O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Tímidos, Recatados, Panfletários [...]

Cada texto publicado, cada debate realizado, cada questão ou pensamento levantado, em nosso tempo - falo do fim do século 20 até os tempos de hoje -, enquanto substância crítica ao mundo (capitalista) que vivemos, mas que ainda se dedicam ao debate das partes, são recorrentes. Mas esta tal recorrência se justifica não pela diversidade, e pluralidade sadia de pontos de vista, mas primeiro porque essas partes do todo são elementos determinantes para o funcionamento dele  -  nascidas e possíveis apenas a partir do universal, de sua superestrutura; por conseguinte, essas partes, na sociedade capitalista são absolutamente fragmentadas, sem perder sua relação de determinação com seu deus ex machina; deste modo, são colocados como problemas mais isolados. No entanto, os mais astutos, entendem que não passa de farsa. No atualíssimo momento, vemos este movimento, no Brasil - não confundimos então que tal movimento não é histórico e universal, enquanto característica matriz do capitalismo -, acontecendo como uma legitimação das lutas individuais, ou de grupos ultra-setorizados, cujo o motor está na ideia de "participação do cidadão nas decisões de sua pátria". Isto só  é possível a partir do momento em que o governo federal é "liderado pelo PT", que, diga-se de passagem,  na luta das partes - e de classes - desapropriou menos terras, e deu passos muito menores, que Sarney, e FHC, por exemplo:

Abre parênteses:

" CC: A reforma agrária é uma prioridade do governo Lula? Anos se passaram sem a atualização dos índices de produtividade da terra (agora, finalmente, minimamente modificados), ainda há pouco se assinou a MP 458, batizada de "MP da Grilagem" etc. etc. Não tem ficado cada dia mais claro que há uma postura evidente de comprometimento com o agronegócio?
 
MS: Temos clareza de que a reforma agrária, no governo Lula, ficou para trás atropelada pelo agronegócio, e nós percebemos isso por uma série de coisas, começando pelo avanço nos últimos anos das transnacionais no país. Elas não se apropriam só da terra, tomam conta de toda a linha de produção do campo, da terra, mas também das sementes, da água, toda a cadeia produtiva do campo. Sem contar os investimentos que essas empresas e os fazendeiros mais atrasados, do latifúndio, têm recebido do governo federal, através do BNDES e de vários programas nos últimos anos. O agronegócio produz 120 bilhões de reais, mas o governo injeta 97 bilhões para isso, em especial pelo BNDES. Então, o que o agronegócio produz para a sociedade?
 
Além disso, o agronegócio usa agrotóxicos, venenos e ainda faz propaganda disso, como se fosse algo bom. Hoje o Brasil é campeão de consumo de veneno no mundo, essa indústria movimenta 7 bilhões de reais por ano. Não há preocupação ambiental, com as derrubadas das florestas, com a apropriação da biodiversidade, e isso tudo durante o governo Lula. 
Há também os transgênicos, estão trabalhando pra empurrá-los. E é uma política patrocinada pelo governo. Então, não há espaço para a reforma agrária.
 
Lula tem falado que fez a maior reforma agrária, mas o que ele fez foi regulamentação fundiária - que tem que ser feita também, mas não se trata de reforma agrária, porque não descentraliza a terra, não mexe na estrutura fundiária. Essa política de reforma agrária é só para evitar os conflitos. O governo federal quer fazer reforma agrária sem conflito, mas isso não existe, uma política de reforma agrária no Brasil, país que mais concentra terra no mundo, tem que ter ofensiva, tem que ter disputa pela terra. Isso que o governo faz é política paliativa, assistencialista, que não destrói o latifúndio, não democratiza, não descentraliza."

(Coordenadora nacional do MST Marina dos Santos em entrevista para o Correio cidadania, após a morte de mais um militante do Movimento de Trabalhadores Sem Terra. Assassinado pela polícia militar do Estado)

Fecha parênteses.

