O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

A atual função da Universidade: produzir desemprego em massa

Publicamos, abaixo, uma importante contribuição do camarada, escritor e professor de filosofia Bruno Henrique de Souza Soares. O artigo tem a imprescindível objetividade dialética para colocar a questão concreta do problema da educação. Sem cair em abstrações econômicas, faz uma síntese necessária sobre a situação dos estudantes-trabalhadores e desvela o uso político ideologizante dos projetos reformistas. 

A atual função da Universidade: produzir desemprego em massa 



Por bruno henrique de souza soares 

Se hoje o slogan “Pátria Educadora” é marcado por cortes econômicos na área da Educação – desde o MEC até estados e municípios, cortes esses respondido por greves em todo o Brasil, pelos trabalhadores tanto da educação básica como do ensino superior, lutando por melhores salários e condições de trabalho e portanto, contra os cortes que recaem nas costas dos trabalhadores da Educação – que poderíamos dizer do antigo slogan governista: “educação para todos”, “democratização do ensino” e outras expressões do mesmo gênero, tão agradáveis aos ouvidos, mas de eficácia social questionada. . 

Ora, o governo do PT, que capitalizou os anseios dos movimentos sociais e populares por uma inclusão social na educação básica e no ensino superior, foi capaz de transformar essa reivindicação legítima num projeto de conciliação de classes, produzindo a ilusão na imensa maioria da população pobre de que finalmente fariam parte dessa camada alfabetizada, intelectualmente desenvolvida e com possibilidades de crescimento pessoal, profissional (e salarial), mas que na prática, tão só aplica as diretrizes do capital internacional por um ensino quase que puramente técnico na maioria dos casos, e cada vez mais rebaixado do ponto de vista da formação do estudante, e dessa forma, busca enriquecer os bancos e os capitalistas da educação. 

Isso se dá através de programas como FIES e PROUNI – no caso do ensino superior privado –, ou com o surgimento de Universidades sem estrutura, nem planejamento, muito menos condições de permanência – no caso do REUNI – ou, se tratando do ensino público na educação básica, cria um sistema de ensino que na prática busca apenas administrar o controle físico e ideológico do jovem, acostumando-o a receber ordens e acatá-las, adaptá-los à vida social através de salas superlotadas, e porque não apontar a semelhança estrutural do ponto de vista físico, operacional e nos hábitos instituídos, das escolas públicas com o regime de quartel da fábrica e a violência repressora do sistema prisional em nosso país. 

E para essa imensa juventude que frequenta a escola pública básica, nas atuais condições, qual é a perspectiva desta de adentrar o Ensino superior, sendo capaz de passar pelo funil do vestibular – mesmo que este se chame ENEM – e assim, possa se tornar essa minoria que adentra o ensino superior?  

Para alguns, essa questão começou a ser resolvida com os programas que citamos a pouco (FIES, PROUNI, REUNI), dando o nome de “políticas públicas”. Contudo, se olharmos mais de perto, pode-se perceber, sem grande dificuldade, que tais programas simplesmente transferem o dinheiro em posse do governo – que não é senão o nosso próprio dinheiro – para esses magnatas do capital que tratam a educação como uma mercadoria, como outra qualquer [1], e, portanto, não visa estruturar, do ponto de vista de “políticas públicas” um cenário que pudesse ampliar, efetivamente, o acesso e as condições de permanência em instituições educacionais. Além disso, também podemos reconhecer que tais medidas só foram possíveis, pois o Brasil passou por uma conjuntura economicamente favorável, momento este que se esgotou. 

Um fato digno de nota sobre a finalidade última de programas como PROUNI e FIES, é o apontamento da Controladoria Geral de União (CGU), noticiado na Folha de São Paulo (notícia: Auditoria encontra alunos já mortos e de alta renda no sistema do Prouni, 25/05/2015 [2]), sobre a existência de “alunos-fantasmas”, angariando somas volumosas de dinheiro público até mesmo para estudantes que não existem. Os dados analisados pela CGU correspondem entre os anos de 2005 a 2012, e constatou a existência de 47 estudantes mortos como beneficiários do programa PROUNI, assim como 4.400 bolsistas com rendimento superior ao que permitido. Isso sem falar na quantidade de estudantes que, através do FIES, quando conseguem se formar, ficam endividados, ou nem conseguem se formar, e permanecem com dívidas insustentáveis [3]. E segundo notícia veiculada em
2010 pelo jornal Folha, informa que dos 250 mil contratos em fase de pagamento na época, 50 mil estavam em dívida, como podemos ler (notícia: Caixa cobra 37 mil fiadores de universitários [4]). 

