O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Buñuel e a crítica à arte burguesa

Para darmos sequência ao debate sobre o filme "O Discreto Charme da Burguesia" - exibido no último dia 26, no Cineclube Cinefusão, proponho aqui mais uma livre interpretação.

Entre tantas críticas que o filme traz, gostaria de levantar aquela que talvez diga respeito à arte. Em 3 momentos, "O Discreto Charme" traz, de alguma forma, referências ao própria fazer/fruir artístico. Na primeira delas, as  três amigas protagonizam um cômico chá da tarde, na qual a possibilidade de se concretizar o ritual burguês é ridicularizada. É durante essa cena que presenciamos o único momento musical do filme, no qual uma pequena orquestra executa uma belíssima peça, enquanto as três damas trocam futilidades. Buñuel concretiza o seu ataque a um público burguês, representado por Florence que pede para trocar de lugar com a irmã, pois não gosta de olhar o violoncelo, algo que considera ultrapassado e grosseiro. Ao mesmo tempo, o músico nos brinda com um precioso solo desse instrumento e Buñuel nos revela a precariedade do gosto artístico dessa burguesia, que aprecia não a arte, mas sim o seu requinte.

Em outra passagem do filme, o diretor ataca a arte sob outra perspectiva: aquela que diz respeito à apropriação que as classes dominantes fazem dos meios artísticos como forma de repressão e criminalização de tudo que vai contra o sistema. Para isso, Buñuel se utiliza de um elemento simbólico, ao mostrar baratas saindo de dentro de um piano, enquanto este é utlizado como cama elétrica, em uma sessão de tortura com choques para que um prisioneiro revele uma informação. O piano, instrumento artístico, sendo utilizado como meio de tortura representa a utilização burguesa da arte e as baratas a repugnância de tal uso.

Por fim, a terceira possível crítica em "O Discreto Charme da Burguesia" ocorre naquela que talvez seja a cena mais emblemática do filme: a sequência-sonho em que uma sala de jantar é transformada em palco teatral. Buñuel parece querer nos colocar, como espectadores, frente a frente com a nossa própria condição perante o filme. Pra cá da tela, estamos nós, observando incrédulos a hipocrisia burguesa. Ao centro, a elite hipócrita e escrava de códigos janta em uma grande mesa, compondo o chamado "espetáculo". No lado oposto, a representação de nós mesmos, uma platéia, vaia a fraca atuação dos burgueses. Além de propor a atuação crítica perante os objetos artísticos e, portanto, nos convidar ao embate crítico com o seu próprio filme, Buñuel não é complacente com uma suposta classe artística  elitista, que protagoniza um jogo de aparências em que as falas são sussuradas e não há arte verdadeira.

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