O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Capitão Nascimento na praça outra vez



Ano de eleição. Após o primeiro "Tropa de Elite" - que teve grande repercussão, principalmente através de sua pré-estréia no comércio pirata -, a segunda versão já tem data para estrear, será no próximo 8 de outubro (sexta), logo após as eleições. Não me arrisco a dizer que isso seja mais uma estratégia de divulgação do filme, e se for não pretendo rechaçar ou legitimar a ação, dado que o cenário de produção e difusão de filmes no Brasil é vergonhoso. Não me surpreende que novas tendências de promoção cinematográfica se mantenham constantes, para o bem ou para o mal.

Bom, resolvi rabiscar algumas palavras aqui, pois nessa semana revi a primeira parte da obra na TV record - outro fato "interessante": os filmes que tem sido exibidos na grandes emissoras de TV, ainda que em horário reservado para "intelectuais insônes". De qualquer forma, assisti e, dessa vez, tomando cuidado para entender, de uma vez por todas, o porquê de o filme dirigido por Padilha ter feito tanto barulho. Já fazia tempo que a discussão sobre ser ou não um filme facista me incomodava, principalmente por não saber responder a questão. O fato foi que o assisti, atenciosamente. Cada plano me fazia analisá-lo friamente. Diga-se de passagem, todos esses planos são muito bem feitos, tecnicamente falando. "Tropa de Elite" tem uma boa fotografia, atores ótimos e um roteiro muito bem amarrado, que inclusive utiliza de recursos que não são novos, como os flash backs, que potencializam a ideia de "não tempo", vivida por homens que estão constantemente no limite de suas vidas.

E me perguntava "Qual o problema desse filme?". Como já disse anteriormente, não podemos negar toda a qualidade técnica do filme, no qual cada elemento de arte, som, fotografia, roteiro são, de fato, muito bem trabalhados. Logo, o problema, talvez, esteja em como todo esse competente aparato técnico foi "amarrado" e o que ele viria a representar, no que diz respeito a sua estrutura macro, a forma final, o filme. Primeiro, caso paremos apenas no que diz respeito aquilo que é técnico no filme, efeitos especiais, tiros, trilha que cresce junto a saga de cada personagem, estaríamos somente reproduzindo o discurso do "cinemão" hollywoodiano. E o filme iria da "arte pela arte" para o alienado e vazio entretenimento.

Talvez, a crítica que acredito, no momento, ser mais eficaz é que independente daquilo que o filme contextualiza ou tenta contextulizar - sendo ele marxista ou facista -, sua forma dialoga diretamente com o conservadorismo e a caretice de muitos blokbusters. E é essa forma que serviu muito mais para a comercialização do filme do que necessariamente para o exercício artístico. Até por isso que fica cada vez mais complexo denominar o filme facista ou não. O filme não demoniza ou endeusa diretamente traficantes ou policiais. Mas critica ferozmente uma burguesia que necessita sentir-se culpada pela miséria que as rodeia. Pela varanda do apartamento enxergam apenas as cabeças rolando pelo submundo. E a partir daí fundam ou se associam às ONGS, exercendo o seu papel social.

Apesar disso, ao tentar ser mais comercial do que didático-artístico, "Tropa de Elite" toma o rumo de investir em cenas de violência explícita, por exemplo, como forma de incentivar a nós, público brasileiro, que nos preparamos, sofremos, mas gostamos dessa bárbarie. E claro para o dito 1º mundo que de nós aqui - emergentes - querem mais é ver a destruição interna, como numa briga de insetos, muito mais do que grandes artistas, filósofos, trabalhadores e afins.

Antes de encaminhar uma conclusão é importante lembrar que crítica se faz diretamente ao como a obra se mostra, para mim. Pois, como demonstrado logo depois de Tropa de Elite, Padilha é de fato um grande artista e prova isso em "Garapa".

Posso lançar um olhar otimista sobre o filme, pensando talvez que ele trata de uma guerra - fato - que já nasceu perdida, onde explorados lutam entre si e a única coisa que está em jogo é o poder sob algo que por fim é apenas um micropoder, já que o que eles tem não será potencializado. Ou seja, traficantes conseguiram dominar seu morro, sua comunidade, talvez algumas outras, porém não sairão disso. O estado e a democracia estão muito bem amparados e estruturados para contê-los. O mesmo serve para os policiais que talvez consigam subir de patente mas serão eternos lacaios e defensores da elite. Policias e traficantes se digladiam por uma democracia burguesa. O povo está em meio a isso. E é nesse ponto minha maior crítica ao filme. Apesar de não ser obrigado a isso - por talvez não ser sua proposta -, a obra parece esquecer a massa trabalhadora, a classe pobre. Passam despercebidos, inexistentes, quietos. Talvez pudéssemos lançar mais um olhar otimista e dizer que isso era parte da proposta do filme, no qual o povo estaria inerte a tudo isso. Mas, pelo contrário, não consigo acreditar nesse fato e o filme acaba por não apontar para lugar algum.

De fato, o lado dos traficantes é cercado por homens sujos, mal encarados, tortos. Já os policiais, apesar de carrancudos, corruptos e mesquinhos em grande parte, possuem um carisma único que seja talvez o que provocou tanto sucesso com o personagem de Wagner Moura. Mais um filme que de fato não passará em branco, continuará e será ainda alvo de muitas discussões, críticas, elogios. Eu mesmo não posso dizer o que direi daqui a dois anos sobre ele. Mas fica uma sensação, após assisti-lo e tentar exprimir em palavras o que vi, senti, ouvi; o cinema brasileiro, apesar dos "investimentos" na área e os novos editais, parece regredir junto ao vaso sanitário da globo filmes e tenta criar um cinema doutrinador e cada vez mais próximo dos enlatados americanos. Que pena.

Um comentário:

  1. Bela análise! Gosto bastante do primeiro tropa, mas algo me diz que esse será melhor. E claro que "Garapa" é outro nível!

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