O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

domingo, 20 de novembro de 2011

É esquerdismo burro, imediatismo daqueles que criticam a ação dos atores globais em relação a Belo Monte?

Para todos aqueles que compartilharam o vídeo de atores globais sobre a usina de Belo Monte - contra a construção da usina, o que, também, obviamente, compartilho da posição -, algumas críticas feitas ao vídeo causaram certo desconforto .

E como se fundamenta esta crítica? Puro imediatismo, esquerdismo burro de nossa parte?  Digo "nossa", pois faço parte dos críticos.

No que me cabe, posso dizer que, para mim - bem redundante mesmo -, o mundo funciona semelhante a uma boa obra de arte, seja em qual âmbito for, forma e conteúdo dialogam intrinsecamente, dialeticamente, quando não, muito provavelmente, a obra é no minimo confusa - no sentido ruim da palavra.

Digo isso, pelo seguinte: a "consciência social", para muitos, vai até onde começa suas cercas elétricas.  A usina, por exemplo, não é patrocinadora direta da novela, ou nenhum dos atores é garoto propaganda dela; sem contar o fato primordial na discussão que é o sistema que continua operando que garante que senão este, milhões de micro e macro -absurdos aconteçam a cada segundo; mas o que mais me intriga nisto tudo é que - e grande parte da esquerda compartilhou tal vídeo - por que aqueles mesmos atores, sempre criticados, não necessariamente enquanto indivíduos, mas sujeitos que são operados por este sistema que possibilita essas atrocidades, e que ao mesmo tempo são coniventes a ele, e se mostram não tão desconfortáveis assim em manter suas posições, são agora tidos como grandes revolucionários? Os mesmos que criticávamos por serem também "responsáveis" (operados e coniventes ao sistema) pela imbecilização do ser humano pelas obras "de arte" mas toscas possíveis (de wolf maya e cia), agora são vangloriados porque a mesma popularidade, o mesmo mainstream que emburrece, vai atingir um grande público e conscientizá-los?

Isso vai de encontro a um sério problema, e que a esquerda não pode se esquivar, sem acabar de vez com ele  -  e ainda vai levar tempo para resolver o caso e darmos um salto qualitativo - que é o tão criticado fetiche criado pelo mercado, mas que por muitas vezes reproduzimos, mesmo nos opondo a ele. Se uma grande celebridade, criada pelo e para o mercado, que talvez de humano não lhe tenha restado nada, diz que apoia uma movimento social de esquerda, a esquerda faz questão de compartilhar a notícia tão vigorosamente quanto é feito num propaganda no mac donalds. O que há? Estamos reproduzindo a mesma imbecilização, mesma forma, mesmo humano, que dizemos tanto que perde seu status de ser humano, que se torna mercadoria? Basta então mudarmos o conteúdo, sem que haja mudança significativa na  forma?

Ser crítico aquilo que não fazemos é um pouco menos complicado que aquilo que fazemos e mais, ao que nos garante o pão, o brioche, o shopping, Paris.

Talvez isso funcione, quando os mesmos atores - nós todos - criticarem e se mostrarem dispostos o bastante para romper definitivamente, inclusive, com aquilo que, infelizmente, se tornou condição de nossa sensação de existência -: o mercado.

4 comentários:

  1. eu acho que "consciência social" é um processo e não um ponto onde se faz uma virada. E a incoerência é a nossa cerca. De todos. O sistema pode mudar, como mostram as mudanças já propaladas na história e os milhões de micro e macro-absurdos continuarão acontecendo, o que não nos impede de desejar mudança. De pari-la. Antes um passo que nenhum. Antes promover deslizamentos que esperar o desmoronamento peremptório. Somos todos sujeitos operados e reprodutores de um sistema que possibilita atrocidades, coniventes a ele, e nos confortamos em nossas posições, para o bem de nossa saúde psíquica. Se alguns "responsáveis", operados pelo e coniventes com o sistema de imbecilização do ser humano através de obras "de arte" resolvem se deslocar um pouquinho, sabe-se lá quantas metáforas podem surgir dessa metonímia? Aplaudamos qualquer deslocamento, ínfimo que seja, enquanto lutamos pelo deslocamento total de sentidos pre-estabelecidos que envelhecem e matam. O rompimento, o "nosso" inclusive, [nós que somos melhores que eles?], nunca será definitivo, porque isso que se tornou nossa sensação de existência, formatou aquilo que nos estabelece no mundo, a linguagem e a subjetividade, o modo de significarmos. Trabalho de construir coerências a cada momento. E de não se desesperar se os ganhos forem migalhados.

