Burburinho. No canto do vagão, duas senhoras. Espremidas. Diziam:
- Meu patrão faz propostas indecentes. Mas costuma
pagar a comissão em dia...
A outra afogava-se em abstrações automáticas. Pensava também no
patrão, que também fazia propostas decentes, quase-decentes, talvez, ou seriam indecentes? Pensava, talvez, no significado disso tudo.
À frente – o ar da experiência! Olhos que anunciam
já tudo terem visto – ou são olhos de sono? Três jovens, entre
si fabulam:
- O sujeito faz três entrevistas,
não é admitido. É igual demissão, por justa causa. Não arruma mais nada. Não
trabalha, é nunca mais, nesta vida...
Do lado, o custo-benefício:
- Tem que completar a renda. Bico, ajudante de
ajudante, hora-extra... Não dá pra parar.
- Pois é. Eu, por exemplo, concordo, quer dizer, concerto, nas horas vagas, máquinas de escrever, principalmente aquelas lançadas na década de cinquenta ...
Longe, dois senhores. Adivinhei. Um deles
balançava a cabeça afirmativamente.
Movimentos resignados de pescoço, melhor dizendo:
olhos fechados. O da esquerda concordava com o provável diagnóstico que o outro
lhe fazia.
Havia didatismo nos gestos. E brilho nos olhos.
Promovido, talvez. Ou suprimido.
Acerquei-me. Aproximou-se o homem - um homem é um homem aliás.
Pude divisar o tom de denúncia. O homem - que é um homem? - pode divisar a certeza.
Ouvi do que se tratava. O homem ouviu. (Já deve ter começado o jogo do corinthians!) Quem ouviu?
- O capitalismo precisa acabar. A grande conclusão.
Basta olhar a sua volta...
Indicou o vagão. Saí para que pudessem contemplar o mesmo
espetáculo que eu contemplava minutos atrás.
Meu movimento indicou-lhes que prestava atenção no
que diziam. Olharam-me, e a si próprios, com antipatia treinada. Na escola da vida! Ergueram-se e
saíram com os cotovelos abertos. Asas, talvez.
Voltei. Vozes lá fora, na rua. Atores gritavam. Tom
de denúncia também. Ora! Era tarde. Estava na linha errada. Fim de linha! Zero à esquerda. Extinção. Voltar. Calmamente saí.
João .
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