido de abordar a cultura e a identidade brasileiras no cinema, apresentando soluções estéticas diferentes daquelas que as grandes produtoras cariocas e paulistas (como a Atlântida, a Vera Cruz e a própria Maristela) haviam escolhido. Nesse sentido, o longa chama a atenção por apresentar-se como uma experiência lúdica, que abordou, de maneira quase teatral na direção de arte, e quase documental na direção de fotografia, personagens típicos da literatura e do folclore brasileiros, num recorte que pouco tinha a ver com um cinema “de gênero” internacional pretensamente emulado nos estúdios da época, e estava muito mais ligado à literatura e às representações populares do fantástico na cultura brasileira. A obra acabou fazendo uma boa carreira comercial, beneficiando-se da popularidade dos textos de Monteiro Lobato e das leis de proteção ao cinema brasileiro, que garantiram a circulação da fita, sobretudo nas cidades do interior do país. O Saci também ganhou alguns prêmios importantes, como o Prêmio Saci de 1954 (concedido pelo jornal O Estado de S. Paulo) e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo, no mesmo ano. O filme também teve sua memória relativamente bem preservada, sendo exibido eventualmente na televisão (nas emissoras educativas), e ganhando recentemente uma pouco divulgada edição em DVD, que traz, nos extras, um detalhado documentário sobre a realização do filme. 

O fantástico para os jovens em Procissão dos mortos 
Diferentemente de Rodolfo Nanni, que fazia sua estréia como diretor em O Saci, Luis Sérgio Person realizou o curta-metragem Procissão dos mortos num momento de maior maturidade em sua carreira cinematográfica. Então com 33 anos, ele já era conhecido por ter dirigido dois filmes fundamentais para o cinema moderno brasileiro: São Paulo S/A (1965), retrato do desamparo do cidadão comum perante a industrialização iniciada nos anos 1950, e O caso dos irmãos Naves (1967), adaptação de um episódio verídico de injustiça e abuso de poder ocorrido durante o Estado Novo. A oportunidade para Person fazer seu curta de horror surgiu em 1967, pelas mãos do amigo José Mojica Marins e do então jovem produtor Antonio Pólo Galante. Naquele ano, Mojica e o escritor/roteirista Rubens Francisco Luchetti lideravam o programa de televisão Além, muito além do além, sucesso noturno da TV Bandeirantes, e haviam sido convidados por Galante e Renato Grecchi para fazer um filme baseado em episódios do programa. A idéia dos produtores era reunir três enfant terribles (2) do cinema nacional para realizarem um filme inspirado no programa de TV de Mojica/Luchetti: o próprio Mojica, Person e Ozualdo Candeias, que também acabara de estrear o seminal A Margem (1966). Candeias, que já fora assistente de direção de Mojica em seu primeiro longa de horror, À meia-noite levarei sua alma, realizado em 1963, dirigiu o curta O Acordo, remotamente baseado no episódio Noite Negra, de Luchetti. A trama original trazia um homem que fazia um pacto com o demônio pela cura da grave doença de sua filha, mas a versão de Candeias, embora se passasse no mesmo cenário de uma cidade interiorana cercada de lendas indígenas e de um catolicismo sincrético, trazia uma mulher que apelava a uma espécie de feiticeiro hippie para fazer com que sua filha se interessasse sexualmente por um fazendeiro que desejava evolver-se com ela. O resultado ficou distante daquilo que geralmente se entende por horror, tratando-se mais de uma reflexão do próprio Candeias em torno das superstições interioranas, da contracultura e das relações de poder e sexo entre homens e mulheres no mundo rural, mas ficou famosa a cena assustadora em que um personagem “encarna” uma entidade sobrenatural num ritual ocorrido em cima de um morro, numa demonstração do domínio do diretor sobre aspectos perturbadores das religiões afro-brasileiras. Já Mojica dirigiu Pesadelo Macabro, curta muito mais comprometido com as características canônicas do gênero horror, tratando do drama de Cláudio (Mario Lima), um homem perturbado com pesadelos premonitórios de ser enterrado vivo – argumento recorrente nas narrativas de horror clássicas como as de Edgar Allan Poe, cuja obra é influência confessa de Luchetti. Apesar da filiação ao horror clássico, porém, o curta carregava no sensacionalismo em torno de rituais de macumba e em cenas de violência sexual, num estilo exagerado e explícito que já era marca do diretor desde seus primeiros filmes, e que se acentuava no final dos anos 1960. Finalmente, Person, que fora co-roteirista não-creditado de Mojica em seu longa de estréia, o faroeste A Sina do Aventureiro (1957), ficou com Procissão dos mortos, inspirado em episódio homônimo do programa de TV. O episódio original, escrito por Luchetti, mostrava o pavor de um menino que via fantasmas, mas, no curta de Person, tratava-se de fantasmas muito especiais. O diretor se aproveitou da morte do revolucionário argentino Ernesto “Che” Guevara, ocorrida meses antes, na Bolívia, para contar uma estória de horror claramente alegórica, usando como fonte a realidade do país durante a ditadura militar. No filme, o garoto Quinzinho sai de casa para caçar passarinhos, contrariando as recomendações de sua mãe. No mato, encontra um guerrilheiro morto, cujo corpo em decomposição segura uma metralhadora e exibe um sorriso sardônico. A polícia é chamada, o corpo é recolhido e exposto à curiosidade pública, mas os moradores da cidade, insatisfeitos com as explicações das autoridades (que negam a possibilidade de o guerrilheiro ser Che Guevara e dizem não ter encontrado nenhuma metralhadora junto ao corpo), começam a desconfiar de que o menino esteja ajudando outros guerrilheiros ainda escondidos na floresta. Então, o operário Miguel (Lima Duarte), pai do menino, ofendido após uma discussão com seus companheiros de bar, decide ir à floresta à noite para comprovar que não há outros guerrilheiros por lá, levando como arma apenas o símbolo da paz pendurado no pescoço. Quando ele chega à pedreira no meio da floresta, porém, os guerrilheiros, na forma de dezenas de fantasmas de Che Guevara, cercam-no e matam-no a golpes de metralhadora no coração – exatamente de onde pendia o símbolo da paz. No dia seguinte, Quinzinho volta para o mato – desta vez, não mais em busca de passarinhos, mas dos próprios guerrilheiros. Ele encontra a metralhadora, entrega a um deles, que a devolve carregada e sugere que ele comece a experimentá-la. O menino, então, atira em direção à câmera. Fim. Evidentemente, Procissão dos Mortos contém uma corajosa alegoria política, ao sugerir que a revolução seria irresistível aos jovens. Também é notória, no filme, a preocupação do diretor em ligar seu trabalho às experiências do cinema moderno brasileiro da época, como se percebe num certo olhar neo-realista reconhecível no uso de locações reais e na opção por um tipo de fotografia (feita por Oswaldo de Oliveira), que não interferia na luz natural. Outro elemento interessante que surge no filme é o uso da música popular, em particular quando um dos personagens entoa a canção Pra onde vai, valente? , de Manezinho Araújo (3), composta em 1934, cujo refrão repete “pra onde vai, valente? eu vou pra linha de frente” – canção que é seguida pela entrada de um personagem bêbado cantando o Hino do Exército, no qual se destacam as palavras “a guerra só nos causa dor, a paz queremos com fervor”. Com isso, Procissão dos mortos pode ser visto, de certa forma, como um documento das tensões daquele período. Mas também é, inquestionavelmente, um filme de horror – possivelmente o mais interessante e curioso de Trilogia de Terror, justamente pela (rara) capacidade de reunir o universo de um gênero geralmente tido como retrógrado (por sua rejeição à alteração da ordem vigente) ao discurso político engajado pela revolução e pelas mudanças sociais. O filme ficou pronto em março de 1968. Depois de marcar o lançamento para 22 de abril, no Rio de Janeiro, e 13 de maio, em São Paulo, Galante começou a agendar sessões especiais para os críticos, que mostraram simpatia pelo curta de Person e enorme rejeição ao filme de Mojica (BARCINSKI, FINOTTI, 1998: 211). No dia 09 de abril de 1968, porém, a Censura proibiu o filme, o que levou Renato Grecchi à Brasília para negociar com os censores. Ele acabou conseguindo liberar o filme com apenas quatro cortes, que prejudicaram particularmente os filmes de Person e de Mojica. Ainda assim, Trilogia de Terror teve uma recepção razoável entre os críticos. Segundo Barcinski e Finotti (1998: 217), por exemplo, o Estadão teria publicado, na estréia do filme em São Paulo, um texto com o título: Tudo bem, antes de Mojica (4), o que indicava que a estratégia criada por Grecchi de chamar Candeias e Person fora fundamental para garantir a circulação da fita. Mais ou menos na mesma linha da manchete citada do Estadão, seguiram quase todos os críticos do Rio e de São Paulo, que elogiaram particularmente o filme de Person e se mostraram incomodados com as cenas de violência sexual do filme de Mojica. Um dos únicos entusiastas da obra inteira foi Salvyano Cavalcante de Paiva, que escreveu, no jornal carioca Correio da Manhã, um de seus muitos libelos ao cinema de entretenimento: 