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  2. Antes de qualquer coisa é importante colocar, que por mais limitado que eu tenha sido, ou incapaz de colocar alguns pontos como mais clareza, eu não me excluo nem de ser crítico ao vídeo, assim como de ser criticado - e de auto-criticar- pelas ações que coloquei.

    Não discordo que a "consciência social" seja um processo, e nem que todos tenhamos incoerências e as cercas.

    Quanto ao mundo mudar e micro e macro-absurdos continuarem acontecendo, vejo um problema nisso: historicamente temos visto tais mudanças, contudo, sobretudo na ordem vigente, fica difícil, mesmo dentro de algumas mudanças, como Cuba, identificarmos os mesmos micro e macro-absurdos, por exemplo que temos no Brasil. Como aqui médicos não quererem mais serem pediatras, não porque se interessam mais por outra área, mas simplesmente por não dar dinheiro. E exatamente nesse ponto a mudança estrutural, politica, economica, social em Cuba age diretamente sobre algo além disso tudo, que vai direto - dentro - do individuo. Contudo, ainda sim se identificarmos macro-absurdos semelhantes a uma nação capitalista, temos o problema de que uma única nação não sobrevive a um mundo que opera o capitalismo brutal, e, consequentemente suas próprias vitórias inclusive aquelas muito além do sistema economico (relações de amor, educação, amizade) se esvaem em meio a isso.( não estou entrando sequer nas criticas do como vem se dando o socialismo em Cuba).

    Defendo sim de que num novo mundo, num novo ambiente até as tristezas sejam mais vivas, e por sua vezes esses micro e macro-absurdos que tomarão formas extremamente diferentes, que parte é utopia - que bom que ainda temos - e parte a história prova.

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  3. Que somos operados e coniventes - todos- também concordo. O problema é até quando vamos dizer que antes pequenas reformas do que reforma nenhuma? Estamos concordando então que um miserável poder comprar uma televisão é importante, melhor do que nada? Isso não tornará sua indignação menor? E as ações da coca-cola, são legitimas, apesar de manter todo o seu próprio modo de operação vigente? E quanto aqueles que deixam claro, não só pela necessidade de comer, mas que sequer deixam qualquer vestigio de critica aquilo que eles mesmos fazem? Devemos comemorar que o mesmo imbecil, que amanhã estará no faustão, e depois na luta pela floresta não é, de alguma forma – uma oposição politica (ainda que em certo momento do processo)? Se seguirmos este racionio, podemos chegar a legitimar os governos mais assistencialistas estanques que qualquer possibilidade de mudança revolucionária, até o mais reacionário; sobre a tutela da igualdade, do processo?

    É claro que sou totalmente adepto e compreendo o processo. Quando reafirmo a postura crítica em relação às reformas, não é porque não acredito que o ser humano pode se transformar, é exatamente o contrário(critico porque acredito nisso); no que não acredito são as reformas.

    Na pior da hipóteses temos algumas pequenas, e por mais ridículas em seu campo de possibilidade que sejam, temos escolhas, uma delas é eu – contraditório, conivente, operado – dizer “faço propaganda de banco, e acho uma grande merda, deveriam acabar com todos” – deve-se levar em também, meu papel e figura social (individual-coletiva)conta minha pouca notoriedade,. E outra coisa é até onde estamos dispostos a ir e perder aquele confortinho que certa posição nos dá. O que fazemos, como vemos, e o que queremos, desejamos (tudo isso como parte do processo)

    Isso vai de encontro a um ponto primordial: nós revindicamos uma igualdade entre os artistas que critico(amos), que são construidos como grandes figuras do espetáculo etc., e que de fato é verdade, no plano mais primevo e sem neblina alguma, sim somos iguais. Agora afirmar uma plena igualdade quando se trata, por exemplo do papel social que exercemos é um pouco mais complicado, já que socialmente, politicamente, economicamente o papel social dessas pessoas é construido para ser maior,” mais importante” e muito além do nosso – até por isso que crittico também o fetichismo da esquerda.

