As
palavras do alemão ressoavam no meu cérebro:
“Vêem na miséria apenas a miséria,
sem atentar para o aspecto revolucionário subversivo que irá enterrar a velha
sociedade”.
Quanto sentido em duas linhas! Afinal, quem vê?
Poderia iniciar um comentário “por partes”, expressão que
utilizo com relativa frequência. É difícil saber quando certas palavras costumeiras deixam de servir à inteligência, e se tornam muletas.
“Entretanto, porquanto, no
entanto, pois é, isto é, quer dizer, então, ou seja, por conseguinte, na ordem
do dia, revolução, enfim, etc. etc.”. Qual delas produz maior sensação de
conforto mental? O termo menos espinhoso, mais recorrente? Enfim.
Certas palavras são exaustivas.
Mas isso é apenas um sintoma, na superfície, de raciocínios exaustivos.
Vejamos: quando digo “por partes”, me coloco na posição de um possível leitor.
Imagino este, e, ao fazê-lo, lanço mão de recursos estilísticos para atingi-lo.
Poderia dizer: “vamos por partes”.
Mas seria muito pouco intransigente, já que o leitor imaginado - sendo eu mesmo,
fora de mim - é um pequeno-burguês, razoavelmente, ou quase instruído.
Reparem como a discussão sobre a
utilização de uma certa expressão (mais ou menos reduzida?) em conformidade com
um leitor determinado, escorrega para a questão do didatismo.
Noutras palavras: se a expressão não
fosse reduzida, o didatismo seria excessivo, para um tipo de leitor que presumimos
ser minimamente capaz de andar por suas próprias pernas, levando em conta as
condições reais de sua existência.
Mais do que isso: deveria saber que
a reflexão por partes é inevitável quando se trata de algo tão complexo como o conceito
de miséria...
Talvez o didatismo, distante do jogo da exploração capitalista, não faça sentido algum. Aliás, deveríamos perguntar se ele pode sequer existir fora disso.
Talvez o didatismo, distante do jogo da exploração capitalista, não faça sentido algum. Aliás, deveríamos perguntar se ele pode sequer existir fora disso.
Assim, as palavras se convertem em muletas em relação a um
pensamento que necessita de muletas. De repente, o pensamento empaca: brota a
palavra santa, como um milagre, e o raciocínio foi salvo em suas principais
linhas de força... Ao abrigo do acaso.
Na criação, na reflexão, quando dependemos de um milagre
para evitar o naufrágio, não é isto o sinal de que já estamos
naufragados? É óbvio: a linearidade e a regularidade de um processo é uma ilusão
que devemos abandonar, tanto mais, então, quando se trata de um processo de
contestação do atual estado de coisas.
A obsessão pela estabilidade é um vício burguês - praga que leva a uma duplicação estranha da personalidade.
Por isso, não dá para confundir as coisas: salto,
descontinuidade, alternância de ritmo, etc. é uma coisa. Paralisia é outra.
Vejamos: as palavras
são forças produtivas. Nesse sentido - é dureza admitir -, um texto ou um
poema mal escrito, desinteressado das questões técnicas, feliz na sua ignorância
pacata, constitui, em escala minúscula, uma ação contra-revolucionária.
Em produção ampliada, um amontoado deles nas academias, nos
saraus, no movimento humanista de salvação das baleias
(paradoxo?), etc., tudo isso junto funciona, efetivamente, como força ideológica
para a manutenção do capitalismo.
Sempre haverá quem aponte o exagero de quem busca a função social de tudo. Mas nós sabemos:
também esse discurso tem lá sua função social.
Aliás, falar na função
das coisas é tão inevitável, que estes mesmos indivíduos, contribuindo
para a coisificação do homem, são os primeiros a apontar razões de ordem moral,
humanista-abstrata, constitucional, etc.
A função real é a que almejamos! Desde o conhecimento técnico
aplicado na extração incessante de combustível fóssil, até o emprego de vírgulas
num parágrafo, tudo, enfim, deve ser repensado segundo a ótica da revolução.
Em atraso: no contexto acima descrito, a morte da poesia
se explica por si só.
De fato, constatar que a boçalidade humana beira a completa
hostilidade em relação ao universo da criação verbal, poderosíssima
força produtiva – das mais importantes, objetivamente
falando -, a mim, particularmente, tal fato assusta mil vezes mais do que a
degradação da camada de ozônio. Esta, de certo modo, é conseqüência daquela.
Arriscar com os conceitos fornecidos por Marx; é preciso mais
do que nunca voltar a Maiakovski, sem mistificá-lo, mas com a energia e falta
de pudor com que as massas consomem diariamente a novela das oito – isso é possível?
Deixemos que Maiakovski responda.
A limpidez do pensamento é o escudo. Por mais profunda a
obscuridade, jamais será insuficiente a clareza como recurso primordial de
expressão. Adorno que nos perdoe, é respeitável toda forma de respeito consciencioso
pelas contradições, mas só acordo com a simplicidade acessível dos escritos de
Trotsky.
Foi o grito eterno dos trabalhadores russos em guerra contra
o inimigo de classe que forneceu o sentido cortante de suas análises; do mesmo
modo que, segundo esse mesmo Trotsky, é na velocidade das guilhotinas da grande
Revolução Francesa que encontramos a origem da arte de narrar, veloz e sempre interminável, dos romancistas franceses de XIX. “Continuarei com a pena o que Napoleão começou com a
espada” (Balzac).
Clareza, por fim, que não é renuncia da experimentação.
Somente esta última compreendida como meio de reaver as formas da sensibilidade
humana das mãos de poucos, renovando-as para o alcance de todos. Fora disso a
noção de experimentação é absolutamente incompreensível.
João .
João .
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