O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

domingo, 31 de outubro de 2010

ENSAIO: O Excesso de Segurança em Tropa de Elite 2 ou Nosso Holocausto Particular


Passadas semanas após a estreia de Tropa de Elite 2, debates com Padilha e Wagner Moura e muitas críticas, análises, resolvi fazer um ensaio sucinto sobre aquilo que acredito ter sido pouco discutido. Que é não mais a corrupção pela corrupção ou ainda uma falta de um programa de segurança pública eficaz, mas agora o excesso de segurança.

O que mais se ouve, de todos os lados, entre críticos, público e afins, é a segurança pautada por aquilo que escutamos durante todo o filme através do protagonista e narrador Capitão Nascimento, o sistema. Este, por sua vez, corrupto.

Contudo, o que vejo e acredito que tenha sido deixado de lado, tanto na obra quanto por aqueles que se arriscam a escrever sobre ela, é que o problema já não é a “falta de um programa de segurança pública” - como disse Padilha em debate organizado pela Folha de São Paulo, quando perguntado sobre as eleições, ele se posicionou contra PSDB e PT dizendo que ambos prometeram um programa de segurança e não cumpriram. E é aí que precisamos inverter o jogo e entender a conjuntura em que nos encontramos. O que acontece é exatamente o contrário. O que pauta esse sistema é o excesso de segurança e não a falta dele.

Ora, aparato técnico não nos falta – repare que ao dizer “nos” estou “nos” incluindo ao sistema. Vivemos em uma sociedade pautada pelo medo. Estamos rodeados por câmeras de segurança nos trens, metrôs, ruas, universidades e afins. Na televisão, Datena, Jornal nacional fazem os papéis mais importantes no que diz respeito a manutenção dessa silenciosa barbárie. O espaço público é marginalizado. Os muros crescem. Temos policias, muitos, armados, violentos e dispostos a exercer essa violência. Temos um exército. Além é claro de cercas, alarmes, lanças, portões elétricos, etc.

Nosso momento histórico é diferente àquele que anunciava um dos personagens de “NOTICIAS DE UMA GUERRA EM PARTICULAR”, de João Moreira Salles. Ele dizia que os traficantes, no momento em que percebessem o como funcionava o sistema de segurança, no caso no Rio de Janeiro, eles desceriam e dominariam tudo, pois teriam poder para isso. A situação, hoje, está claramente invertida. A policia, o estado, a elite tem aparato técnico e humano suficiente para aniquilar com tudo aquilo que tem por torto, errado.

E antes de prosseguir com o raciocínio, levanto duas questões “Qual a vantagem do estado em aniquilar com o tráfico?”; e “Para nos proteger do que, é necessário um programa de segurança pública?

A primeira questão. É através do tráfico e de todo esse movimento torto, que não é composto apenas pelos chamamos bandidos mas também por policiais, que é propiciado o lento desaparecimento de toda uma camada da sociedade, ou seja os pobres. Logo, mais fácil que sujar as mãos, que deixem eles se destruírem aos poucos – palavras do estado ou “sistema”. E essa destruição no submundo é silenciosa, pois é lá que acontece, em meio aos seus guetos. Estão controlados, policia e crime “organizado”. O Estado tem o poder de criar uma policia que está para garantir a injustiça, da qual a própria policia também é vitima. A policia assim como o tráfico, é uma organização criada, já desde cedo baseada na autodestruição, mas que o material humano é quase infinito. Morre um, sobe outro.

É claro, que esse tal holocausto particular do submundo, por vezes ameaça incomodar as estruturas das outras classes sociais. Volta e meia haverá um Sandro Nascimento, um revolucionário ou ainda um ser enlouquecidamente revoltado, que ousará sair de seu gueto e dizer: “Eu estou aqui, me vejam”. E ainda assim morrerá, pelas mãos de um oficial da PM, BOPE, ROTA, CIVIL, etc. E isso não terá grande importância já que para, principalmente, nossa classe média, média alta o único problema a ser discutido será a demora em executar o meliante – assim como escutei algumas vezes pelas bocas de “estudantes” de “cinema” em São Paulo, em relação ao caso do ônibus 174.