    Infelizmente, ou felizmente, há um momento, e estamos chegando muito próximo de um novo – como toda a movimentação no mundo – que conseguimos demonstrar que a generalização de “somos todos hipócritas” começa a cair por terra, não nos surtos de consciência social entre o programa de auditório e o almoço com as socialites, mas em relação ao nosso posicionamento politico, social, artistico, enquanto sujeito no mundo e cada vez mais sujeito a constante crítica, e disposto à auto-crítica.

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  4. Meu indicador na conversa - não em riste -, pra não passar em branco debate tão edificante.

    Sobre o texto do camarada Danilo, concordo com todas as ideias centrais. Principalmente em relação à esquerda, incapaz de se diferenciar fundamentalmente da esfera danosa da "moda" (parece raso falar em modismo, mas, basta dizer que a moda é o extremo oposto da crítica radical anti-capitalista).

    Acho, no entanto, que o texto é um pouquinho aboletado, forçando demais a nota na medida em que avança com pressa excessiva pra chegar logo nestas mesmas ideias centrais - justíssimas, como disse. A questão aqui, Danilo, pegando pelas suas próprias palavras, é de forma e conteúdo. O conteúdo do texto pediria, talvez, um pouco mais de paciência na escrita, e quem sabe, até, uma pitadinha de ironia mais apimentada. Pra se dirigir a estes diletantes militantes na causa da não construção do belo monte, é preciso um pouco mais de senso de humor. Enfim...

    Quanto ao comentário do camarada Luca Martins, destacaria o seguinte trecho:

    "O rompimento, o "nosso" inclusive, [nós que somos melhores que eles?], nunca será definitivo, porque isso que se tornou nossa sensação de existência, formatou aquilo que nos estabelece no mundo, a linguagem e a subjetividade, o modo de significarmos. Trabalho de construir coerências a cada momento. E de não se desesperar se os ganhos forem migalhados".

    Você pergunta se somos melhores do que eles. Quem? os artistas da Globo. CLARO! Me considero infinitamente melhor do que eles. Isso é tão óbvio para alguém que pensa o mundo de um ponto de vista crítico, que sua pergunta assusta um pouco... É como se fosse óbvio o contrário, isto é, que somos "iguais" a ele. Equivalência lamentável, a não ser, é claro, para iguais!

    O Danilo fala de uma "sensação de existência" que o MERCADO produz. E você, estranhamente, diz que fomos "formatados" por essa sensação, e com ela não se rompe em definitivo. Ora, não foi você mesmo quem disse que consciência social é processo? Então, deve saber que, na esfera do mercado, a sensação de existência é tudo, menos processual no sentido de formar a consciência. Logo: é processo para aqueles que rompem definitivamente.

    Não só acho possível, mas imprescindível romper com o mercado, definitivamente. O que não quer dizer que seja tarefa fácil. Mas, aproveitando a sua referência à história, basta olhar pro passado pra ver que o capitalismo nunca foi um inimigo sonolento, por assim dizer. E aliás, como diz Walter Benjamin, ele não cessa de vencer... O que faz aumentar a necessidade de ruptura efetiva.

    A social-democracia alemã, antes da segunda guerra, contentou-se com migalhas muito mais gordas do que atorzinhos da globo "convertidos" de maneira fictícia a esquerda, e a gente sabe no que deu... Imagine hoje, isso, a essa altura do campeonato... Francamente!

    Por que temos medo de sermos radicais? A "moderanção", meu caro Luca, é um valor abstrato que alimenta ideologicamente seu discurso. Até hoje não se viu critica mais coerente do que aquela que, atualmente, não vê mais chances nas reformas. Imagina se os revolucionários só falassem em revolução depois que ela acontece? Não há reencarnação. E você sabe, a revolução requer um impulso de ruptura integral com a ordem vigente antes mesmo que ela comece a acontecer. Do contrário, jamais virá.

    "Não desesperar se os ganhos forem migalhas".

    Se forem migalhas, não são ganhos. A crítica anti-capitalista as dispensa.

    Mais uma vez e sempre: não há saída - nem sequer miragem de saída - no interior da ordem capitalista.

    Abraços!
    Parabéns pelo debate camaradas!

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