E visto que, em primeiro lugar, fica implícito que a Universidade, como instituição que teria por função ser o espaço de pesquisas, estudos, da liberdade do pensamento, ao menos no Brasil ela deixou esse papel a âmbitos tão reduzidos que beiram a inexistência, e em substituição, assumiu o papel de que a Universidade serve hoje tão somente para a formação para o mercado de trabalho, isto é, preparação formal e técnica para a força de trabalho medianamente especializada em diversas áreas de atuação.

Sendo assim, cabe questionar se ao menos esse papel a Universidade, no Brasil, tem levado a cabo. E pelo cenário geral, pode-se constatar que ela tem feito um trabalho ruim, visto que muitos concluem o curso com dificuldades elementares: seja na sua capacidade cognitiva, no uso da língua nativa, o português – quando não há casos de sujeitos que se formam na condição de analfabetismo funcional –
e até mesmo nas capacidades técnicas na sua área de atuação. 

E em segundo lugar, exatamente devido a essa alteração descrita, cabe questionar que, se o mote de tais pretensas “políticas públicas” de democratizar um ensino que se tornou pura e simplesmente formação para o mercado de trabalho, isto então significaria maior capacidade, para o país, de incorporar tamanha força produtiva de milhares de jovens e adultos que, ao adentrarem a universidade, sonham em seus futuros empregos e carreiras? 

Vemos que é exatamente o oposto o cenário de quem concluiu seus cursos universitários. A perspectiva é o desemprego. Portanto, o que parecia, à primeira vista, como um programa social que favoreceria a imensa maioria da população pobre com o slogan “democratização do ensino” se mostra, em verdade, como socialização do desemprego, da miséria de milhares de profissionais diplomados sem nenhuma perspectiva no futuro imediato – claro que, sem antes enriquecer os monopólios do ensino superior privado e das empreiteiras que superfaturam centenas de obras nas universidades públicas.

Das universidades particulares às públicas, dos cursos mais humanitários aos mais voltados ao mercado, do norte ao sul do Brasil, a Universidade cumpre essa miserável função, de formação em série, periodicamente, sem cessar, de um volumoso exército de desempregados diplomados. 

Se esse cenário, que foi construído nas duas últimas décadas, se deu numa conjuntura economicamente favorável, as perspectivas são muito piores, quando a crise econômica mundial se manifesta no Brasil, depois de sacudir países à beira da falência como Grécia, Egito, Espanha, Portugal e outros. Portanto, se o cenário era ruim, ou péssimo, ele, atualmente beira a catástrofe..

É desse ponto de vista que a juventude e a classe trabalhadora no Brasil podem – e ouso dizer, necessitam – tirar lições das tarefas que se colocam atualmente, e permite, inclusive, uma unidade articulada de estudantes – que serão futuros trabalhadores na imensa maioria, quando já não o são – e a classe trabalhadora contra o horizonte do desemprego em massa, da miséria econômica e social, fruto do sistema capitalista de produção. 


[1] Cabe notar que, para eles, ao tratar a educação (e em última análise, o diploma, diga-se de passagem) como mercadoria, acontece o mesmo com qualquer outra mercadoria, o único objetivo é vender, realizar o valor de troca (dinheiro pela mercadoria), e não importa o uso, isto é, o valor de uso dessa mercadoria. Sendo que, seja qual for a matéria que se torne mercadoria, que ela possa ser trocada no mercado por dinheiro. Tanto faz se o objeto da venda são batatas ou diplomas.


[3] Conferir: G1. (Estudante de medicina fica sem FIES e acumula divida de quase R$ 20 mil) - http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/05/estudante-de-medicina-fica-sem-fies-e-acumula-divida-de-quase-r-20-mil.html 

8 comentários:

