O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O "Coice no Peito" da Tela Suja Filmes

Tomamos emprestada a crítica do Cid Nader (cinequanon) para divulgar o pungente "Coice no Peito", dos camaradas da Tela Suja Filmes e seu cinema que diz a que veio. Em breve, publicaremos impressões próprias sobre este trabalho que deve circular muito ainda.




Coice no Peito, de Renan Rovida. FICÇÃO, PRETO & BRANCO, DIGITAL, 25MIN, 2014, SP

Ontem vendo ao belíssimo e emocionante Coice no Peito, não tive como deixar de lado – e enquanto acompanhava o filme – o momento em 2011 em que vi um outro filme seu Entre Nós, Dinheiro, e o quanto fui duro em minha crítica ao filme: nem que me arrependa de ser duro quando disponho no próprio texto as razões que me fizeram agir assim. Não foi o caso de arrependimento, mas uma certa sensação mista, entre alegria por ver o quanto a persistência dele rendeu em salto fenomenal na direção de qualidade superior desse novo filme, e entre uma certa inabilidade minha em notar já naquele instante que se tratava de alguém que faz um cinema raro nos dias atuais, onde a ideia central está no poder fazer o que ama,mas abdicando intencionalmente dos suportes e aportes para tal. Ele – como Dellani Lima, por exemplo -, me fizeram entender com o passar dos anos que há uma galera apaixonada pela arte, que a faz, e que abdica de tudo para concretizá-la. 

E aí, em tela, vemos o próprio Renan interpretando um desses personagens da vida, magro como ele só, como um condutor de charrete em Campos do Jordão (campo de combate ideal para ele, que luta contra o sistema que abastece e prioriza poucos), que trabalha e trabalha em busca de minguadas granas para o sustento básico. E aí notamos que ele come numa marmita, no banco de trás dela, parando quando surge um freguês, pois é da vida ter de trabalhar. Renan e seu personagem trabalham mesmo, mas são orgulhosos disso, jamais subservientes: ele intromete diversas camadas da sociedade em seu pequeno trajeto de filme, indo do militar (para quem jamais baixa a guarda, e que ao final agirá como ele intuía), ao burguês turista que pensa poder tudo (e que acaba por fazê-lo notar que há a necessidade da grana,no único momento em que cede no orgulho), para tentar um momento non-sense, com três figuras deslocadas do mundo (mas não tanto, se perceberá). O filme, nessa sua camada, é um ataque ao sistema, ao que ele não oferece, ao que ele arranca: e é concreto e certeiro quando cria a estanquidade para situar três modelos dos seres sociais. 

Mas o filme pega mesmo – na realidade pega mais, pois desde sempre está nos agarrando, desde as imagens em PB hiper bem finalizadas, às belas e variadas opções de tomadas (que vão dos planos meio “diáfanos”, à subjetiva de dentro da charrete, e também à câmera que o persegue em umas duas ou três oportunidades), aos instantes de impotência do social, e principalmente por uma tragédia em sua vida particular – quando o notamos na vida do trabalhador, na do homem/pessoa. Quando o notamos tendo de continuar, apesar de tudo que lhe infere o pior dos sofrimentos que um ser humano pode sofrer: ele jamais reclama durante a história do que a vida lhe pregou, tentando lidar de modo conformado, como se fosse do ciclo dos destinos, mas sabendo mesmo que não. 

É filme de acúmulo de sensações, ditadas desde o início sem som (que se saberá assim e tão belo no porvir), que cresce e quase nos sufoca com o decorrer, com o notar um ser que não quer sofrer porque não deveria (já que é do destino), e que destina a um final que poderia incorrer num grande equívoco fosse mais às extremidades, mas que mesmo assim arrisca no drama obtendo resultado lindo, lacrimal, chocante, com misto entre o desespero e a sensação de compreensão do companheiro de trabalho, seu cavalo (é lindo demais esse instante entre os dois, se compreendendo no sofrimento que finalmente explode). Filmes em curta-metragem raramente levam às lágrimas... Ainda mais se forem bons – por mais maluca que essa observação possa parecer. 

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