Em “Um Trailer Americano” (curta que segue publicado abaixo), José Eduardo Belmonte propõe uma reflexão principalmente acerca da marginalidade artística. Esta vista, principalmente, sob a ótica cinematográfica, daquele que sofre com as imposições de uma indústria virtual. Diferentemente do cineasta/personagem André Luiz Oliveira, Belmonte não fez parte do movimento que se denominou “cinema marginal”, a partir da década de 60, mas dialoga com ele, trazendo recursos estéticos que justificam a criatividade imposta pela falta de recursos. É assim que a marginalidade se impõe também como estética original que, no caso de “Um Trailer Americano” se reflete principalmente na forma. Belmonte opta por uma estrutura que imita um trailer de filme, mas ironicamente feito de forma caseira, artesanal. E é justamente a partir dessa estrutura que se estabelece a dinâmica do filme e começamos a perceber o seu conteúdo essencial: a crítica ao apego doentio pelo cinema norte-americano e sua indústria. Belmonte alia forma e conteúdo e mostra na prática como o cinema brasileiro deve incorporar a falta de recurso e assumi-la como estética, para somente assim ter uma obra verdadeiramente tupiniquim.
Logo que o filme começa somos apresentados a uma situação peculiar: Nádia, Flores e Mustang vivem dentro de um trailer quebrado, enquanto os dias passam e eles assistem a trailers de filmes americanos que passam em um drive in próximo ao local. Sem qualquer tipo de cronologia narrativa, somos apresentados a diferentes momentos desses três personagens que adoram filmes americanos e os assistem de binóculos, quase sem conseguir enxergar ou até mesmo sem entender nada, pois não há legendas, enquanto no mesmo terreno, a menos de 10 metros, uma equipe de filmagem brasileira roda um longa que eles ignoram. A partir daí, pequenos trechos de dramaturgia são intercalados a letreiros que surgem em placas nas mãos de pessoas comuns, em diferentes locais da cidade de Brasília. Essas cartelas antecipam os próximos movimentos do filme e contribuem em seu conteúdo para o deboche de um modelo norte americano que insistimos em copiar. O próprio nome do filme e a situação a que somos apresentados contribuem nesse sentido ao passo em que a palavra “trailer” é um empréstimo de vocabulário.
Propositalmente, Belmonte nos apresenta personagens que estão parados no tempo, aguardando passivamente o conserto de um trailer, sem qualquer tipo de perspectivas e conversando sobre amenidades quaisquer. Além disso, os três se apegam a um espaço defunto dentro da estrutura cinematográfica, o drive-in, e se questionam sobre o porquê da vida não ser igual a um filme. Novamente, a crítica à utopia cinematográfica de se ter um cinema no modelo americano que se compara aqui ao viver como num filme. Por fim, talvez o melhor momento de “Um Trailer Americano” seja a participação do cineasta André Luiz Oliveira que, com uma placa escrita “metalinguagem” na mão, se propõe a explicar o filme aos espectadores. Roberto Bomtempo (o ator, pois trata-se de uma pausa na narrativa – se é que existe – do filme) o interrompe e o manda “tomar no cu”. Em outro momento, a mesma cena se repete e o ator pergunta a André Luiz se “isso é um filme?”. Assim, José Eduardo Belmonte já antecipa que não devemos procurar explicações em seu filme, invalidando até mesmo esse texto que, para não se sustentar apenas nas interpretações, termina com algo opinativo e simples: gostei muito de “Um Trailer Americano”.
Sensacional! Ainda não conhecia.
ResponderExcluirBoa análise e um belo filme.