  1. Contribuição à contribuição do camarada, escritor e professor de filosofia Bruno Henrique.

    parte 1

    É comum na fala de professores, alunos e pais a defesa do ensino público de qualidade. Espera-se da escola que, ao socializar as crianças e os jovens com o mundo dos adultos, ensinem os seus alunos a serem cidadãos consequentes e trabalhadores qualificados. Apresentando-lhes o mito do homem bem-sucedido, a escola, faz com que o novíssimo cidadão em formação compreenda, ou melhor, decore a primeira lição: “devo estudar para ser alguém na vida”, mesmo que o que se ensina não faça sentido algum tanto para alunos quanto para professores e muito menos para os pais. O objetivo da escola pública – porém, burguesa – se cumpre na medida em que o oprimido passa a reproduzir os ideais do opressor (FREIRE). Ou seja, na medida em que o sonho, o desejo do estudante é tonar-se um burguês bem sucedido, uma vez que ele tem a ilusão de que o estudo é o fator determinante para a ascensão social, a escola cumpriu o seu papel.
    A escola terá então a tarefa de moldar um tipo de cidadão adequado ao modo de produção dominante para que o status quo social econômico e político – tanto dos exploradores quando dos explorados – continue inalterado, esse é o desafio dos educadores comprometidos com o ensino – burguês – público de qualidade.
    De acordo com dados oficiais o ensino fundamental no Brasil está universalizado, isto significa que nossas crianças, bem ou mal, pois a qualidade do ensino é questionável até mesmo para os ideais burgueses, possuem o mínimo de instruções para a perpetuação do capitalismo no Brasil, por outro lado, no ensino médio a situação é outra, boa parte dos nossos jovens que deveriam estar cursando o ensino médio encontra-se dispersa fora das escolas: desempregados ou em subempregos; desde o trabalho escravo ou semi-escravo da agroindústria à criminalidade urbana.
    De qualquer maneira, em relação aos jovens brasileiros, décadas atrás, a situação não era muito diferente quanto ao número de jovens fora das escolas, contudo, sobretudo nos grandes centros do país, elas – as escolas – incluíam em suas grades curriculares, além da matemática e da gramática, o ensino de humanidades: Filosofia e Arte, por exemplo. Esperava-se com isso formar cidadãos – entenda-se força de trabalho – mesmo que em pequeníssimo número, mais capacitados, mais completos para as exigências de um país em “desenvolvimento” que precisava mostrar ao mundo que também poderia participar do bloco progressista.
    Entretanto, as Humanidades, foram postas de lado durante o período da Ditadura-Civil-Militar (1964-1985), pois, o progresso à brasileira – inspirado por um tipo de leitura positivista – prescindia de elementos que pudessem causar a reflexão crítica acerca do funcionamento de máquinas ou de governos. Naquele tempo priorizou-se o ensino tecnológico que deixaria marcas até hoje nas instituições de ensino brasileiras e consequentemente nas subjetividades de professores, alunos e pais, desde o nível básico até o ensino superior. Talvez, os militares entendessem que o ensino de humanidades, de Filosofia, por exemplo, fosse uma prática subversiva por natureza e, portanto prejudicial ao municiar os alunos com elementos teóricos que possibilitassem a contestação de milagres, mesmo os de caráter econômicos. Fato é que com o fim do regime militar, o ensino de humanidades vem – gradativamente – sendo implantado nos currículos Brasil afora, porém, não sem resistências... Um exemplo disso é a polêmica levantada por alguns seguimentos da burguesia guarulhense acerca da criação de um campus da Unifesp voltado para as humanidades quando estes queriam algo mais “adequado ao perfil da cidade” (?).

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  2. Parte 2.

    O ensino técnico, ainda hoje, é defendido calorosamente pelos defensores das chamadas políticas neoliberais. O argumento de que o país necessita de uma força de trabalho especializada para poder operar maquinário avançado, dominar técnicas contemporâneas de logística ou administração é difundido pelos representantes das indústrias, tecnocratas ligados aos governos municipais, estaduais e federal e intelectuais comprometidos com os interesses do capital monopolista nacional e internacional. Todos dizem que o país necessita reduzir a dependência da força de trabalho especializada estrangeira. Ou, talvez, o interesse dos capitalistas seja o de criar uma força de trabalho nacional especializada, porém, mais barata.
    Fato é que, concomitante à defesa do ensino técnico, as chamadas ciências humanas retornaram ao ensino médio, hoje, o ensino de Artes, Filosofia e Sociologia, além de História e Geografia, são defendidos pela legislação (LDB) a fim de garantir a formação de um cidadão e de um trabalhador capaz de compreender as necessidades do mercado que exigem um sujeito capaz de relacionar diferentes habilidades com o intuito de torná-los mais produtivos. Mesmo os militantes de esquerda, no âmbito da educação pública, defendem que tais reformas implementadas pelos governos chamados por eles de neoliberais não garantem ao Brasil a formação de uma força de trabalho capaz de atender às demandas do capitalismo ou em outras palavras às demandas contemporâneas do mercado: “Do ponto de vista educacional, as reformas têm reforçado amplamente a formação de um aluno/trabalhador adestrado, polivalente e com pouca possibilidade de ampliar seu poder de abstração para atender as necessidades mais imediatas do mercado de trabalho, desprovendo, assim, os alunos de arsenal teórico-político capaz de potencializar e aguçar sua visão crítica para agirem contra o sistema que os explora e oprime enquanto classe trabalhadora.” (LIMA, APEOESP).
    Ora, mas, será a escola pública burguesa capaz de – ao mesmo tempo – formar cidadãos/trabalhadores que atendam as necessidades do mercado de trabalho e potencializar e aguçar a visão crítica dos mesmos para que estes, munidos de um arsenal teórico-político fornecido pela escola, ajam contra o sistema que os oprime enquanto classe trabalhadora?
    Uma leitura do iluminismo (Aufklärung) do qual Marx e Engels certamente foram “seguidores” afirmava categoricamente que o homem deveria ou deve “submeter à natureza as suas necessidades” para tornar-se livre ou para se libertar, caso contrário, isto é, se o homem é quem se submete a natureza, ele tende a permanecer na menoridade (Kant), no misticismo, na animalidade... O esperado ensino público de qualidade na sociedade capitalista tanto para a burguesia progressista quanto para a pequena burguesia de esquerda não é nada mais do que uma ideia reguladora. Ora, tal ideia diz respeito aos interesses e necessidades do mercado de trabalho, inalcançáveis quando percebemos o lugar que o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho; ora diz respeito ao oportunismo honesto ou não de uma camada da pequena burguesia simpática às “ideias” de uma esquerda política fundamentada num tipo de marxismo vulgar.