A inteligência de Trilogia de Terror foge, talvez, à compreensão de apenas duas espécies de cinespectadores: os falsos puritanos, obnubilados por uma neblina de preconceitos intransponíveis, que rejeitam aprioristicamente o erotismo e a violência intrínseca de seres humanos projetados em personagens de criação artística legítima (...); os falsos estetas de um cinema supostamente engajado em inovações formais, a mais importante das quais seria o distanciamento e o enclausuramento do público (PAIVA, apud BARCISNKI; FINOTTI, 1998: 213).

A relativa simpatia dos críticos, porém, não se refletiu nas bilheterias, o que transformou o projeto num mau negócio para seus produtores. Com isso, quase toda a equipe (à exceção de Mojica) ficaria longe do cinema de horror nos anos seguintes. No entanto, aos olhos de hoje, e considerando-se a trajetória inconstante do horror no cinema brasileiro, "Trilogia de Terror" marca um momento em que o gênero foi experimentado por realizadores influentes no cinema nacional, que, em outras circunstâncias históricas, poderiam ter indicado caminhos consistentes para o gênero em nossa cinematografia. E, além de marcar esse momento importante do cinema de horror brasileiro, o filme também traz, no episódio de Person, uma curiosa homenagem a outro “clássico” do cinema fantástico brasileiro e paulista: "O Saci", de Rodolfo Nanni, conforme se examina a seguir. 


O Saci e Procissão dos Mortos: parentesco inegável 
Embora os filmes de Nanni e Person tivessem intenções estéticas, mercadológicas e políticas completamente diferentes e estivessem ligados a contextos históricos igualmente distintos, ambos assumiram claramente o gênero fantástico. No primeiro caso, através de uma estória infantil com final feliz; no segundo, através de uma perturbadora estória de horror. Nesse sentido, cabe salientar que o gênero fantástico, tanto em suas primeiras expressões literárias quanto em seus desdobramentos nas mais diversas mídias, sempre abarcou uma grande e variada gama de situações que tinham em comum a introdução de um elemento “sobrenatural” ao mundo natural conhecido, o que poderia gerar inúmeras abordagens. Mas, evidentemente, além dessa relação de gênero, os filmes têm muito mais em comum. A idéia da fuga para a floresta com o objetivo de buscar algum animal ou entidade mítica da natureza, que dá o plot dos dois filmes, é originária dos contos populares (como os de fadas) e um dos motivos mais antigos e freqüentes nas estórias fantásticas. Além disso, é notória a referência imagética feita por Person ao filme de Nanni na seqüência em que Quinzinho entra na floresta, o que se evidencia na cena em que o menino bebe água no rio sem usar as mãos. Neste momento, Procissão dos Mortos praticamente “decalca” o plano do filme de O Saci, conforme se pode verificar nas imagens a seguir, que reproduzem fotogramas originais dos filmes. 

 Cena de O Saci

Cena de Procissão dos Mortos

A citação quase literal, no entanto, parece ser apenas uma “chave” oferecida pelo diretor para a seqüência em que surgem os fantasmas de Che, e que dá o clímax de Procissão dos Mortos. Nesta, a referência a O Saci fica mais evidente e mais orgânica, pois, ao reunir os guerrilheiros sobrenaturais que atacam o pai de Quinzinho impiedosamente, Person parece sugerir um paralelo com a “sacizada” testemunhada pelo garoto Pedrinho em O Saci. Como se pode notar nas imagens a seguir, que reproduzem fotogramas dos dois filmes, ambos trazem os personagens mágicos surgindo um a um, no meio da noite, em algum lugar misterioso e pouco acessível, para depois mostrá-los juntos em ação, numa reunião ao mesmo tempo fantástica e caótica. O resultado narrativo dessa reunião, no entanto, como já foi relatado, é diferente em cada um dos filmes, marcando justamente sua diferença fundamental. 