Este lugar, comumente chamado de "cidadania" pelos reformistas e traidores da classe trabalhadora, tem como principal característica a cooptação como força motriz do capitalismo atual, motivada não mais pelo grande capitalista do começo do século 20, mas por  títeres - por diversos momentos ventríloquo - da própria classe trabalhadora. O que por sua vez, dá origem a uma nova camada da eterna volta ao debate das partes: aqueles que teoricamente deveriam se organizar enquanto classe combatente divergem sobre os mais específicos pontos, cabe entender até onde são pontos determinantes de um "racha, ou se não passam de "perfumaria".

Esta seria um introdução para o assunto principal - mesmo achando que o texto será menor que esta primeira parte - de como os artistas-militantes engendrados por essa orgia ideológica - muito mais complexa, é  verdade - produzem sentido nos dias de hoje, seja quais forem suas poéticas, e  linguagens.

Acredito que o primeiro ponto seja o mais importante e comum de todos: Até onde a arte efetivamente transforma a realidade? 

Na medida de em que há humanidade, o homem existe em sociedade, cada ser humano, o mais isolado que seja, vive pois a sua volta há frutos, inclusive ele mesmo, da elaboração e transformação da natureza. O artista, por sua vez, nasce modificando a natureza em primeiro momento, depois olhando sua transformação  invertendo pontos-de-vista, expondo relações, materializando a imaginação, as ideias que quando estão, única e simplesmente na cabeça, não existem até que ganhem forma. Para isto este homem, artista, pois ambos são naturalmente a mesma coisa, vive num espaço e num tempo - histórico e material. Seu ponto de vista e sua forma de estar no mundo são determinados por suas relações, seus movimentos, suas escolhas, e ações dentro deste crivo espaço-temporal.

Ao passo que observa o mundo, suas modificações e pelo o que é regido, seu trabalho também se transforma. Produz obra boas, algumas resistentes ao seu tempo, algumas fugitivas ao seu tempo, apenas consideradas  depois da inexistência física-corporal do autor. 

A estética, então, de cada linguagem - independente da diversidade de ferramentas, procedimentos e poéticas que cada linguagem proporciona, mas que, sim, modificam seus objetos a partir de suas escolhas- é produto de como o mundo se encontra configurado em diversas épocas.

O século XXI, se configura de maneira bastante diferente ao anterior. Se olharmos atentamente para o fim do século XX, por exemplo, veremos uma produção cinematográfica, em sua retomada, com uma produção grande de filmes da boca do lixo, por exemplo, além de ícones do cinema novo que, em parte, começariam a enveredar politica-esteticamente, em sua atividade  específica e em sua participação critica como cidadão do mundo, e por sua vez no lugar onde ambas as coisas não mais se separam, "para o outro lado da força"(infelizmente, o mais forte). De qualquer forma,  a diversidade de produção, ainda se dava pela eterna determinação do sistema econômico, e dos recursos e equipamentos "disponíveis" para execução de projetos, e que consequentemente era um divisor de águas no que dizia  respeito ao que cada individuo ou grupo conseguia produzir enquanto conhecimento a partir do tipo/quantidade/qualidade de formação que teve.

Hoje, o lato sensu é o mesmo, a luta de classes continua existindo, continuamos vivendo numa sociedade determinada pelo capitalismo, onde até as coisas resistíveis se tornam mercadoria - não é a toa que, hoje, o que mais se vê nas propagandas e programas mais capitalistas são os "bad (girls)boys", (as)os "poligâmicos(as)", que, por exemplo, podem ser ao mesmo tempo extremamente religiosos, daqueles que vão à igreja todo o fim de semana. Mas apesar desta semelhança, é inegável que a evolução dos mecanismos de venda de tecnologia lançada em mercado, que funcionam a partir da obsolescência programada universal, mas que ficam sempre, assim como todos os outros setores (habitação, saúde, etc) num movimento de chegada primeiro as camadas mais altas da burguesia e na medida em que se tornam lixo ultrapassado chegam sequencialmente as outras camadas abaixo, é determinante para a produção artística atual.

