O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Ferreira Gullar, O poeta que não sonha mais


É fato que Ferreira Gullar é um excelente poeta, e também que o tento escrever aqui, não conseguirá chegar nem próximo à densidade e complexidade que constituem esse grande artista.

Assistindo ao programa Roda Viva, da TV cultura, fiquei bastante impressionado com a qualidade de seus versos, que ainda se mantém no novo livro "Em Alguma Parte Alguma", e, sobretudo, com sua visão de mundo antidogmática, mas ao mesmo tempo confusa.

Ferreira tem posições muito firmes e que esbarram no conservadorismo referente a drogas, sistema político, etc. Mas talvez o que mais incomode seja sua crítica constante ao que chama de “mentira”, “ilusão” sem que aponte nenhuma, não chamarei de solução, mas uma síntese eficaz para suas contradições. Isso fica bem claro quando afirma que o socialismo acabou, ou em outro momento afirma máximas do altruísmo, como o homem e a vida só ter sentido no momento em que enxergamos o outro, e acaba por repudiar o capitalismo, e apontando uma possível saída que é esse sistema ser "vigiado". Ou seja, apesar de crente numa relação mais humana, e à frente daquilo que temos no capitalismo, ele não admite e nem propõe o fim do sistema, que o próprio poeta chama de perverso – como verão no vídeo abaixo, ele tem suas justificativas para tal.

O ponto de vista político-partidário de Ferreira Gular não, necessariamente, me incomoda tanto, já que sua obra é algo muito além de sua confusão política. E convenhamos: É compreensível a crítica, principalmente aos partidos. Sabemos como funciona a maior parte dos partidos políticos e sua relação com a subjetividade, sobretudo na arte, são brutalizados quase tanto quanto o senso comum criado no capitalismo. E, talvez, por isso seja ainda mais atraente a pergunta: Como, o poeta, sabendo mais do que ninguém, que numa sociedade, onde relações humanas são mediadas pela mercadoria, logo, homens brutalizados e quase nulos em totalidade daquilo que é produzido enquanto arte em seu espaço, pode acreditar que num “capitalismo vigiado”, pode haver aquilo que descreve como vida? Já que na mais simples relação de 'benevolência', o que está em jogo não é o ser humano próximo de mim, mas o quanto custa tudo aquilo que nos permeia: tempo, quantidade, possibilidades, etc.

Sem dúvidas, há uma contradição enorme  e uma hipocrisia sem igual na esquerda, que, por vezes, é preferível escutar a um conservador convicto de sua mesquinhice. E, talvez, esse seja um dos pontos críticos cruciais da fala do poeta. Ainda assim, o que é mais “doloroso” é que nossos “exemplos” tenham deixado de sonhar, e talvez, por isso, seja nosso dever, dos jovens, fazê-lo – vale a pena lembrar: a definição de jovem, aqui, não tem a ver com a rugas, ou nosso questionável conceito de tempo, mas, sim, nossa capacidade de sonhar.


2 comentários:

  1. Danilo,
    Suas observações sobre a entrevista de F.G. além de pertinentes, nos animam.
    De fato, nele, o pensamento só não desagrega por completo, porque ainda constrói sua frágil unidade sobre a criação poética. Outra aspecto que ainda também o mantém "inteiro", está precisamente em apoiar parcialmente sua crítica ao sistema, naquilo a que renuncia. Ou seja, nega o capitalismo, para afirmá-lo mais à frente.
    muito viva sua análise!
    Parabéns!
    maria

    ResponderExcluir
  2. Muito obrigado Maria!

    Acho que é isso mesmo, nós vivemos não mais no "século das incertezas" mas agora no "século das incoerências".

    Bom, vamos sonhando!

    Abs

    Danilo

    ResponderExcluir