O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Jabor de Manhã.


O texto de Arnaldo Jabor, "O Vírus da Irrelevância", publicado ontem no Estadão, e felizmente postado aqui no blog pelo camarada Danilo, me fez pensar numa discussão que tive há dias atrás com um amigo. Perguntávamos, então, se era possível definir a inteligência, já que a mesma admite várias definições pela ciência, arte... culturalmente, etc. Fora isso, homens inteligentes não faltaram de todos os lados. Como estávamos empolgados, negligenciamos o rigor e respondemos positivamente. De fato, parece haver um ponto em comum difícil de definir na inteligência de homens que, muitas vezes, possuem objetivos contrários. A conclusão final foi a seguinte: onde quer que haja inteligência, sensibilidade, elaboração, etc. há vida! E, conseqüentemente, a inteligência é sempre um sopro de libertação, embora costume caminhar muito atualmente na contra-mão de si mesma!

É o caso, em boa medida, de Arnaldo Jabor. O cinismo detestável dos dias úteis, na medida em que reduz a imagem, poderia esconder o crítico sério e preocupado, conservando-se por trás do escroto e o substituindo nos horários de folga? Difícil de imaginar. Talvez Jabor tenha escrito este texto de pijama! E, mais tarde, de noite, podemos vê-lo no Jornal da Globo, dizendo idiotices ocidentalizantes, e distribuindo ração ideológica pra sujeitos modernos autoritários e robotizados – ora, os mesmos imbecis “contemporâneos” que ele criticou em seu texto, de manhã. O que espanta é a capacidade de lidar com tamanha contradição: admirável força ou falta de vergonha na cara? Uma coisa não anula a outra, talvez.  

Quanto ao texto, o tom de desabafo é nítido. Sua força, tal como a de seu autor, reside precisamente ali onde fraqueja. Jabor constata, e muito bem, um estado de coisas. Mas, notem que a força de convencimento de toda constatação, por melhor que seja, termina rápido pois logo é seguida pelo questionamento que lhe é implícito, e vem à tona: “Tá! Mas por que é assim?”. Jabor não diz, evidentemente, por que vivemos no tempo da desilusão. Assim, fica em aberto, sugerindo desde explicações de ordem moral até o fato de que o capitalismo esgotou seus limites internos de crescimento, e vive agora na expectativa de ressuscitar cadáveres. Esta última hipótese, evidentemente, é descartada a priori das suposições elementares de qualquer democrata otimista, por mais pessimista que seja – como Jabor, de manhã!  

Por fim, cito alguns trechos do texto “O Tédio Mortal da Modernidade”, de Robert Kurz, para que possamos comparar e compreender melhor, quem sabe, onde reside a força do texto de Jabor, na medida em que flerta com uma crítica mais radical da modernidade, e onde reside sua fraqueza, o fato de não ir às últimas conseqüências no caminho em que tanto sua inteligência quanto seu texto precisariam ir. Vale a pena ler.

(E para quem não leu o texto do Jabor, podem conferir, como foi dito, aqui mesmo no blog, agora ou depois, no endereço da posatagem: http://cinefusao.blogspot.com/2011/06/o-ataque-do-virus-da-irrelevancia.html)


O Tédio Mortal da Modernidade.

Será que ainda pode haver objetivos culturais para o século 21? Apesar da crise social do globo, ou talvez justamente por causa dela, não se trata mais, nesta virada do século, da conquista de novos horizontes. O poço de desejos da infindável modernização, é bem verdade, continua a receber suas moedinhas, mas pouquíssimos são os que ainda lhe dão crédito. Para começar algo novo, necessário seria proceder a um apaixonado debate sobre os projetos sociais a que se aspira. Mas as paixões sociais, políticas e culturais parecem extintas, os discursos da mídia arrastam-se a custo, pasmacentos. Nem no trato social nem na relação com a natureza são formulados novos desafios. A idéia de uma grande "tarefa para a humanidade" soa não só antiquada, mas também ingênua e até fora de cabimento.

O que hoje se louva como novo e promissor não é mais um conteúdo ou um fim qualquer, mas a simples forma ou o simples meio, o aparato despido de todo espírito. A Internet é o melhor exemplo para tanto. Quanto mais rapidamente evolui a tecnologia da comunicação, menos conteúdo há que valha a pena ser transmitido. Se o meio tecnológico rouba a posição ao conteúdo, a própria "razão instrumental" conduz ao absurdo. No estágio final desse processo, seres humanos munidos de perfeitos meios de comunicação nada mais terão a dizer.

Uma tal contemporaneidade calculada, que embebe todo o espaço da história humana na luz fria do mercado e suprime todas as diferenciações quanto mais se fala de "diferença", empresta à cultura comercial pós-moderna uma semelhança aflitiva com a ação de macacos que brincassem numa biblioteca e, aos guinchos, fizessem uma embrulhada com os livros.

Uma nova orientação da cultura, ligada à crítica radical do capitalismo, só pode consistir em dar um basta à permanente depreciação da história, não no sentido da idealização de um passado qualquer, nem como seu consumo, mas como busca crítica dos rastros que o capitalismo apagou sistematicamente. Trata-se de dar a conhecer a história do disciplinamento moderno e do amestramento humano, a transformação da vida em repositório de imperativos econômicos, a fim de pôr em xeque a aparente naturalidade desse modo de vida. Hoje, ao serem questionados sobre os seus deslizes passados e as respectivas causas, qualquer empresário, político ou jogador de futebol responde sempre com a frase estereotipada: "O que passou, passou". A inversão dessa perspectiva seria, de certa forma, uma "crítica do capitalismo voltada para trás", uma orientação simbólica com a retrospectiva crítica como norte, uma recusa da lei capitalista do movimento, um "tiro no relógio", segundo Walter Benjamin.

Uma tal inversão de perspectiva traria também conseqüências para a orientação psíquica. Isso porque a guinada crítico-emancipatória para trás, a fim de assegurar-se no passado, significa ainda uma mudança na relação simbólico-cultural entre "interior" e "exterior". No capitalismo, o ser humano é "guiado externamente" pelos critérios do prestígio e da bela aparência, tal como são sugeridos pela publicidade, pelas embalagens, pela autopromoção.

Também nesse particular, entretanto, a inversão do rumo cultural não favoreceria o reverso reacionário da medalha, uma mistificadora "vida íntima" ou uma "contemplação esotérica" apta a se refugiar num imaginário "eu", ao abrigo das contradições sociais. Ao contrário, a "introspecção" emancipatória consistiria em revelar a história recalcada e a falsa objetivação das coerções capitalistas também na psique e na linguagem de certa forma, como uma "arqueologia íntima" da modernização, tanto no plano pessoal quanto no sociopsicológico, a fim de tornar patente o processo da "introspecção" psíquica dessas coerções.


O Texto de Kurz na íntegra, bem como outros textos do autor podem ser encontrados no seguinte endereço: http://antivalor.atspace.com/indice.htm

Um comentário:

  1. Belo complemento ao texto do Jabor João! Não conhecia esse texto do Kurz e realmente nos aponta exatamente como podemos criticar a postura do Jabor e concordo com toda a sua precisa análise de que para criticá-lo de alguma forma devemos antes reconhecer a dualidade até corajosa de sua bagagem teórica e crítica. Grande contribuição!

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