 Cena da “sacizada” descoberta por Pedrinho em O Saci, de Rodolfo Nanni

 Cena da “sacizada” descoberta por Pedrinho em O Saci, de Rodolfo Nanni

 Cena de Procissão dos mortos, de Luis Sérgio Person

 Cena de Procissão dos mortos, de Luis Sérgio Person 

Assim, Procissão dos Mortos talvez possa ser visto como uma “atualização histórica” de O Saci, feita num momento particularmente dramático da história brasileira. Aparentemente, na visão de Person, o inocente passeio de Pedrinho, nos anos 1950, em um mundo rural e selvagem no qual podia se encontrar romanticamente com entidades da natureza e com um Brasil idílico, não era mais possível em 1967. Agora, o menino precisava lidar com uma realidade mais urgente, mais violenta e mais adulta, mas podia ter uma conduta igualmente romântica ao unir-se aos guerrilheiros na floresta em busca de um mundo menos autoritário e que não tivesse a paz silenciosa como ideal a ser buscado. Se o Saci de Nanni podia ser visto como o divertido e rebelde amigo das crianças, que poderia mostrar-lhes uma nova vida de alegria e fantasia, os fantasmas dos guerrilheiros também traziam uma alternativa mítica de libertação e, ao mesmo tempo, o drama da nova situação. Nesse sentido, impressiona o domínio do diretor sobre uma atmosfera de medo construída num ambiente rural já contaminado pelo desenvolvimento urbano (pois trata-se de uma região devastada por uma pedreira na qual o pai do menino e seus companheiros trabalham), e no qual o recrudescimento das tensões políticas é evidenciado junto com o horror. Além dessa metáfora sobre a guerrilha, a evidente “citação interna” do cinema paulista mostra a consciência de Person sobre duas questões fundamentais para o cinema de sua época. A primeira era o contato entre o trabalho engajado dos anos 1960 e as experiências relacionadas à luta pelo cinema nacional e popular dos anos 1950. A segunda, o fato de que, tanto em seu filme como no de Nanni, tratava-se de experiências de popularização do cinema brasileiro através do gênero fantástico. Não por acaso, Person seguiria fazendo interessantes experiências relativas ao cinema de gênero, sem deixar de lado o engajamento político e a crítica social. Seu faroeste Panca de Valente (1968), por exemplo, paródia cômica dos filmes hollywoodianos e italianos, vinha carregado de sátira social e política, com seu herói desajeitado e seus vilões ridículos. Também a pornochanchada Cassy Jones, o magnífico sedutor (1972), com seu protagonista que começa a se cansar do assédio das mulheres, trazia a reflexão sobre as mudanças no comportamento sexual iniciadas nos anos 1960. Rever a filmografia de Person a partir dessas experiências ajuda a jogar novas luzes sobre sua obra, fazendo com que sejam levadas em consideração as possibilidades criativas e políticas do uso dos gêneros cinematográficos canônicos pelo cinema brasileiro. Nesse conjunto, Procissão dos mortos desponta como uma das experiências mais radicais e bem-sucedidas, marcando um dos últimos “respiros” antes do recrudescimento da ditadura militar no final de 1968, com a instituição do AI-5 e de suas nefastas conseqüências para a vida e a cultura nacionais.

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BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Maldito – a vida e o cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. São Paulo: Editora 34, 1998. CÁNEPA, Laura Loguercio. Medo de quê? - Uma História do Horror nos Filmes Brasileiros. Campinas: Instituto de Artes da Universidade de Estadual de Campinas, 2008. Tese de Doutorado em Multimeios. RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luis Felipe. Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: SENAC, 2000. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. 

Referências filmográficas 
SACI, O (1953, São Paulo, P&B, 64 minutos) Produção: Artur Neves Direção: Rodolfo Nanni Roteiro: Rodolfo Nanni e Artur Neves, baseados nos personagens de Monteiro Lobato Assistente de direção: Nelson Pereira dos Santos Gerente de Produção: Alex Viany Direção de Fotografia: Ruy Santos Montagem: José Cañizares Cenografia: Teresa Nicolau Música original e regência: Cláudio Santoro Companhia Produtora: Brasiliense Filmes Elenco: Paulo Matosinho, Lívio Nanni, Aristela Paula Souza, Olga Maria Amâncio, Maria Rosa Ribeiro, Benedita Rodrigues, Otávio Araújo 
TRILOGIA DE TERROR (1968, São Paulo, P&B, 92 minutos) Produção: Antônio Pólo Galante e Renato Grecchi Direção: Ozualdo Candeias, Luiz Sergio Person, José Mojica Marins Montagem: Sylvio Renoldi Companhia Produtora: Produtora Nacional de Filmes, Produções Cinematográficas Galacy Ltda, Cia. Cinematográfica Franco-brasileira Procissão dos mortos Direção e Roteiro: Luis Sergio Person, com base em texto de R.F.Luchetti Fotografia e câmera: Osvaldo de Oliveira Elenco: Lima Duarte, Cacilda Lanusa, Waldir Guedes, Carlos Alberto Romano

(1) Do tupi-guarani Çao-Sy (olho mau) e Perereg (saltitante). (2) Segundo Barcinski e Finotti, biógrafos de Mojica, tudo começou em outubro de 1967, quando Galante teria procurado o diretor com a intenção de fazer a continuação do seu filme Esta noite encarnarei do teu cadáver, que estreara no começo daquele mesmo ano. O negócio, porém, não vingou, em função da negativa do produtor de Esta noite..., Augusto Pereira. Então, Mojica e Galante teriam decidido fazer um filme de horror em episódios baseados no programa da TV Bandeirantes, mas Galante precisava obter financiamento do INC (Institudo Nacional de Cinema) e sabia que poderia ter problemas em função da fama de Mojica como diretor de filmes excessivamente violentos e escatológicos. Para tentar resolver o problema, ele procurou o veterano produtor Renato Grecchi, que se juntou à dupla e propôs que fossem chamados para integrar o projeto os diretores Candeias e Person, que haviam, recebido prêmios do INC por A Margem e O Caso dos Irmãos Naves, respectivamente. Com isso, o projeto foi aprovado (Cf. In: BARCINSKI; FINOTTI, 1998: 204-205). (3) Manuel Pereira de Araújo, conhecido como Manezinho Araújo (1913-1993), pernambucano de Cabo de Santo Agostinho, foi cantor, compositor, jornalista e pintor, e teve várias de suas músicas eternizadas por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. (4) Os episódios do filme são ordenados da seguinte maneira: O acordo, Procissão dos mortos, Pesadelo macabro.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Mais um ponto para Thanatos

Me lembro de dois gatos que tive Na morte de um deles depois de enterrado deitava sobre o túmulo de seu único parceiro Parceiro genérico Como o velho Marx dizia Naquele momento meu gato tinha perdido um tipo de fio de existência que o tornava uma espécie Sem outra referência do que era Quando outro morre somos meu gato sem história sem essência sem com quem compartilhar nossa falta de sentido E aos vivos próximos de serem soprados dessa selvageria que é a vida nos reaproximamos Um dia ainda me pegarei pensando por qual sentido atravessaria oceanos para ver outro de mim sem vida e por que ao contrário não cruzei oceanos para lhe celebrar enquanto existia No meu caso nesta noite morre uma tia minha Meu pai longe de minha mãe que luta pela cova de minha tia Ele se perde na cozinha sem se deixar ver-se perdido Por algum momento chego a pensar se não fora minha mãe que morrera No lugar do café se vê na obrigação de um achocolatado requentado Me oferece um pedaço de panetone Enquanto isso a louça enorme e suja Ele me conta rapidamente da morte de minha tia Resolvo atipicamente em minhas cada vez mais repetidas aproximações da casa deles lhe preparar um café Uma parte de mim chora por minha mãe Mas também por meu pai Começo a lavar a louça também atípico gesto na formação de minha família Minha mãe entra pela porta e diz que não lave mais a louça Eu continuo ela se senta no sofá e conversa com meu pai Não fui habituado a lhe dar com que chamam de forma correta de luto mas naquele momento senti que a louça que lavava soava pelo espaço como um abraço em minha mãe Coragem


