O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Novo Álbum do Teatro Mágico: "A Sociedade do Espetáculo" - Será?


O novo álbum do Teatro Mágico chama-se: 'A Sociedade do Espetáculo'.

Triste coincidência? Ironia do destino? O mesmo título de um famoso livro, onde somos apresentados a uma sociedade que, saturada de mercadorias, arrebatou, finalmente,  o valor-de-uso dos nossos sentidos, já tão esgotados de não se entenderem entre si... ouve-se uma coisa, enxerga-se outra, apalpa-se uma terceira, e então, onde estamos?  Tivemos nossa percepção das coisas moldada à "imagem e semelhança do fetiche".

Noutras palavras, segundo o autor do livro em questão, já não temos mais certeza sequer sobre a existência efetiva do mundo físico, pois, entre nós e a "coisa", se coloca uma imagem portadora de conotações indefinidas, conteúdo qualquer que nunca vem à luz do dia (conteúdo sem forma), mas que, certamente, não é o conteúdo da coisa mesma - aliás, existiria algo mais anacrônico do que a velha... "coisa em si"?

O que existe, afinal, entre o seu corpo e uma lata de alumínio da coca-cola? Tudo, exceto seu corpo e a lata! Mas pode existir alguma coisa além do meu corpo e da lata que vejo? Aí é que está o problema, ou, mais precisamente, a razão de estarmos falando de um conteúdo sem forma: todo mundo sabe que entre nós e uma lata existe um terceiro elemento qualquer, intruso, que não sabemos bem o nome, mas que, no final das contas, pouco importa, desde que me faça feliz... 

Segundo Guy Debord (este o nome do autor), o "terceiro elemento" consitui-se, essencialmente, numa aparição visual. Noutras palavras, a construção social da imagem da coca-cola estampada no cara da lata é tão potente, mas tão potente, que produz felicidade.

Qual o segredo? Há dois lances: o primeiro é a necessidade de acrescentar valor ao produto, para além dele mesmo, num período em que a "simples" produção de mercadorias já não dá mais conta de satisfazer a necessidade de lucro do Capital. Trata-se de um esgotamernto estrutural, objetivo, que desloca a valorização para o nível simbólico.

Isto para não falar em termos de proporção: a coca-cola é uma entre tantas, que se pense, por exemplo, na produção de automóveis... Ou, noutras palavras: o que significa um esgotamento estrutural da produção de mercadorias a ponto de deslocar a valorização do valor para o nível "simbólico"? Sem meias palavras: significa que a sociedade tornou-se um imenso reservatório de objetos supérfluos. Mesmo assim, tem quem fale em "vida" no interior dessa engrenagem.

O segundo lance é mais ou menos óbvio: como a exploração da subjetividade, do nível "simbólico" conseguiu dar conta do problema? Como é possível a simples construção de um rótulo, com suas cores e tintas, movimentar e direcionar a vicência subjetiva das pessoas? Como se sabe, as necessidades humanas são construídas e desconstruídas, socialmente, no tempo e no espaço. Assim, o "lance" consiste em inundar a sociedade de imagens, por todos os lados.

Com o tempo, o "critério visual", elemento constitutivo dos valores reproduzidos (a "medida do que vale um homem"), naturaliza-se, infiltrando a psique, dirigindo as expectativas, dando forma para os annseios, a tal ponto que nos perguntamos: "existe algum sentimento, algum valor moral, algum conteúdo que não tenha um equivalente numa imagem qualquer?", ou melhor: "quantas são as imagens desprovidas de conteúdo? Mas que andam por aí a dizer o que somos?".

Enfim, tudo isso para dizer que o título do álbum do "Teatro Mágico", por incrível que pareça, segundo os integrantes do grupo, tem relação com a obra de Guy de Debord! Será? Vale a pena perguntar: não seria na verdade a emergência de uma "imagem" qualquer que salta do título? Observem: "sociedade do espetáculo". Assim, desde que funcione bem, trasmitindo a aparência de bem-pensante, não tem a menor importância o conceito que reivindica!

Aliás, é sabido que a obra de Debord foi apropriada acriticamente pela academia, ou seja, reproduziu-se em relação à obra o mesmo mecanismo socia que a obra descreve e revela. Tanto o Derbord quanto os estudiosos de sua obra, prevendo o perigo (por conhecerem muito bem, naturalmente, seu "objeto" de estudo), ressaltam claramente que é inútil falar da reprodução desenfreada de imagens no capitalismo tardio sem que isso implique numa critica radical da sociedade capitalista, ou seja, remetendo às contradições de base dessa ordem econômica. Teatro Mágico... Será? Até segunda ordem, é difícil não ser descrente! 

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