E vale ressaltar mais um ponto, em que tanto o filme quanto todos nós parecemos ignorar. Esses traficantes, agora falando estritamente do Brasil, e poderíamos até explanar apenas sobre o Rio de Janeiro, são como quaisquer empresários de corporações de caráter privado – acredito que não digo nenhuma novidade. Porém o que gostaria de ressaltar, que está esquecido, é que toda a linha de produção tecnológica para produzir e transportar a droga não está no morro. Ou alguém acha que esses traficantes tem helicópteros que pousam em telhas, prestes a cair, no morro da alemão ou na rocinha? E que possuem barcos, grandes carros? E ainda mais como a segurança de qual falava antes, cheia de cameras, homens, possibilitam a entrada dos produtos? Seja lá qual via for.

Estado, corporações, empresários estão de braços dados ao tráfico direta ou indiretamente. E essa é uma das garantias para que o sistema de segurança funcione. Com o tráfico funcionando, eles se matam, não nos preocupam. Isso também possibilita uma real diferença entre “eles” e “nós”. Sem que haja esse diferencial de miséria e violência para “conosco” cidadãos bons, honrados e que arcam com seus impostos, qual seria “nosso” critério de diferenciação? Além disso há outro importante ponto, não se ativa de uma vez por todas a aniquilação das tais camadas inferiores, por conta de um código de conduta moral que proíbe aquilo que poderia ser chamado de genocídio, o que para cidadãos bons e honrados de classes superiores seria um problema. Imagine só, sermos comparados a nazistas?

A segunda questão vai de encontro aos que disse anteriormente. Estamos pedindo por um sistema de segurança eficaz contra nós mesmos. Pois a quem a policia deve proteger – o estado, a elite – já é bastante eficaz.

Sucintamente podemos dizer, o sistema de segurança atual funciona e está organizado. Porém o sistema econômico que vivemos torna óbvio para quem é destinado o programa de segurança. E é direcionado para aqueles que podem comprá-lo. E é nesse sentido que discutir se esse programa de segurança é competente ou não, é besteira. Pois é claro que é competente. Com exceção de alguns casos, que não podem ser chamados de frequentes, aqueles que devem ser protegidos frente ao crime, nesse sistema, estão sendo.

Portanto, a revindicação que o próprio Padilha diz “esperar por um bom ou competente programa de segurança pública” não é possível, pois nessa lógica em que vivemos, ele já o é. Não há o que revindicar dentro disso. Acaba-se por revindicar reformas e o discurso, nesse sentido, fica vazio.

A mantença junto a manutenção dessa conjuntura, pautada pelo grande capital, não trará nenhum avanço e a revindicação por reformas é pífia. Ou buscamos o novo, o “renascer”, sair da lógica que por tanto tempo estamos amarrados, ou nos resta esperar lenta e pacificamente por um fim cinza em nosso holocausto particular, o do terceiro mundo – ou emergente, como preferir.

Os valores dessa sociedade estão dados. E nesse sentido o sistema funciona e é, mais do que nunca, extremamente competente.

6 comentários:

  1. Excelente tese a ser defendida. Já havia atinado a esse ponto também, mas não feito uma análise mais detalha. Com certeza, se pensarmos nas tecnologias e técnicas por trás do aparato de segurança dos Estados e das grandes metrópoles, teremos certeza imediata de que ele é mais que suficiente. O que acontece é que a violência entre nós, "plebeus", é algo conveniente para os "Patrícios". Se eles desejassem uma segurança pública de qualidade, sem dúvida que ela já estaria se manifestando há tempos.

    Há, sim, o EXCESSO de segurança. Sim, mas da segurança Deles. Somos vigiados contantemente, por todos os lugares. Somos, todos nós, presas fáceis, alvos fáceis, para qualquer investida dos que nos controlam. É preciso cuidado, muito cuidado.

    Bom texto, cara. Abração.

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  2. Muito obrigado pelo comentário Thiagão. Muito rica sua contribuição para o post.

    De fato é essa a sensação que tenho e tive ao escrever esse ensaio. Sempre acredito que poderia ter abordado outras coisas, como a internet, qual você próprio citou em outra conversa. Mas enfim...

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  3. Muito boa mesmo a tese. Essa é uma questão qual eu pensei muito ao sair do filme, o excesso de segurança sufoca e acaba nos deixando com a sensação de que não há saida... Bom esse debate!

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  4. Belo e melancólico texto. Quem sabe o próximo passo do Padilha não será abordar a realidade desse sistema "impessoal" que ouvimos tanto o Capitão Nascimento falar em "Tropa 2". É exatamente esse nosso holocausto particular que mantém o sistema tão eficiente.

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  5. Muito bom Danilo. Acho que é o primeiro texto seu que eu leio e já gostei bastante.

    "A tradição dos oprimidos nos ensina que o `estado de exceção` em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade" - Walter Benjamin

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