O Festival ocorre de 11 a 20 de fevereiro, no CEU Quinta do Sol, Ermelino / Penha
programação completa no site
Vale frisar que apesar de sua imensidão - sendo ela territorial, histórica, populacional, social e cultural - dentro da maior metrópole de um país de dimensões continentais, como é o caso do Brasil. Assim mesmo a Zona Leste paulistana, em pleno século XXI, ainda não tinha um grande festival de cinema em seu calendário cultural.
A Zona Leste paulistana é uma tradicional região proletária da cidade. Nela, historicamente, os migrantes e imigrantes se instalam para iniciar a construção de uma nova vida. É assim na Mooca de tradição italiana, na nordestina São Miguel, na população afro-descendente que se espalha pela Penha, Itaquera, Vila Matilde, Vila Ré... e continuam chegando... Nos dias atuais os bolivianos e a mão de obra clandestina em tecelagens do Brás.
As novas populações que chegam a São Paulo vêm carregadas de libido transformadora. Chegam motivadas pela necessidade de transformar a própria vida. E, assim, intervém também no espaço urbano. São bairros “auto-construídos”, frutos de organização social na luta pelo direito à moradia. Luta que teve seu apogeu nos anos 80 e impulsionou movimento de abrangência nacional em abaixo assinado que correu o país e aprovou lei em Brasília. Luta imortalizada também nas letras do sambista Adoniran Barbosa, que tantas poesias fez lamentando os despejos e a falta de moradia. “Agimos localmente, mas pensamos globalmente”, define o Padre Ticão, importante liderança do movimento pelo direito à moradia.
É assim a zona leste, região de população ativa, que constrói bairros, transforma o cinza dos muros em grafite colorido, compõe músicas e se desloca incansavelmente em busca do sustento de cada dia. Afinal, entre outras coisas, a zona Leste é a região da cidade que apresenta o maior fluxo de população sazonal. Ou seja: é composta por bairros dormitórios e a maioria de sua população ativa se desloca a outras regiões da cidade para trabalhar. No cotidiano dos bairros, as iniciativas comunitárias. E assim, proliferam os campeonatos de futebol de várzea, as rodas de samba, encontros culturais, a convivência e criação popular nas Escolas de Samba e ações de educação popular em iniciativas auto-sustentadas de oficinas de música, arte, reciclagem.
A história, a imagem e identidade desta região da capital paulista vêm à tona neste novo festival de cinema. SP Leste em Movimento é o retrato desse rico cotidiano, repleto de elementos para reflexão. Zona Leste, região urbana que concentra características de todo um pais de dimensões continentais. São filmes históricos que narram os fatos da região em diferentes formas, estilos e épocas. Há Lugar, de Julio Wainer, acompanha a luta da igreja junto às populações carentes nos anos 80 pelo direito à moradia. Conquista - baques, batuques e retratos é concebido e realizado pelos alunos da videoficina ¿Onde Está America Latina? no SESC Itaquera e retrata o dia-a-dia no peculiar bairro encravado entre o Iguatemi e São Mateus, e todas as ruas têm nome de músicas. De A em Abre Alas a Z em Zazueira. Há também o clássico Seu Nenê, de Carlos Cortez, sobre o, infelizmente agora saudoso, fundador da Escola de Samba Nenê da Vila Matilde e grande incentivador da cultura do samba em São Paulo - Seu Nenê, alias, receberá homenagem especial no festival. Através do Edital História dos Bairros da prefeitura de São Paulo, outras importantes realizações, Guianeses, Ermelino Matarazzo, Itaquera, entre outros bairros têm suas histórias contadas pelos principais diretores do documentário paulista.
De forma conjunta à leitura da própria história, o Panorama Leste Sem Fronteiras traz o “olhar para fora” da região. Nessa primeira edição do festival a curadoria traz ao público obras consagradas de curta-metragem e documentários que retratam a diversidade e a pluralidade cultural brasileira. A curadoria preparou ainda mostras temáticas de Samba, Hip Hop, História, America Latina, Suspense, Curta o Curta, Infantil e Infanto-Juvenil. No total, mais de 100 filmes serão exibidos em 10 dias de evento. São filmes de destaque, muitos deles premiados em festivais pelo Brasil afora e até internacionalmente, e que não tem ou não tiveram difusão comercial. Outra característica do festival é ampliar o olhar do espectador quanto às possibilidades da linguagem cinematográfica. Assim, no SP Leste em Movimento, os tradicionais longas metragens de ficção cedem seu espaço cativo nas salas de cinema para os curtas-metragens, as animações, a Não-Ficção, o vídeo performático, a poesia concreta e audiovisual e os documentários musicais e sociais.
texto: Pedro Dantas
Curador do SP LESTE EM MOVIMENTO
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