Passadas semanas após a estreia de Tropa de Elite 2, debates com Padilha e Wagner Moura e muitas críticas, análises, resolvi fazer um ensaio sucinto sobre aquilo que acredito ter sido pouco discutido. Que é não mais a corrupção pela corrupção ou ainda uma falta de um programa de segurança pública eficaz, mas agora o excesso de segurança.
O que mais se ouve, de todos os lados, entre críticos, público e afins, é a segurança pautada por aquilo que escutamos durante todo o filme através do protagonista e narrador Capitão Nascimento, o sistema. Este, por sua vez, corrupto.
Contudo, o que vejo e acredito que tenha sido deixado de lado, tanto na obra quanto por aqueles que se arriscam a escrever sobre ela, é que o problema já não é a “falta de um programa de segurança pública” - como disse Padilha em debate organizado pela Folha de São Paulo, quando perguntado sobre as eleições, ele se posicionou contra PSDB e PT dizendo que ambos prometeram um programa de segurança e não cumpriram. E é aí que precisamos inverter o jogo e entender a conjuntura em que nos encontramos. O que acontece é exatamente o contrário. O que pauta esse sistema é o excesso de segurança e não a falta dele.
Ora, aparato técnico não nos falta – repare que ao dizer “nos” estou “nos” incluindo ao sistema. Vivemos em uma sociedade pautada pelo medo. Estamos rodeados por câmeras de segurança nos trens, metrôs, ruas, universidades e afins. Na televisão, Datena, Jornal nacional fazem os papéis mais importantes no que diz respeito a manutenção dessa silenciosa barbárie. O espaço público é marginalizado. Os muros crescem. Temos policias, muitos, armados, violentos e dispostos a exercer essa violência. Temos um exército. Além é claro de cercas, alarmes, lanças, portões elétricos, etc.
Nosso momento histórico é diferente àquele que anunciava um dos personagens de “NOTICIAS DE UMA GUERRA EM PARTICULAR”, de João Moreira Salles. Ele dizia que os traficantes, no momento em que percebessem o como funcionava o sistema de segurança, no caso no Rio de Janeiro, eles desceriam e dominariam tudo, pois teriam poder para isso. A situação, hoje, está claramente invertida. A policia, o estado, a elite tem aparato técnico e humano suficiente para aniquilar com tudo aquilo que tem por torto, errado.
E antes de prosseguir com o raciocínio, levanto duas questões “Qual a vantagem do estado em aniquilar com o tráfico?”; e “Para nos proteger do que, é necessário um programa de segurança pública?
A primeira questão. É através do tráfico e de todo esse movimento torto, que não é composto apenas pelos chamamos bandidos mas também por policiais, que é propiciado o lento desaparecimento de toda uma camada da sociedade, ou seja os pobres. Logo, mais fácil que sujar as mãos, que deixem eles se destruírem aos poucos – palavras do estado ou “sistema”. E essa destruição no submundo é silenciosa, pois é lá que acontece, em meio aos seus guetos. Estão controlados, policia e crime “organizado”. O Estado tem o poder de criar uma policia que está para garantir a injustiça, da qual a própria policia também é vitima. A policia assim como o tráfico, é uma organização criada, já desde cedo baseada na autodestruição, mas que o material humano é quase infinito. Morre um, sobe outro.
É claro, que esse tal holocausto particular do submundo, por vezes ameaça incomodar as estruturas das outras classes sociais. Volta e meia haverá um Sandro Nascimento, um revolucionário ou ainda um ser enlouquecidamente revoltado, que ousará sair de seu gueto e dizer: “Eu estou aqui, me vejam”. E ainda assim morrerá, pelas mãos de um oficial da PM, BOPE, ROTA, CIVIL, etc. E isso não terá grande importância já que para, principalmente, nossa classe média, média alta o único problema a ser discutido será a demora em executar o meliante – assim como escutei algumas vezes pelas bocas de “estudantes” de “cinema” em São Paulo, em relação ao caso do ônibus 174.
E vale ressaltar mais um ponto, em que tanto o filme quanto todos nós parecemos ignorar. Esses traficantes, agora falando estritamente do Brasil, e poderíamos até explanar apenas sobre o Rio de Janeiro, são como quaisquer empresários de corporações de caráter privado – acredito que não digo nenhuma novidade. Porém o que gostaria de ressaltar, que está esquecido, é que toda a linha de produção tecnológica para produzir e transportar a droga não está no morro. Ou alguém acha que esses traficantes tem helicópteros que pousam em telhas, prestes a cair, no morro da alemão ou na rocinha? E que possuem barcos, grandes carros? E ainda mais como a segurança de qual falava antes, cheia de cameras, homens, possibilitam a entrada dos produtos? Seja lá qual via for.
Estado, corporações, empresários estão de braços dados ao tráfico direta ou indiretamente. E essa é uma das garantias para que o sistema de segurança funcione. Com o tráfico funcionando, eles se matam, não nos preocupam. Isso também possibilita uma real diferença entre “eles” e “nós”. Sem que haja esse diferencial de miséria e violência para “conosco” cidadãos bons, honrados e que arcam com seus impostos, qual seria “nosso” critério de diferenciação? Além disso há outro importante ponto, não se ativa de uma vez por todas a aniquilação das tais camadas inferiores, por conta de um código de conduta moral que proíbe aquilo que poderia ser chamado de genocídio, o que para cidadãos bons e honrados de classes superiores seria um problema. Imagine só, sermos comparados a nazistas?
A segunda questão vai de encontro aos que disse anteriormente. Estamos pedindo por um sistema de segurança eficaz contra nós mesmos. Pois a quem a policia deve proteger – o estado, a elite – já é bastante eficaz.
Sucintamente podemos dizer, o sistema de segurança atual funciona e está organizado. Porém o sistema econômico que vivemos torna óbvio para quem é destinado o programa de segurança. E é direcionado para aqueles que podem comprá-lo. E é nesse sentido que discutir se esse programa de segurança é competente ou não, é besteira. Pois é claro que é competente. Com exceção de alguns casos, que não podem ser chamados de frequentes, aqueles que devem ser protegidos frente ao crime, nesse sistema, estão sendo.
Portanto, a revindicação que o próprio Padilha diz “esperar por um bom ou competente programa de segurança pública” não é possível, pois nessa lógica em que vivemos, ele já o é. Não há o que revindicar dentro disso. Acaba-se por revindicar reformas e o discurso, nesse sentido, fica vazio.
A mantença junto a manutenção dessa conjuntura, pautada pelo grande capital, não trará nenhum avanço e a revindicação por reformas é pífia. Ou buscamos o novo, o “renascer”, sair da lógica que por tanto tempo estamos amarrados, ou nos resta esperar lenta e pacificamente por um fim cinza em nosso holocausto particular, o do terceiro mundo – ou emergente, como preferir.
Os valores dessa sociedade estão dados. E nesse sentido o sistema funciona e é, mais do que nunca, extremamente competente.