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  3. Parte 3.

    A experiência soviética, talvez seja o lugar mais adequado para onde devemos olhar se quisermos ter uma noção do devir da escola após a tomada do poder pelo proletariado e a instauração de sua ditadura. Talvez lá encontremos os melhores exemplos (quem sabe os únicos exemplos concretos estejam lá) do papel que a escola deve assumir se de fato entende que o seu papel enquanto ensino público a serviço do proletariado é dar condições para que os alunos sejam capazes de potencializar e aguçar sua visão crítica para agirem contra o sistema que os explora e oprime reconhecendo na revolução socialista a única possibilidade de chegarmos ao comunismo e aí quem sabe, não mais como ideia, mas como realidade concreta obtermos um ensino público não de qualidade, mas adequado às necessidades humanas nos capacitando a submeter minimamente à natureza aos nossos interesses.
    Enquanto isso a escola em todos os níveis (do ensino primário ao superior) permanecerá um local hostil ao desenvolvimento do materialismo histórico e dialético. Enquanto instituição a escola formará – no máximo – cidadãos. O lugar da formação do militante comunista é outro, embora a sua forma em muitos casos se assemelhe a da escola, o conteúdo e o objetivo são completamente diversos, ao invés do cidadão (sociedade homogenia) é necessário que o proletariado entenda-se enquanto membro de uma classe (sociedade de classes) e que a sua classe, o proletariado, possuí interesses antagônicos quando se depara com outras classes (luta de classes), sobretudo, a burguesia. Para chancelar a nossa opinião acerca do lugar da teoria marxista na sociedade capitalista, recentemente, ela foi classificada como sendo uma “teoria duvidosa” pela Capes, instituição ligada ao MEC, que se negou a financiar um projeto de pesquisa cuja linha teórica era o materialismo histórico e dialético.
    Por fim, este brevíssimo ensaio tem a pretensão apenas de apontar as nossas primeiras impressões acerca da situação do ensino público no país, sendo assim, não é preciso mencionar que nossos estudos ainda estão aquém do que necessitamos, entretanto, existe uma vasta bibliografia que certamente poderá nos auxiliar na compreensão do que é e na elaboração do que pode vir a ser um ensino público de qualidade, sigamos em frente.

    Bibliografia utilizada:

    Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia.
    Ezio de Lima. Ainda as reformas neoliberais na educação in. debates simpro guarulhos educação 2.
    http://livrepensamento.com/2014/06/09/academico-da-capes-nega-projeto-cientifico-por-divergencias-ideologicas/

    Ass. Leandro Costa.

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  4. Leandro,

    Muito obrigado pela contribuição. Você é da Unifesp? Gostamos muito de seu texto e se autorizar gostaríamos de publicá-lo também.

    abraços

    Bruno

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    1. Autorizo sim a publicação e fico grato em contribuir com a discussão.
      Obs.: Não sou da Unifesp.
      Abraços,
      Leandro.

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  5. Leandro, tudo bem?

    Você pode, por favor, dar um título ao seu texto para eu publicar?

    abraços

    Bruno

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