O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Mais um ponto para Thanatos

Me lembro de dois gatos que tive Na morte de um deles depois de enterrado deitava sobre o túmulo de seu único parceiro Parceiro genérico Como o velho Marx dizia Naquele momento meu gato tinha perdido um tipo de fio de existência que o tornava uma espécie Sem outra referência do que era Quando outro morre somos meu gato sem história sem essência sem com quem compartilhar nossa falta de sentido E aos vivos próximos de serem soprados dessa selvageria que é a vida nos reaproximamos Um dia ainda me pegarei pensando por qual sentido atravessaria oceanos para ver outro de mim sem vida e por que ao contrário não cruzei oceanos para lhe celebrar enquanto existia No meu caso nesta noite morre uma tia minha Meu pai longe de minha mãe que luta pela cova de minha tia Ele se perde na cozinha sem se deixar ver-se perdido Por algum momento chego a pensar se não fora minha mãe que morrera No lugar do café se vê na obrigação de um achocolatado requentado Me oferece um pedaço de panetone Enquanto isso a louça enorme e suja Ele me conta rapidamente da morte de minha tia Resolvo atipicamente em minhas cada vez mais repetidas aproximações da casa deles lhe preparar um café Uma parte de mim chora por minha mãe Mas também por meu pai Começo a lavar a louça também atípico gesto na formação de minha família Minha mãe entra pela porta e diz que não lave mais a louça Eu continuo ela se senta no sofá e conversa com meu pai Não fui habituado a lhe dar com que chamam de forma correta de luto mas naquele momento senti que a louça que lavava soava pelo espaço como um abraço em minha mãe Coragem


à minha mãe

Com esperança de que um dia possamos chamar de fortuna a isso que hoje não passa de hypótese: a vida

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

LABORATÓRIO CINEFUSÃO - EXPERIMENTO #3

EXPERIMENTO #3 - O TRABALHO NOS FARÁ DIGNOS

A proposta do experimento surge da conhecida análise do sociólogo alemão Max Weber, presente no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, em que o Calvinismo surge como doutrina responsável por trazer à tona o espírito capitalista. O exercício vem, então, como proposta de negar a visão religiosa da predestinação, que entende o homem como escravo de seu destino e o trabalho como único reflexo da salvação. Essa ideia também está presente no pensamento liberal, que reafirma o caminho da plenitude através do trabalho, e que mercantiliza o próprio tempo, com a máxima “time is money”.

O intuito é evidenciar a contradição presente na sociedade de classes no que diz respeito à relação do homem com o trabalho. A proposição weberiana encontra eco na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, datada de 1948, que coloca logo em seu artigo primeiro a questão da dignidade humana:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”

Trechos como este surgem inverossímeis e até irônicos em relação ao capitalismo, já que a destruição das potencialidades humanas é o próprio princípio fundados do capitalismo ao coisificar as relações e mercantilizar toda atividade do homem. No que diz respeito ao trabalho, a tal Declaração, diz:

Artigo XXIII

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.      
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.    
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
Citamos um trecho também da pesquisadora Lívia Mendes Moreira Miraglia para determiner a própria incompatibilidade entre a coisificação do homem e sua dignidade garantida:

"Inicialmente, cumpre salientar que a dignidade impede que o homem seja utilizado como mero
instrumento, como meio para a consecução de um fim. O ser humano é fim em si mesmo e não se admite em nenhuma hipótese a sua “coisificação”.  Nesse sentido o magistério de Kant, para quem os seres racionais estão submetidos a um imperativo categórico que determina que “cada um deles jamais trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”


Assim, a proposta gira em torno da ideia falha, e repetida comumente, de que o trabalho dignifica o homem. Como afirma Marx “o dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora-a”. Portanto, o trabalho, ao expropriar o homem dos meios de produção, cria na realidade a alienação e impossibilita a verdadeira natureza do trabalho, que seria a de transformar livremente a natureza, de acordo com suas potencialidades e vontades.

Enfim, concretamente, a realização dos vídeos deve partir da proposta de criação de um roteiro a partir do cenário de um ambiente ou relação de trabalho, no qual um personagem é retratado diante de uma situação de plena contradição na relação com seu patrão ou colega de trabalho que represente uma hierarquia superior. O tema essencial da “dignidade” é colocado em questão e a cena denuncia a impossibilidade de o trabalho dignificar o homem na sociedade capitalista.

Regras estabelecidas:

- máximo 7 minutos de duração sem contar créditos iniciais e finais;
- cada um dos cinco envolvidos terá uma limitação criativa que será sorteada antecipadamente: obrigatório que seja um vídeo em plano sequência (Dida Beller); proibido o uso de trilha sonora (Domenico Salopini); obrigatória a utilização de voz off (Oswaldo Janete); proibido a utilização de atores profissionais (Volim Habar); utilizar apenas um cenário (Ermelino Escobar); trazer alguma questão de gênero (Raoni Yacamin).
- Eventualmente são permitidas as trocas de limitações entre os envolvidos caso haja comum acordo;