O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

domingo, 12 de agosto de 2012

Na luta de classes, não há catarse que salve a arte

Uma das discussões mais comuns dentro do despolitizado e individualista mundo do cinema - e no cineEfusão-, são os novos mecanismos de financiamento para a realização de filmes. Além das possibilidades de captação através da isenção fiscal, atualmente "novas" formas foram criadas e  propagam o mesmo problema das leis de isenção: o repasse da responsabilidade do estado para meios privados.

Essas novas-velhas formas se materializam através de sites, onde qualquer pessoa tem livre a possibilidade de inscrever seu projeto, colocar quanto é necessário para ser produzido, e enfim esperar as doações (É claro, esses mecanismos surgem na total, ou quase total, falta de politicas publicas para cultura). Assim como uma equivocada ideia de que ao, mais uma vez, negar, também, as leis de isenção fiscal, estariam lutando contra a miséria da cultura em âmbito público e privado. Contudo, quando aderimos a este mecanismo, já não necessariamente criamos um frente combativa em relação à bancarrota cultural, mas mais uma vez isentamos o estado de sua obrigação, afirmando que temos, e podemos criar nossas próprias formas de financimento. Isto, talvez, seja dos males o menor, o pior de tudo é que do ponto vista politico-estratégico cometemos um retrocesso absoluto, quando ao invés de revindicarmos um novo modelo de politca cultural, de forma organizada junto à categoria, criamos novas formas de luta, repassamos a responsabilidade de levar a arte ao povo, assim como saúde, educação, etc., para o individuo. 

Depois de lutas tão intensas e organizadas que culminaram desde movimentos sociais, até o "arte contra barbárie"* que conseguiu lutar e enfim ter uma lei de caráter realmente público - ainda cheia de problemas e muito longe de alguma solução - para o teatro na cidade de São Paulo, e, mais importante, afirmando, sempre, que "a Cultura é o elemento de união de um povo que pode fornecer-lhe dignidade... É tão fundamental quanto a Saúde, o Transporte e a Educação. É, portanto, prioridade do Estado"; dizer sim a esta nova forma de auto-financiamento, sem criticas, sem organização, sem estratégias e táticas coletivas, seria dizer não à história e as conquistas dentro de um trabalho politico na cultura contra  uma sociedade cada vez mais brutalizada e mercantilizada.

Nada contra uma ferramenta de auto-financiamento num afunilamento de luta de classes, onde o conflito está tão nítido e demarcado, que o estado não só se negaria ( como o é) a financiar os não-cirque du soleil, ou os não-xuxa, mas fecharia os teatros,  perseguiria seus artistas, etc...

Talvez, o exemplo seja meio infantil, mas uma coisa é certa, antes de qualquer atitude desmedida, deveríamos reconhecer primeiro que nossos surtos e ações impensadas em relação à miséria atual da cultura, da arte e sobretudo do cinema, são, antes de mais nada, fruto de um uma construção social, politica, econômica, filosófica, que só nos ensinou a sonhar no singular. 

Para quem chegou até aqui um trecho do livro sobre a história da lei de fomento ao teatro em São Paulo, escrito por Iná Camargo Costa e Dagoberto. Trata-se do primeiro manifesto do movimento arte contra barbárie.

Um final em tom de alivio, e com uma boa leitura, já que meus títulos ainda são muito melhores que meus textos.

"ARTE CONTRA A BARBÁRIE
Os grupos teatrais Companhia do Latão, Folias D'Arte, Parlapatões, Pia Fraus, Tapa, União e Olho Vivo, Monte Azul e os artistas Aimar Labaki, Beto Andretta, Carlos Francisco Rodrigues, César Vieira, Eduardo Tolentino, Fernando Peixoto, Gianni Ratto, Hugo Possolo, Marco Antonio Rodrigues, Reinaldo Maia, Sérgio de Carvalho, Tadeu de Sousa e Umberto Magnani, vêm a público declarar sua posição em relação à questão Cultural no Brasil:

O Teatro é uma forma de arte cuja especificidade a torna insubstituível como registro, difusão e reflexão do imaginário de um povo.


Sua condição atual reflete uma situação social e política grave.

É inaceitável a mercantilização imposta à Cultura no país, na qual predomina uma política de eventos.

É fundamental a existência de um processo continuado de trabalho e pesquisa artística.
Nosso compromisso ético é com a função social da arte.

A produção, circulação e fruição dos bens culturais é um direito constitucional, que não tem sido respeitado.

Uma visão mercadológica transforma a obra de arte em produto "cultural". E cria uma série de ilusões que mascaram a realidade da produção cultural no Brasil de hoje.

A atual política oficial, que transfere a responsabilidade do fomento à produção cultural para a iniciativa privada, mascara a omissão que transforma os órgãos públicos em meros intermediários de negócios.

A aparente quantidade de eventos faz supor uma efervescência, mas, na verdade, disfarça a miséria dos investimentos culturais de longo prazo que visem à qualidade da produção artística.

A maior das ilusões é supor a existência de um mercado. Não há mecanismos regulares de circulação de espetáculos no Brasil. A produção teatral é descontínua e no máximo gera subemprego.

Hoje, a política oficial deixou a Cultura restrita ao mero comércio do entretenimento. O Teatro não pode ser tratado sob a ótica economicista.

A Cultura é o elemento de união de um povo que pode fornecer-lhe dignidade e o próprio sentido de nação. É tão fundamental quanto a Saúde, o Transporte e a Educação. É, portanto, prioridade do Estado.

Torna-se imprescindível uma política cultural estável para a atividade teatral. Para isso, são necessárias, de imediato, ações no sentido de:

Definição da estrutura, do funcionamento e da distribuição de verbas dos órgãos públicos voltados à Cultura. 

Apoio constante a manutenção dos diversos grupos de Teatro do país. 


Política regional de viabilização de acesso do público aos espetáculos.
Fomento à formulação de uma dramaturgia nacional. 


Criação de mecanismos estáveis e permanentes de fomento à pesquisa e experimentação teatral. 


Recursos e políticas permanentes para a construção, manutenção e ocupação dos Teatros públicos. 


Criação de programas planejados de circulação de espetáculos pelo país.


Este texto é expressão do compromisso e responsabilidade histórica de seus signatários com a idéia de uma prática artística e política que se contraponha às diversas faces da barbárie - oficial e não oficial - que forjaram e forjam um país que não corresponde aos ideais e ao potencial do povo Brasileiro. "

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