à minha mãe

Com esperança de que um dia possamos chamar de fortuna a isso que hoje não passa de hypótese: a vida

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

LABORATÓRIO CINEFUSÃO - EXPERIMENTO #3

EXPERIMENTO #3 - O TRABALHO NOS FARÁ DIGNOS

A proposta do experimento surge da conhecida análise do sociólogo alemão Max Weber, presente no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, em que o Calvinismo surge como doutrina responsável por trazer à tona o espírito capitalista. O exercício vem, então, como proposta de negar a visão religiosa da predestinação, que entende o homem como escravo de seu destino e o trabalho como único reflexo da salvação. Essa ideia também está presente no pensamento liberal, que reafirma o caminho da plenitude através do trabalho, e que mercantiliza o próprio tempo, com a máxima “time is money”.

O intuito é evidenciar a contradição presente na sociedade de classes no que diz respeito à relação do homem com o trabalho. A proposição weberiana encontra eco na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, que coloca logo em seu artigo primeiro a questão da dignidade humana:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

Trechos como este surgem inverossímeis e até irônicos em relação ao capitalismo, já que a destruição das potencialidades humanas é o próprio princípio fundados do capitalismo ao coisificar as relações e mercantilizar toda atividade do homem. No que diz respeito ao trabalho, a tal Declaração, diz:

Artigo XXIII

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.      
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.    
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
Citamos um trecho também da pesquisadora Lívia Mendes Moreira Miraglia para determiner a própria incompatibilidade entre a coisificação do homem e sua dignidade garantida:

"Inicialmente, cumpre salientar que a dignidade impede que o homem seja utilizado como mero
instrumento, como meio para a consecução de um fim. O ser humano é fim em si mesmo e não se admite em nenhuma hipótese a sua “coisificação”.  Nesse sentido o magistério de Kant, para quem os seres racionais estão submetidos a um imperativo categórico que determina que “cada um deles jamais trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”


Assim, a proposta gira em torno da ideia falha, e repetida comumente, de que o trabalho dignifica o homem. Como afirma Marx “o dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora-a”. Portanto, o trabalho, ao expropriar o homem dos meios de produção, cria na realidade a alienação e impossibilita a verdadeira natureza do trabalho, que seria a de transformar livremente a natureza, de acordo com suas potencialidades e vontades.

Enfim, concretamente, a realização dos vídeos deve partir da proposta de criação de um roteiro a partir do cenário de um ambiente ou relação de trabalho, no qual um personagem é retratado diante de uma situação de plena contradição na relação com seu patrão ou colega de trabalho que represente uma hierarquia superior. O tema essencial da “dignidade” é colocado em questão e a cena denuncia a impossibilidade de o trabalho dignificar o homem na sociedade capitalista.

Regras estabelecidas:

- máximo 7 minutos de duração sem contar créditos iniciais e finais;
- cada um dos cinco envolvidos terá uma limitação criativa que será sorteada antecipadamente: obrigatório que seja um vídeo em plano sequência (Dida Beller); proibido o uso de trilha sonora (Domenico Salopini); obrigatória a utilização de voz off (Oswaldo Janete); proibido a utilização de atores profissionais (Volim Habar); utilizar apenas um cenário (Ermelino Escobar); trazer alguma questão de gênero (Raoni Yacamin).
- Eventualmente são permitidas as trocas de limitações entre os envolvidos caso haja comum acordo;






quinta-feira, 31 de julho de 2014

Street Trash (1986)

Curta-metragem clássico do cinema trash norte-americano dos anos 80, inspirado no longa  "Street Trash" de J. Michael Muro.


quinta-feira, 26 de junho de 2014

O dono da voz

Para o meu irmão, que me ensina diariamente os segredos do samba

Não resta dúvida de que certas vozes ajustam-se melhor a determinados conteúdos. Mas, até que ponto? Para além da “bonita voz”, ou da “melhor interpretação”, certas vozes possuem toda uma carga de significação. Assim, se há canções destinadas a um tipo específico de voz, também existem vozes que exigem determinados tipos de canções. A voz de João Nogueira transmite em si mesma, condensado, reconfigurado, um conteúdo específico que, depois (ou simultaneamente), descobrimos nas letras de suas canções.

Insistindo no paralelo: existe música sem letra (instrumental), e letra sem música (poesia), mas e a voz? Serve apenas para sacramentar, mediadora, o casamento de letra e música? Sozinha, sem letra, sem palavra, e sem ritmo, a voz é pura possibilidade. Se isolássemos, então, a voz de João Nogueira, pensando nela (sem ela), revaler-se-ia, imediatamente, como um campo aberto de possibilidades. E, para nossa grata surpresa, as possibilidades abertas por sua voz de veludo correspondem exatamente àquelas, consumadas por suas canções. João, ao falar, talvez colhesse, no auto-reconhecimento de sua própria voz, as sugestões das canções eternas que compôs.

Mas afinal, quais tesouros de significação se ocultam nas ressonâncias profundas da voz de João Nogueira? Em quais “terras do sem-fim” avolumam-se os ecos de sua melancolia? Seguindo o raciocínio, encontra-se no conteúdo de suas letras a correspondência exata da carga de significação cifrada nas cordas vocais. Vem do espelho, portanto, além do espelho - de seu pai[1]. Mas as palavras, num poema, dizem mais do que é dito. Primeiro a voz, palavra que transmite, e seus significados ocultos, e, por fim, o retorno. Certamente, na prática, as coisas funcionam de outro modo. Mas não custa diferenciá-las, para melhor vê-las inextricáveis numa unidade que até mesmo as misérias da vida não foram capazes de romper. E é sobre misérias que João cantava.

A figura do Pai, então, resguarda um conteúdo que extrapola os limites da experiência individual, pois a voz do sambista é amiga dos abalos sísmicos, renascendo do interior de grutas e lonjuras subterrâneas: “Vem de muito longe este meu cantar”. Não longe, portanto, de um critério preciso de beleza: aquela, que traduz as mágoas e dores da plebe, dos despossuídos, dos humilhados, emergindo generosa à flor do ouvido. Habitando as raias de um Fim inevitável.