O número de vídeos, curtas, (e seja lá quais nomes devem receber), em suma de produção audiovisual, atualmente, é assustador. Esta quantidade de material audiovisual cresceu na medida em que dispositivos como os celulares passaram a ter acoplados a eles câmeras de vídeo e/ou foto de fácil conexão a um computador, com conexão de banda larga na internet, e, por sua vez, de portais que possibilitassem o upload dos vídeos.

O mais interessante deste panorama atual, é o de como o senso comum passou a definir e pautar o belo, o estético, o bom, o ruim. Não precisamos, voltar a Grécia Clássica e ao culto aos belos corpos e etc. que mantém uma relação específica com seu tempo, mas não livre de questionamentos críticos  aos seus padrões, como fez Sócrates, por exemplo; assim como não precisamos entender necessariamente o porquê no começo do século XX, a mulheres mais "cheinhas" eram as mais atraentes; não, talvez o mais importante seja saber que independente do padrão determinante de conceituação de beleza, tudo é determinando por interesses estruturais de funcionamento da sociedade, e nosso caso do capitalismo - mas também não me nego a considerar que mesmo não vivendo o capitalismo Sócrates foi morto por ser sábio, e também, entre várias outras acusações, de viver num estado que crê em Deus, e ser, supostamente, ateu. Não podemos inclusive culpar rasteiramente o cinema clássico americano, que em muito, contraditoriamente, contribuiu para a linguagem cinematográfica - vide "O Nascimento de uma Nação" (D. W. Griffith, 1915),  ainda que, neste caso, mais em relação ao nascimento e descobrimento de rumos da linguagem, do que necessariamente rotulado de clássico.

O fato é que a gigantesca história e fatos que determinaram a forma com que o senso comum enxerga o belo hoje leva a uma contradição (comum inclusive entre a própria categoria artística que revindica um mundo não-capitalista) : trata-se de revindicar a clareza do  áudio, a limpeza da imagem, o ultra-realismo das câmeras dsrl (em voga), mas ainda sim ficarem horas e horas assistindo o vídeo de um "gato fumando charuto", cujo o som é inaudível, e imagem extremamente pixelizada, mas absorção é deliciosamente rápida e confortante - só não mais que a cocaína.

( Vale lembrar, que estamos falando de fenômenos de uma sociedade cada vez mais doente, violenta, onde seus indivíduos tendem a se explorar e dar cada vez menos importância à vida uns dos outros, e, não de capar a necessidades de  momentos de pura abstração, ou, simplesmente que o individuo precisa se desligar da racionalidade densa das coisas do mundo)

Este último parágrafo acima, me fez lembrar de um vídeo de um grupo de comediantes, curta-metragistas, que respeito muito enquanto fazedores, de humor muito interessante, mas que em alguns momentos, sem deixar este humor de qualidade de lado, fazem um desserviço à linguagem (necessário para que a proposta se realize, mas que não leva em conta outras camadas de atividade de sua produção, e em alguma medida só se utilizam de alguns privilégios conseguidos dentro do mercado, ou de um espacinho onde pode ser críticos) como no vídeo abaixo:


 
Não que o grupo não seja digno-possuidor de uma irresponsabilidade que admiro muito, mas este pequeno curta sintetiza de forma muito clara a contradição do belo, que falei dois parágrafos acima. Uma vez que, por exemplo, uma série de pessoas que adoraram este vídeo, consideram os dois filmes abaixo ruins, mal-feitos, mal-filmados"amadores", em outras palavras não vislumbram outra forma de narrar:




Esta distorção que nos faz incapaz de ver outras milhares de possibilidades de se abrir a novas experiências, a novos tipos de poéticas, é expressada, por exemplo, pela cotidiana ideia enraizada à forceps no sujeito de que câmera não é uma camada narrativa, mas um mero registro, ou a música com restrita à ambientação e intensificação de emoções e não como uma narradora. Como "Via Láctea", de Lina Chamie, expõe de forma incrível:




Trata-se, então de uma produção quase infinita de vídeos feitos todos os dias, de catástrofes  ficcionais, denunciativos, que expõem contradições etc. e, que, teoricamente, deveriam ter o mesmo efeito que um panfleto rodado nos tempos de ditadura. Mas, artisticamente a elaboração é inexistente, fica mais a sensação de conseguir uma imagem e uma cena limpa semelhante a um filme de grande porte, do que necessariamente a criação a transformação de um ponto de vista, de uma realidade. E, politicamente, mesmo os mais fortes, e não são poucos, tomam uma aparência de ficção compositora de um espetáculo da vida real tão atraente, que a única ação daqueles que assistem é freneticamente compartilhar. No geral, todos se diluem no ar. Ninguém por exemplo mais lembra do que aconteceu na semana passada, por mais absurdo ou injusto que seja.

E mesmo o absurdo é atraente em sua aparência, como num filme de ação o importante é ver o molotov queimando tudo ao seu redor, explodindo; o legal ainda é ver que é real quanto mais real, mais legal, mais atrativo. Como a industria porno - tão violenta e capitalista como qualquer linha de montagem -, que por mais que invista nos novos ultra -realistas filmes em full-hd o que ainda mais atrai o público são as tags: estupro, real, flagrantes, etc. Como no vídeo acima ficam as imagens, mas não a simples indagação: será que isso pode ser fruto de um sistema doente, em que as pessoas são tratadas como lixo em todos os setores: saúde, transporte e, por acaso, no inss, orgão governamental que controla, zela - ou deveria zelar - ,simplesmente, pela segurança social do sujeito.    

Dessa maneira, a produção artística,  hoje, se encontra numa sinuca de bico. As leis audiovisuais reproduzem o movimento que o próprio cinema foi criado, em outras palavras as mesmas formas de reprodução capitalista. Não há muita perspectiva de desenvolvimento de pluralidade saudável na diversa gama de vídeos, filmes, curtas, etc., mas sim uma pluralidade de pontos-de-vista confusos e que se sustentam tanto quanto o "gato fumando charuto", ainda menos, já que no número de pessoas que assistem a um vídeo desse é muito maior que pessoas que assistiram a último filme do Sergio Bianchi, por exemplo, ou mesmo de Almodóvar. 

A maior parte dos filmes feitos e exibidos em festivais atualmente, são fruto de confusas ideias não muito bem estabelecidas, pouco combatentes em seus conteúdo politico-estético e incapazes de captar estrutura crítica dos problemas de nosso tempo. No caso do teatro, sobretudo os grupos de teatro em São Paulo, que tem sua história iniciada lá atrás com o Teatro do Oprimido, tem com toda certeza um avanço estético e militante invejável em relação a todos artistas que pretendem seguir o coerente caminho politico-artístico. Mas não escapam de todo este cenário.    

Talvez enquanto artistas de esquerda, formamos algumas certezas que muitas vezes nos prendem a padrões quase que como manuais de "como fazer uma arte correta e combativa". Não que não tenhamos que nos posicionar e fazer uma arte cada vez mais incômoda, mas há muitos cuidados a se tomar. 

Um deles acredito ser aquele em que analisamos, as vezes unilateralmente "que a forma é a forma do conteúdo". Esta frase tem sido pregada quase como um mantra, e positivada a ponto de que ao invés de tentar expor a complexidade de que são compostas as coisas que anteriormente são empurradas goela abaixo como corretas, moralmente aceitas, normais etc., ela se torna algo tão trivial que se esvazia por completo, quase tão parecido quando fazem o termo "dialética", como escutei certa vez:   

1 - Não entendi o que fulano achou do meu trabalho, não sei se gostou ou não.      

2 - É que ele é dialético.  

