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"Existe para as almas, facilmente expansivas, uma hora deliciosa que sobrevém no instante indeciso, em que ainda não é noite, mas em que já não é dia; a penumbra crepuscular projeta suas tintas imprecisas, ou seus estranhos reflexos, sobre todos os objetos, favorecendo um devaneio que se combina vagamente com os efeitos da luz e da sombra. O silêncio, que quase sempre reina nesse momento, torna-o mais particularmente caro aos artistas que se concentram, se colocam a alguns passos de suas obras, nas quais não podem mais trabalhar, e as julgam, embriagando-se com o assunto cujo sentido íntimo se revela então aos olhos interiores do gênio.
Aquele que não permaneceu pesativo, junto a um amigo, durante esse momento de sonhos poéticos, dificilmente compreenderá seus indizíveis benefícios. Graças ao claro escuro, os ardis materiais, empregados pela arte, a fim de dar impressão de realidade, desaparecem completamente: se se trata de quadro, as personagens que ele representa parecem falar e caminhar; a sombra torna-se sombra, e o dia, dia, a carne adquire vida, os olhos se movem, o sangue circula nas veias, e os estofos cintilam.
A imaginação contribui para a realidade de cada detalhe e nada mais vê a não ser a beleza da obra.
É a hora em que a a ilusão reina despoticamente; talvez se erga com a noite! Não é a ilusão, para o pensamento, uma espécie de noite que povoamos de sonhos? A ilusão abre então as asas, transportando a alma para o mundo da fantasia, mundo fértil em caprichos voluptuosos, no qual o artista esquece o mundo positivo, o dia anterior, o dia seguinte, tudo, até mesmo suas misérias, tanto as boas como as más".
(Balzac, A Comédia Humana, A Bolsa - Paris, maio de 1832)
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