Lembremos, de passagem, o belíssimo samba de Egberto Gismonti, “Pr’um samba”, ao qual João empresta sua voz num casamento perfeito, que ressalta, quando: “Falando mesmo francamente / Eu já estou descrente / Deste meu povo que já não entende / Que basta um pouco de carinho / Um cavaquinho rouco / Uma flautinha, um violão / Pr’um samba”. Basta um pouco de carinho... Basta um samba! Basta um samba... ? Muitas outras composições de João afirmam a mesma “saída fácil”. O samba é redentor, e o ouvinte distraído talvez pense que tudo – inclusive nada - será redimido pela arte, segundo as canções do mestre. Engano. O próprio samba – tal como voz, ritmo, letras – é outra coisa.

A leitura do poder redentor do samba talvez seja tão velha quanto o próprio samba. Mas não pertence a seu universo. E, inclusive, serve de arma a seus inimigos. O samba não é feliz. Quase a totalidade dos sambistas é figuração histórica de uma dor secular, mas que, juntos, compõem uma constelação que é o desenho de um sorriso irônico, como quem diz: “o futuro nos pertence”. Figuras melancólicas, porém jamais derrotadas. Pois, enquanto expressão máxima – no campo da criação artística - da comunhão que pode haver entre os de baixo, o samba é antes de tudo exemplo político. Tal como diversas outras manifestações “espontâneas” de autodeterminação popular da vida, é um hino à liberdade, declaração de guerra contra todo tipo de hierarquização da vida social.

João Nogueira presenciou a colonização cultural dos morros, a restrição de uma liberdade mínima de movimento do espírito - sem a qual não existe samba – promovida pela avalanche da indústria cultural. E é este processo, essencialmente, que sua obra mimetiza. Não se trata de saudosismo, cantar os tempos idos. Que nunca foram bons. E justamente aqui a principal contradição, a partir da qual se compreende melhor a profunda melancolia de João Nogueira, refratada em tudo aquilo que compõe sua imagem melancólica. Pois não se volta no tempo, e o futuro é uma caixa preta.

Mesmo os sambas mais “otimistas” não perdem de vista a necessidade de lutar pelo futuro - “sorria / meu bloco vem / vem descendo a cidade / vai haver carnaval de verdade / o samba não se acabou”. O futuro adormece – sereno e seguro – nas mãos de quem faz a vida.



terça-feira, 10 de junho de 2014

UM PAÍS FEITO DE UM SÓ GOLPE - DEBATE COM PROF. PAULO ARANTES

O Seminário Labirintos e Trincheiras, organizado por coletivos artísticos- políticos de São Paulo, inicia neste domingo novo ciclo de debates, discutindo as heranças da ditadura civil-militar, que completou em abril 50 anos, e segue presente em nosso cotidiano. 

A abertura dos debates acontece neste domingo 15/6 as 18h no ECLA (Rua da Abolição 244, Bixiga) com o filósofo Paulo Arantes, um dos mais importantes e combativos intelectuais brasileiros da atualidade, que iniciará o ciclo com o tema: "Um país feito de um só golpe". Na ocasião Paulo lançará seu novo livro: "O novo tempo do mundo". 

Os debates acontecerão sempre no terceiro domingo do mês, as 18h, no ECLA (Espaço Cultural Latino-Americano).

Coletivo Zagaia, Coletivo Cinefusão, Coletivo Paracatuzum, Cia. do Terror e ECLA.

EVENTO NO FACEBOOK: https://www.facebook.com/events/296433543857557/?fref=ts


quinta-feira, 29 de maio de 2014

Cineclube Cinema em Revista - Ciclo Cine-Demência #2


O Cineclube Cinema em Revista convida a todos para a segunda sessão do ciclo cine-demência, que será realizada dia 01 de junho, às 18h01, no ECLA (Espaço Cultural Latino Americano), localizado no Bixiga, à rua da Abolição, 244. O tema será ATUALIDADE DO CINEMA MARGINAL e exibiremos 4 curtas: "Documentário" (Rogério Sganzerla), "Olho por Olho" (Andrea Tonacci), Sangue Corsário (Carlos Reichenbach) e A Visita do Velho Senhor (Ozualdo Candeias). Estão todos convidados para debater com os coletivos de cinema que organizam o cineclube.

O ciclo cine-demência, uma evidente homenagem ao mestre Carlão Reichenbach, tem como proposta a discussão estética e política, dentro do âmbito de um cinema paulista que se organiza de forma independente e propõe a experimentação da linguagem e o filme-risco, posicionando-se claramente contrário ao cinema-mercadoria e àquilo que convencionou-se chamar de "filme médio", e que nós denominamos medíocre.

Trata-se de uma iniciativa de coletivos de cinema e teatro Coletivo Cinefusão, Zagaia em Revista, PARACATUZUM, Cia Antropofágica, Tela Suja Filmes, Núcleo de Estudos Cynematográficos e Ceicine) que, posicionados dentro de um campo de disputa simbólica, vêm, a partir da experiência de um cineclube permanente, propor reflexões críticas em torno da experiência coletiva e da necessidade de um outro fazer cultural e cinematográfico. As sessões são gratuitas e irão ocorrer todo primeiro domingo do mês, às 18h01. 

Cineclube, experiência de recuperação do espectador morto. Espaço onde o óbito não é aceito sem diagnóstico. O especialista, neste caso, está mais do que convidado, mas aqui o diagnóstico é feito de forma coletiva, sobre a égide do universalismo, em contraponto com a educação tecnocrata das instituições de ensino. Ciclo Cine-Demência. O cineclube é permanente, Cineclube Cinema Em Revista. Um participa da ação do outro. E afirmamos: A arte tem que ter uma perspectiva revolucionária, caso contrário, os ursinhos carinhosos dominarão. Será sempre convidado alguém que valha realmente a pena, inclusive, os sujeitos da mídia-piada brasileira. Neste caso, não garantimos que não ocorra um ataque feroz por parte dos presentes, sempre no nível do debate, mas prometemos lançá-lo para o abismo de suas contradições.

Estão quase todos convidados: 

“E sobretudo, meu corpo, da mesma forma que a minha alma, evitem ficar de braços cruzados em atitude estéril de espectador, porque a vida não é um espetáculo, porque um mar de dores não é um proscênio, porque um homem que grita não é um urso dançando...”
(Aimé Cesaire)

sexta-feira, 23 de maio de 2014

EXPERIMENTO #2 - E O VERBO SE FEZ CARNE

A proposta de experimento faz referência à passagem bíblica do nascimento de Jesus Cristo, que diz "E o verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai" (Jo.1.14). A referência vem na verdade de forma irônica, como uma apropriação indevida e até profana, já que busca justamente representar o homem de carne e osso, traduzindo o verbo, mas para a realidade de um ser concreto. A chegada desse cordeiro de Deus para tirar o pecado do mundo sem dúvida falhou e é até irrisória, em um mundo capitalista onde milhões são sacrificados não pela salvação do homem, mas em nome do bom-burguês.