O fato é que a tentativa de acabar com o maniqueísmo da pergunta, supostamente interpretado como maniqueísta, de "gostar ou não gostar", coloca a dialética não como uma maneira de analisarmos os "fenômenos [...] não só do ponto de vista de suas relações mútuas e de seu mútuo condicionamento, mas também do ponto de vista de seu movimento, de suas transformações e de seu desenvolvimento, do ponto de vista do seu nascimento e da sua morte”**, mas como um método de alguém que não sabe necessariamente observar algo, é confusa e por sua vez, ambígua. Isto se torna cada vez mais perigoso, na medida em que a arte é um espaço cujo a dialética pode ser explorada intensamente, e é o oque possibilita a exposição das camadas e entranhas que é composta a vida, o homem.

Nesta direção, vemos que ainda temos vícios de prática politico-estético que persistem a capam nosso desenvolvimento humano, e artístico  Assim como muitas vezes acreditamos que a arte é capaz de romper uma superestrutura universal por ela mesma. Estes elementos, as vezes confusos, as vezes confundidos, de concepção de arte combativa, e que se posiciona leva a outros vícios que de um lado nos levar a negar a vida de tradições revolucionárias, quase que como uma postura de negação infantil do tipo : isto não dialoga com o povo mais, é museu, não uso", a síndrome de vanguarda; doutro lado, a crença em modelos que foram eficientes em seu tempo, mantém sua base como coerentes para as épocas seguintes, mas que não são tocados em sua fraquezas, sobretudo suas fraquezas estéticas, elaborativas, imaginativas, poéticas, como o caso de Bertold Becht. Neste caso, recorro a Paulo Leminski e seu texto  "tímidos e recatados", que exporá com toda certeza o pesamento de maneira mais responsável que a minha:

"Só o respeito por seu teatro extraordinariamente inventivo e, talvez, um preconceito ideológico ainda nos fazem ver no alemão Bertold Brecht(1898 - 1956) um grande poeta, no século que produziu exageros bem maiores. Com certeza. A obra poética do gênio teatral que inventou o célebre "distanciamento" não suporta confronto com a obra de Vladimir Maiakóvski, um Valimir Khliebnikov, um Ezera pound, um T. S. Eliot. E. E. Cummming, um Fernando Pessoa. Comparada com a destes gigantes, a poesia de Bertold Brecht é tímida formalmente e pedestre em seus achados. Inútil procurar nela os mergulhos abissais dos futuristas russos nos abismos da linguagem  ou as infratoras aventuras gráficas de um Cummings. 

Não teria sentido procurar na poesia deste comunista ortodoxo as originalidades metafisicas e existenciais que seu credo politico, certamente, repudiaria como alienações burguesas. Não que Brecht fosse adepto do simplismo estético e literário do famigerado realismo socialista. [...] Brecht sempre manteve as mais corajosas posições de vanguarda artística, aliada à militiancia politica de esquerda. Mas isso dizia respeito principalmente ao teatro,arte onde [...]inovou como poucos.  

A lírica brechtiana, porém, sempre se moveu num território muito estreito, indo do primarismo métrico do poema. [...]   

Em Brecht encontramos lucidez e ironia, sarcasmo e relâmpagos críticos. Mas também  momentos ridiculamente retóricos, como nesse O Grande Outubro, poesia celebrativa da pior espécie , ode ginasiana em louvor da Revolução Russa. Ou em poemas como [...] Rapidez da Construção do Socialismo, que parece ter sido encomendado por Stálin.  

Esta edição dos Poemas de Brecht é bem o momento de dizer um "basta" a uma idolatria indevida. Como poeta Brecht não merece a fama que desfruta. É um poeta ocasional, que dedicou seu gênio a outra a arte. O grande poeta de esquerda é Maiakóvski. Esse sim soube ver(e fazer) que "não há arte revolucionária sem forma revolucionária". Brecht, porém, nos suscita uma questão inquietante  A velha questão sobre o que é poesia. E suas brevidades prefiguram certas tendências da poesia do século XX, o registro relaxado de certas vivências, o fragmentarismo da dicção, o coloquial sem nobreza.
 
