impressionante o trabalho do pequeno Gabin Lefebvre
Recentes filmes franceses têm me trazido o alento de que há um vigor artístico que resiste ao tempo na cinematografia do país da Nouvelle Vague. Cineastas como Alain Resnais, Claude Chabrol, Xavier Beauvois, Arnaud Desplechin, Laurent Cantet, Jacques Audiard, François Ozon, Bruno Dumont, entre outros, trazem um cinema inventivo que, por mais que nem sempre funcione, propõe uma arte que vai contra o establishment hollywwodiano. Em cartaz nos cinemas de São Paulo, "Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva" é mais um exemplar dessa boa safra francesa de filmes não convencionais, que trazem o confronto ao invés do conforto narrativo de um cinema previsível. Simbolicamente dirigido por Claude Miller e seu filho Nathan Miller, o longa é um drama familiar centrado no abandono materno e na relação que se estabelece com a adoção ou com a ausência da figura da mãe. Porém, não há maniqueísmos simplistas, mas sim uma abordagem profunda acerca da necessidade de laços afetivos.
"Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva" é, antes de tudo, um filme sobre a inadaptação e sobre a disfuncionalidade do seio familiar. Os personagens não são simplesmente vitimas, mas sim seres inadaptados ao tipo de vida social que lhes foi naturalmente imposta. Julie é uma jovem mãe desnaturada, que não consegue se adaptar a vida materna e resolve entregar para adoção os seus dos filhos,Thomas e Patrick. Porém, o adjetivo desnaturado cabe aqui para todos os personagens, incluindo os filhos e o casal que os adotam. As características humanas estão subvertidas e o espaço afetivo se desnaturalizou no sentido de que as relações sociais impostas trouxeram o desenvolvimento de sentimentos contraditórios. Claude e Nathan Miller buscam mostrar como a ânsia humana pela construção de vínculos também pode levar a desconstrução da personalidade do ser, relevando lados obscuros, mas não menos humanos.
É amparado em pares díspares como ódio e amor, desejo e repulsa, racionalidade e emotividade, que o filme francês costura os seus sentidos, sempre ambíguos e, por isso mesmo, sempre insuportavelmente humanos. A busca de Thomas (interpretado em diferentes fases da vida pelos surpreendentes Gabin Lefebvre, Maxime Renard e Vincent Rottiers) por sua mãe biológica não cai em nenhum momento na clássica jornada do herói norte-americano, que aprende lições de vida moralistas. Estamos diante de um filme complexo e que não traz soluções fáceis. As sequências em que Thomas passa a viver com a mãe biológica e o seu meio-irmão são intensas e carregadas de simbolismos. A imprevisiblidade do personagem não é esquemática, mas sim reflexo do alabirintado jogo de relações que o atravessa. Mesmo o happy end proposto pelos diretores é muito mais uma afirmação da impossibilidade da conciliação do que um acessório de redenção clássica. "Feliz Que Minha Mãe Esteja Viva" não é daqueles filmes unanimidade e também não é uma obra completamente regular ou inovadora. Mas há algo de desconcertante nesse filme, que muito nos diz sobre as possibilidades da linguagem cinematográfica e também sobre a enigmática condição do ser social.
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