Assim, serão realizados vídeos em que um personagem se faça carne para materializar um discurso, verbo. No entanto, como parte do jogo, esse personagem deve surgir espelhado, ora como fruto da experiência documental (carne) e ora como produto da ficção (verbo), buscando-se a materialização imagética de uma ideia abstrata. Como carne e verbo se relacionam na tela? Como ator e personagem real se manifestam? A ideia também vem de uma proposta de filmar personagens da realidade e não ideias, partir justamente para o mundo material que é a justa concretização do verbo.

As regras estabelecidas foram:
- máximo 5 minutos de duração sem contar créditos iniciais e finais;
- obrigatória a utilização de um ator que necessariamente interprete o personagem documentado;
- cada um dos cinco envolvidos terá uma obstrução criativa sorteada entre as seguintes: obrigatório ser todo preto e branco (Oswaldo Janete); proibida a utilização de voz off (Raoni Yacamin); proibida a utilização de trilha sonora (Dida Beller); proibido o uso de entrevistas (Domenico Salopini); proibido o uso de diálogos (Ermelino Escobar);









LABORATÓRIO CINEFUSÃO

Inscreva-se no canal do Laboratório Cinefusão no youtube

Inaugura-se: o centro laboratorial ímpar, junto de outros ímpares da ciência videográfica. Fenômeno que se deseja abundante, hoje quase extinto do ecossistema audiovisual. Nosso tubo de ensaio admite o erro. A explosão da linguagem vai gerar novos espectadores. Superar o óbito constante, assumindo a forma de laboratório na direção correta. Apresentar o diagnóstico concreto e reutilizar a técnica, aspirando a uma nova vida.

A arte de bienal nos enjoa. O tal “vídeo contemporâneo” é uma espécie de subjetivismo primitivo. Enquanto não se admite a politização da estética, a burguesia distribui Chandon em vernissages e eventos beneficentes. O dono de indústria sem identidade observa na cultura a sua propagação imagética. Tal como um narcisista, faz devoção a sua classe, domando o uso da técnica em prol da educação especialista. É claro que entre eles o canibalismo é institucionalizado, e o bolo alimentar agoniza, mas logo é regurgitado numa nova forma. O mundo corre perigo.

Vídeo

O bom democrata líder dos ursinhos carinhosos apela, num gesto afetivo, a sua cordialidade com o povo dos trópicos. Assim, um certo operário, pincelado de sua classe de origem e ao lado do projeto desenvolvimentista, continua abraçando a pior cultura de todos os séculos. Isso não é uma surpresa. Na origem, já tinham confundido o operário com a classe. Os iluminados tecnicistas do cinema, por sua vez, assim como parte dos cientistas, escrevem com sangue dos pulsos, na parede – NÃO EXISTEM VALORES SOCIAIS NO USO DA TÉCNICA. Não é à toa que, no centro da sala de estar, a estátua de Chronos é a sua inspiração, enquanto observam a história. 

Para nós, o vídeo não funciona como negação do espaço-físico-cinema, pelo contrário, almejamos agir de modo coordenado para expropriá-lo, das mãos imóveis do seus donos putrificados. No momento, deixamos nossas experiências abertas, em outra das fontes de rejuvenescimento do capitalismo: a internet. É neste “transatlântico do tamanho do oceano’’ que iniciamos uma contraposição à regra geral, dos vídeos fáceis. Levando em conta a premissa de que é no campo da ação política, realizada em massa, que se pode de fato alterar qualitativamente o funcionamento da sociedade, só podemos assegurar a nossa análise cotidiana dos fatos concretos, através de formulações estéticas de caráter laboratorial.

Funcionamento do Laboratório

- Cada integrante do Cinefusão poderá realizar um vídeo-exercício. Eventualmente, poderão ser convidadas outros ímpares parceiros.
- Cada exercício será proposto alternadamente por uma pessoa, que trará um tema, exercício formal ou qualquer outra proposta de experimentação. Também será delimitado uma duração determinada para o vídeo.
- Via de regra, para todo exercício proposto serão sorteados uma obstrução criativa para cada participante (exemplo: ausência de voz off).
- Vídeos que fujam da proposta não serão aceitos.
- O prazo para realização de cada exercício é de 30 dias a partir da divulgação da proposta.
- Os vídeos serão postados no canal do youtube do Laboratório Cinefusão.
- Nenhum participante será identificado nos exercícios, sendo obrigatória a utilização de um pseudônimo.
- Para além disso, a liberdade de pesquisa estética é permanente.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

II CELEBRAÇÃO TEATRAL - 1 DE MAIO



Programação:

14h - Abertura com Companhia Estável, Companhia Estudo de Cena e Coletivo da Albertina
14h15 – Companhia Antropofágica - “Notas sobre Mahagony”
14h45 – Nóis na Mala – “Samba para Construção”
15h30 – Teatro Documentário – “Gracias a la vida que me ha dado tanto”
16h10 – Buraco d’Oráculo – “Canto Cenopoético”
16h35 – Coletivo da Albertina – “Especula-se”
18h – Núcleo de Estudos Cynematográficos – Filme “Ana”
18h20 – Núcleo Pavanelli - teatro de rua e circo – “Luta de Classes”
18h30 – Coletivo Cinefusão –“ Experimento #3 – O Trabalho nos fará dignos”
19h00 – Grupo Teatral Parlendas – “Intervenção Brazil zil zil”
19h30 – Companhia Estudo de Cena – “Cortejo de Quintino Gatilheiro, o Lampião da Mata”
20h20 – Engenho Teatral – “Teatro de Bolso”

sexta-feira, 25 de abril de 2014

O Cordão da Mentira e a Desmilitarização - uma reflexão em 5 atos

Texto publicado originalmente na Revista dos parceiros do Coletivo Zagaia

Este artigo foi escrito por Thiago B. Mendonça com a colaboração de Marco Escrivão para o livro ainda inédito “Desmilitarização da polícia e da política: uma resposta que virá das ruas” organizado por Givanildo Manoel e editado pela Editora Pueblo. 



ATO 1 – Concentração – o ontem e o hoje

1 de abril de 2014. O Cordão da Mentira, bloco carnavalesco de intervenção urbana, prepara-se para seu terceiro desfile. Dia da Mentira, dia do Golpe que instalou a Ditadura Civil-Militar no Brasil em 1964, completando 50 anos. Em frente ao antigo DOPS do carrasco Fleury, a primeira pergunta que vem a cabeça: por que lembrar o golpe se já comemoramos também quase 30 anos da redemocratização? O que faz 1.500 pessoas saírem para as ruas cantando sambas de luta contra a opressão? Por que este dia ainda nos traz tantos traumas?