Em seus melhores momentos, Brecht realiza uma poesia que se sustenta apenas na ideia. No saque. Numa fulgurante intuição, que ilumina a realidade e a vida. E parece que isso foi o que ele procurou atingir enquanto poeta. [...]"
  
A leitura de Leminski é bastante acertada, ao passo que não deixa de considerar a grandeza e genialidade de Brecht no teatro, mas de suas limitações na poesia. Esta leitura pode ser recolocada na nova gama artistas que muitas vezes não se revindicam artistas, mas trabalhadores - que de fato são - que vêem na arte a possibilidade de formar bases politicas, mas que, a coisa é tantas vezes repetida  que, por vezes, julgo sinceramente mais importante que sejam verdadeiramente sujeitos de direcionamento politico onde realmente devem haver funções competentes para encaminhamento e organização politica, em um partido - claro, falo de um partido verdadeiramente revolucionário, o que estamos longe ver -, do que na empreitada da produção poética de sentido. 
 
São engendrados por toda essa salada, qual se propõem a combater, mas as perspectivas são tão nebulosas que caem em algo semelhante ao exemplo de Leminski sobre a poesia de Brecht que sucumbiria a determinações de seu credo ideológico;  passam a ver em qualquer proposta, as vezes, simplesmente bem trabalhada, ou com resquícios metafisicos, subjetivos, uma alienação burguesa.

Não se trata, também, de negar que há um número atraente de coisas sendo produzidas, sobretudo, na cena de grupos de teatro de São Paulo, em menor no número no cinema, e ainda menor nas outras linguagens. E que esta cena muitas vezes é sublimada pela crítica conservadora que insiste em empurrar para fora da história aqueles que se propõem a se movimentar criticamente em relação ao mundo. E as formas de sublimação geralmente são das mais baixas como os rótulos de "panfletário" "clichês". Contudo, não ocorre que panfletário é característica de uma produção que se propõem ser voz de resistência, contrária  combatente, num lugar onde só um lado é escutado e a forma com que esta hegemonia se coloca é sempre violenta. E quanto aos clichês, outro oportunismo barato, uma vez que chamam de clichês problemas que não deixaram de existir, entre eles a opressão capitalista, a exploração do trabalho, em suma, a luta de classes, e por isso mesmo devem continuar a serem colocados.

Ainda, assim como os grupos e artistas militantes tem produzido grandes obras, e que talvez fujam ao seu tempo, no sentido de sua absorção, não podemos negar que nosso tempo também produziu, ironicamente reacionários admiráveis, como o Cetano Veloso, ou Gilberto Gil, politicamente um reformista. O tropicalismo é um retrocesso na proposta politico-ideológica do manifesto antropofágico de Oswald de Andrade, e dos ideias de ruptura dos modernistas, mas seria loucura dizer, que por defender, em certo momento de sua obra, uma concepção de mundo que absolutamente somos contra, Caetano ou Gil são músicos horríveis  poetas fracos, pelo contrário. Assim como a grandeza de "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust, não está, necessariamente, em seu posicionamento politico, mas em como materializa literariamente suas memórias.  

É claro, o campo politico tem estado cada vez mais ofuscado por conta da geleia geral que outrora o tropicalismo quis fazer-nos acreditar que era do que se tratava nossa estrutura terceiro-mundista-menino-atrevido-metido-a-ser-grande-capitalista, e por isso, sim, devemos nos organizar, e rever nossa própria forma de ponto-de-vista-critico e de ação, uma vez que ao  voltarmos olhos para o mundo, fica cada vez mais difícil fazer concessões mesmo aquilo identificado como primoroso, ainda que, por diversas vezes, em seu sentido mais amplo, parasita.  

(continua)

Notas:
  
  **Lênin

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