O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

sábado, 9 de julho de 2011

Crônica De Um Niilista Qualquer


Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma certa propensão a destruí-la

Não se podia chamar de corriqueiro, e talvez algum ecochato diria ser a resposta da natureza contra o homem. De qualquer forma, naquela noite, o frio me rachava os lábios, lacrimejava o olhos, nunca o havia sentido de tal forma em São Paulo.

Calças jeans, meias grossas, um par de tênis velho e apertado, cachecol em volta do pescoço, mas ele ainda me penetrava.

Andava pela paulista, em direção a Vila Madalena, ponto comum e destino inevitável de classe média, média alta, que oscila entre a vontade de mudar o mundo, e o conforto do apartamento de dois ou três quartos, e um de empregada. Entrementes, a noite não parecia encaminhar a mais bela poesia de Chico Buarque, mas o mais “sujo” conto de Loyola de Brandão.

Mas naquela noite, não saí. Voltei para as casa de meu pais, onde a região oscila de forma diferente, entre a felicidade de comprar um carro, uma TV de plasma em setenta vezes, de agregar um nordestino à  família a quem dará trabalho e assim fará parte do progresso e da erradicação da miséria; e o hino de todo escravinho feliz “eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela em que eu nasci, e poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar.

A única coisa que queria naquela noite, aparentemente, era chegar em casa, comer algo – sem fome -, olhar algo na internet, ver um filme qualquer, ler um texto de dois mil anos atrás, e dormir mal, o que costumeiramente fazia, lamentando os males do mundo. Ainda olhei para o teto durante um bom tempo – escutei alguma coisa andar pelo assoalho, pode ser um rato? -. Meu corpo morto, e o pior de tudo, a sensação de ser um estorvo, um erro, torto, ou simplesmente um babaca entre a casa dos pais e estadias nas casas de amigos.

Naturalmente, isto me assustava. E como um bom aprendiz de junkie, me “entreguei à vida”, sob um dos mais odiosos clichês: “viver intensamente”. Só que “viver intensamente”, inevitavelmente, o torna escravo de sua própria liberdade, de sua própria solidão. Que estupidez! - Não que eu me arrependa, ou não, de qualquer forma isso seria mais um clichê, e daqui pro final, tentarei parar de soltá-los.

Quanto eu, não espalhei por aí? Quanto boca, não enfiei na minha – sem se importar de onde vinha-?

Quanta boceta, não lambi, enquanto mandava a sociedade - e seja lá que porra for chamada esse emaranhado de zumbis, montante de carne e ossos ambulante – para a casa do caralho?

Sei lá, eu queria mesmo era um apartamento, ou não. Tá tudo tão frágil, cuidadoso, ruidoso, tudo meio mais ou menos, não grita nem cala.

Houve um tempo, talvez quando também acreditava que ser humano significava alguma coisa - essa porra toda: andar, falar, pensar, amar, sofrer -, em que o choro de uma criança, assim como o sorriso, me impressionava, comovia. Hoje, quando penso na possibilidade de ter uma, tenho arrepios, me desconcerto dos pés à cabeça, saio do eixo, calo, é meu maior medo.

Neste tempo, as coisas parecem se apresentar de uma forma um pouco mais dura, crua. É a garantia de sua vida, em detrimento de outra, ainda que seja você. A mim, por exemplo, seria duro demais, ainda que conseguisse “manter as duas vidas”, saber que em algum lugar no mundo poderia haver uma parte de mim, sobre a qual não teria o mínimo controle.

Não sou muito adepto a ligações lógicas. Já que se calcular a intensidade que levei a vida durante um tempo, o resultado poder ser o meu maior medo.

Talvez seja este meu medo que, junto a uma boa dose de covardia, fizesse com que recorresse a tudo que fosse possível para que impedisse que meu medo viesse à tona. Escolhi a clandestinidade. Assim, se meu medo andasse por aí, ou estivesse por ascender às coisas terrenas, não me encontraria.

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