Enquanto o Cordão esquenta as baterias, no carro de som respostas começam a ser traçadas. O mestre de cerimônia, em trajes de Zé Pilintra, relembra o museu de horrores: “Quem pensasse diferente podia ser fichado, preso, torturado, morto (e as coisas não aconteciam necessariamente nesta ordem). Quem mandava aqui era a turma do Fleury. Tinha o Romeu Tuma, senador até pouco tempo. Pachequinho, compositor do Samba da Vela. E tantos outros que ainda desfilam por aí.”

Alípio Freire, ex-guerrilheiro e ex-preso político no passado, militante e artista plástico no presente, fala do ontem e de hoje. Débora Silva, representante das Mães de Maio, grupo de mães que lutam para que se esclareçam os crimes cometidos pelo Estado na democracia, fala de hoje e de ontem. As continuidades são expressas em dor, em coragem, em luta. “Se houve democratização esqueceram de avisar a polícia militar!” brada a mãe de maio emocionando os presentes. Débora, Antígona moderna, afirma que uma mãe que luta pela memória do seu filho é maior que um Estado. As mães são a alma do Cordão e para elas os compositores do bloco já renderam sua homenagem:

“Eu já perdi a esperança, juventude
Eu já perdi minha luz, minha alegria
Resta o altar com o sorriso do meu guia
Meu menino tão suspeito pra vocês

Ele é meu anjo e eu rezo todo dia
Não é pra Deus, nem pra Santo, Ave Maria
É só pra ele trazer mais esperança
Dos pequenos renascerem na bonança

Eu já falei que não quero mais vingança
A guerra que eu quero é das almas dos meninos
O fogo que arda e e incendeia o rico imundo
E ilumine com sua chama, um novo mundo

Que em algazarra os guris assassinados
Possam voltar e cantar os chacinados
Que nosso sangue escreva nova história
E ocupe o esquecimento com memória” 
(Mães de Maio de Thiago B. Mendonça / Everaldo F. Silva / Selito SD) 

Justiça e memória de ontem e de hoje. O carnaval começa como canção de luta. Centenas de pessoas colocam sacos plásticos na cabeça, lembrando os crimes de Fleury, Romeu Tuma e sua gangue. 1 minuto de silêncio. 

ATO 2 – 3o Distrito – A higiene, os bons costumes e as pessoas de bem

O Cordão para em frente ao 3o distrito policial, na Boca do Lixo. Projeções de imagens do Esquadrão da Morte são vistas no prédio ao lado. Homens “da lei” aglutinam-se na delegacia, onde são obrigados a engolir as palavras de nosso guia, Zé Pilintra, lembrando aos foliões que ali naquela delegacia, na ditadura civil-militar, reinava Wilson Richetti, amigo do delegado Fleury, assassino de prostitutas e travestis. Richetti proibiu as garotas de programa de trabalharem. Quem desobedecia às ordens, poderia ser presa, torturada e morta, em nome dos bons costumes. Há mulheres que até hoje não tiveram suas mortes apuradas. Em 1979, depois do assassinato de uma prostituta e um travesti, um movimento de trabalhadoras da zona toma a Praça da Sé. Em plena ditadura um movimento de prostitutas e travestis derruba um criminoso, destituindo Wilson Richetti. Uma das líderes, Gabriela Leite, mais tarde criou a DASPU e se tornou a grande referência na luta pelos direitos das putas brasileiras. Zé Pilintra, o guia do cordão, evoca sua memória: “Gabriela se foi mas deixou saudade! Evoé Gabriela!”

Nas recentes movimentações de especulação imobiliária na região da Luz, nos governos José Serra e Gilberto Kassab, novamente as prostitutas voltaram a ser perseguidas e assediadas pela polícia. Gabriela certa vez declarou num filme sobre a Boca do Lixo: “Quando as pessoas querem revitalizar uma área histórica que tá ruim, eles querem expulsar as putas, expulsar os malandros, expulsar toda a cultura que tinha ali e criar uma nova coisa. Só que o que eu acho é que isso não adianta nada, porque as pessoas voltam. As pessoas sofrem, mas as pessoas voltam. Porque isso aqui tem uma cultura. Uma cultura da prostituição, da malandragem, da música, do cinema, que ninguém vai tirar deste pedaço. Ninguém. Nunca.”1  

A memória recente e a memória do passado, o ontem e o hoje. De um lado os populares. Do outro lado o discurso antigo de revitalização dos espaços, para torná-lo mais palatável à uma elite patrimonialista que vê o pobre como risco, como inimigo. Não somos uma nação. Tudo conspira para uma conciliação coagida entre uma minoria que manda e um povo que obedece. Na formulação magistral do filósofo Paulo Arantes “um Estado bifronte, de direito para os ‘integrados,’ e penal-assistencial para ralé.”2

Matanças, despejos, realocações, deslocamentos, opressão, massacres. A permanência da violência de Estado e seus vestígios nas ruas da cidade. Uma geografia da opressão: as ruas cheiram a sangue. A militarização garante a lógica do controle social. Eis os mandamentos da sagrada família dos proprietários brasileiros: “Não contestarás. Não lutarás. Não abandonarás sua condição.” Para ontem e para hoje o Cordão grita: é mentira! É o abandono deste lugar, um chamado para a luta:

“Você aí
Vendo o circo passar na janela
A versão corrompida na tela
Não convence o coração
Diz aí
Não ouviu falar em Mariguella
Nunca entrou numa favela
Prefere não dar opinião
É melhor começar a pensar
Numa nova saída
Naquele moleque sem lar
Nos trabalhadores sem terra
Minha gente sofrida

Entrar de cabeça na briga
É a pedida pra ganhar
De que lado está você?
De que lado? Eu quero ver!
Meu bloco vai cobrar” 
(Camarada Lampião de Renato Martins e Roberto Didio)

ATO 3 – Largo do Paissandu – a memórias dos homens pretos

Chegando ao Largo do Paissandu, o Cordão rende homenagem à memória dos homens pretos, vítimas preferenciais do Estado genocida brasileiro. Os herdeiros dos escravos carregam ainda a condição de homens descartáveis. Zé Pilintra, guia do cordão, lembra que a igreja do Rosário localizada ali, não é a original, expulsa pela especulação imobiliária de outra área central, mais nobre. A história não é coisa do passado: “Hoje novamente querem tirar os pretos e pobres do centro. A higienização e especulação imobiliária continuam juntas e misturadas ao genocídio da juventude preta. Relembramos pois, mais do que nunca, nossos antepassados.”

Neste trecho do trajeto, de armas em punho, a polícia militar faz sua primeira investida contra o cordão, mas é rechaçada pelos manifestantes que gritam pela desmilitarização.

