O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

FRAME: Entre o sonho e a impureza da realidade (Entreatos - João Moreira Salles)



Ontem mesmo, assistia a um encontro com João Moreira Sales chamado "Visões do documentário", pelo youtube, onde ele falava sobre seus filmes e o como alguns dos documentários brasileiros contemporâneos( ele próprio, Coutinho, Kiko Goifman) trabalham num outro registro, que não mais as péssimas e superficiais ideias de se debruçar inteiramente sobre o conteúdo, reprodução da vida real, etc...

Em meio a isso, o que me chamou mais a atenção foi uma observação do diretor em relação a um de seus filmes o "Entreatos", em que ele acompanha Lula como está exposto no próprio nome em seus entreatos, que se diferenciam dos grandes momentos, os mais convencionalmente cobiçados documentários. Ao se referir a Lula, enquanto personagem do filme, sua relação com a câmera, além de por muitas vezes falar sobre realidade, sonhos produzidos pelo cinema, e principalmente sobre a melancolia ser uma das únicas formas de se encarar sinceramente a vida e o próprio documentário - já que o documentário pretende "filmar a vida", seria no mínimo estranho supor um final hollywoodiano para algo que vai de encontro à ela e que, por si só, não acaba bem; não existe final feliz, já que a 'última partida a gente sempre perde' -,   João desloca essa observação para o próprio personagem, e aquilo que o tomava durante as filmagens, que era nada mais que o sonho de se tornar presidente. Em outras palavras, tratava-se de um 'homem do povo', carismático, simples, que poderia ser presidente da nação.

O grande porém é que o próprio sonho que João registrava, só poderia ser criado de fato pelo cinema, já que o próprio diretor afirma, que enquanto filmava ele mesmo sabia que aquele sonho seria incompátivel com a realidade e sua impureza - o sonho não suportaria a realidade. Impureza e brutalidade que empurrariam Lula para as decisões mais controversas e absurdas possiveis, principalmente no que diz respeito a suas alianças (Renan Calheiros, Sarney, Delfim Neto, e assim vai...).

O fato, contudo, é que não se trata necessariamente de um sonho puro; ora, não se trata de uma contraposição total com a realidade impura; já que tal sonho não era, simples e docilmente, de criar um novo espírito do tempo, aquele onde os trabalhadores seriam de fato representados e estariam ascendendo com Lula à presidência, como acreditaram(mos) muitos em discursos emocionantes como o na avenida paulista, durante a posse. Talvez sim, para ele, que hoje acredita ser o próprio fim da história, sua vitória representou a chegada do trabalhador ao poder, ele mesmo.

Seu sonho era o poder. Talvez a única coisa que consiga contrapor uma possível "pureza" de seu sonho para com a impureza da realidade, é que mal sabia ele que deveria deixar de fingir ser algo que nunca foi quando chegasse lá, ou ainda o que das formas mais incongruentes ensaiava ser, um homem do povo.

Link para o filme(arquivo torrent):
http://thepiratebay.org/torrent/4547366/Entreatos_(2004)

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