“Só após seis horas chegou a polícia
Esmurrando e dando chutes na porta
Que coisa absurda, mas não fictícia,
Deu tremenda surra no Zé Perna Torta,
Que, por já ser finda a batalha à milícia gritou:
- Com o pobre ninguém se importa!
Outra vez não chegaram em hora propícia
Agora já é tarde, pois, Inês é morta!
Se Inês é morta, diga quem matou Inês!”
(Quem matou Inêz?  de Selito SD) 

ATO 4 – Mackenzie – a volta da repressão

O Cordão tem um tempo próprio. Nos intervalos de seus cantos e batuques, grupos teatrais se revezam para trazer mais uma camada de reflexão a partir de cenas curtas e números musicais. A estética ressignificando a política e ampliando seu universo simbólico.

O ato segue pacífico em direção à mítica rua Maria Antonia. Ao atravessar o Elevado Costa e Silva (ou Minhocão), sintomática homenagem ao ditador que promulgou o AI-5, centenas de militares da tropa de choque, alguns com armas em punho, passam a acompanhar o bloco. Duas semanas antes, uma famigerada tentativa de reedição da Marcha da Família de 1964 foi para as ruas para pedir um novo golpe aos militares. A polícia militar os acompanhava integrados. Eram saudados como parte da manifestação. A marcha era composta por cerca de 300 pessoas, sendo cerca de 100 deles neo-nazistas (ou integralistas). Muitos estavam armados, e possuíam algemas de plástico para prender opositores. A marcha foi marcada por brigas e agressões de neo-nazistas, sem nenhuma intervenção policial.

Duas semanas depois o desfil&scracho do Cordão da Mentira rechaça o golpe, seus entusiastas. O ato com 1500 pessoas não tem nenhum incidente. A polícia porém é outra. Ela oprime. Exibe suas armas. Mostra-se pronta a atacar.

Maria Antonia. 03 de outubro de 1968. A rua é palco de uma guerra entre fascistas do CCC apoiados pela polícia militar contra estudantes da USP, defendendo a democracia. Conflito que resultou na morte do estudante José Carlos Guimarães de 20 anos, no incêndio criminoso do prédio da Maria Antonia, e de forte repressão policial ao movimento estudantil que tomou as ruas para protestar contra o assassinato.

Maria Antonia, 13 de Junho de 2013. Uma nova batalha, desta vez, sem intermediários. A polícia militar ataca covardemente os manifestantes do 4o ato contra o aumento das passagens de ônibus. Mais uma vez a Maria Antonia testemunha o legado da violência do Estado. A História se repete. 1 de abril de 2014. Sobe pressão da polícia os foliões do Cordão cantam o Frevo da Falha.

“Mas hoje ocupando a praça
Sem juiz, censor ou editor
Valendo mais que mera errata
A gente desmascara
Convertido e enganador
Para de mentir canalha
Para admitir a “falha”
Para de omitir que a dita foi dura demais
Para de fingir que é justa
Para de fugir do Ustra
Para difundir a farsa impressa nos jornais” 
(Frevo da falha de Douglas Germano e Everaldo F. Silva)

ATO 5 – No coração de Higienópolis – Tradição, família e propriedade

A polícia tenta cercar o Cordão. Em torno do Cordão formam-se dois cordões: o primeiro de policiais militares. O segundo de manifestantes para defender os cidadãos da polícia. A situação parece absurda. No cerco, homens armados esperam a hora de atacar a festa. Do lado de dentro, sem armas, centenas de pessoas, jovens e velhos militantes foliões, defendem de braços dados os demais manifestantes. Para quem não visse os policiais poderia ser uma ciranda. Uma festa. E era. No Cordão não se diferencia festa e luta. O ódio dos militares, formados para atacar seus inimigos é combatido pela festa dos cidadãos, comprometidos em mudar o mundo. Cantando a “Batalha Final de um Bravo Brigante’ o Cordão segue em frente quilombolado.

“Nos metros a frente a fria coluna
Por entre os escudos eu vejo uma fresta
E sigo em frente, pois pouco me resta
Sou só uma peça na grande comuna
Reúna seus homens, reúna, reúna…
Novos dias me acenam do lado de lá
Pouco me resta, já não tenho sono
Já não tenho medo, já não tenho dono
Só tenho a vontade de continuar
Com sangue no rosto e brilho no olhar.
Comuna e coluna postadas bem perto
Lá da barricada já fiz o que pude
Com tripa de mico e bolinha de gude
Por entre os escudos achei descoberto
Grosso supercilio que deixei aberto
Montado em exemplo de gente da gente
Não mais me abala a mais cruel cena
Nem mais uma bala fará com qu’eu tema
Seja de borracha, seja chumbo quente…
Por entre os escudos eu miro um temente
Vou partir pra riba, no saci virado
Vou partir na fé de meu santo e meu povo
Se eu cair… Levanto e me atraco de novo
Vou pela quebrada, vou “quilombolado
Por entre os escudos… Zumbi do meu lado.
Se eu cair… Levanto e me atraco de novo.” 
(Batalha final de um bravo Brigante de Serginho Poeta/Everaldo F. Silva/Selito SD)

E por entre as câmeras de vigilância e a movimentação frenética das equipes de segurança, o bloco invade o coração de Higienópolis. Para em frente a TFP, organização fascista fundada em 1960 pelo integralista Plinio Correia de Oliveira. A TFP, Tradição Família e Propriedade, é uma organização católica que defende a tradição deles, a família deles e a propriedade deles. Sua única proposta é combater a esquerda. Há alguns anos planeja treinar militarmente sua pequena orda de fascistas para atacarem movimentos sociais. A TFP é parte de conjunto maior de grupos e organizações que apoiaram o golpe civil-militar. É na frente da TFP que acontece o último escracho do cordão. Nas paredes ao lado, cenas de “Saló e os 120 dias de Sodoma” de Pasolini são projetadas, lembrando o fascismo abjeto ainda presente. Os empresários que financiaram e se beneficiaram do golpe são citados.

A polícia tenciona e ameaça os manifestantes. Parece pronta a atacar. Até que um velho e aparentemente frágil militante, com sua bengala, os contêm. Sem força, sem palavras. Com a imponência de sua presença. É uma das cenas mais belas já presenciadas por este escriba. O velho militante impõe respeito portando apenas sua cotidiana bengala à toda uma tropa de jovens policiais treinados para trucidar manifestantes. Aquela imagem mítica do ancião abate a moral da máquina de moer ossos do Estado. Volto emocionado com esta imagem do mestre ancião Alípio Freire. Carrego comigo, carregamos todos que ali estiveram, a esperança renovada de uma mudança. Em 2015 o Cordão voltará as ruas. Até lá outras batalhas serão travadas. E se em algum momento vier o desânimo lembraremos do que a Mãe de Maio Débora nos ensinou: “os nossos mortos tem vozes”. 

NOTAS

1 Depoimento de Gabriela Leite para “Santa Efigênia e seus pecados” Documentário de 26 min. dirigido por Thiago B. Mendonça

2 1964, o ano que não terminou in O que resta da ditadura.