O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

sexta-feira, 16 de março de 2012

Expresso Leste, Expresso Cego.

Burburinho. No canto do vagão, duas senhoras. Espremidas. Diziam:

  - Meu patrão faz propostas indecentes. Mas costuma pagar a comissão em dia...

A outra afogava-se em abstrações automáticas. Pensava também no patrão, que também fazia propostas decentes, quase-decentes, talvez, ou seriam indecentes? Pensava, talvez, no significado disso tudo.

À frente – o ar da experiência! Olhos que anunciam já tudo terem visto – ou são olhos de sono? Três jovens, entre si fabulam:

  - O sujeito faz três entrevistas, não é admitido. É igual demissão, por justa causa. Não arruma mais nada. Não trabalha, é nunca mais, nesta vida...

Do lado, o custo-benefício:

  - Tem que completar a renda. Bico, ajudante de ajudante, hora-extra... Não dá pra parar.

  - Pois é. Eu, por exemplo, concordo, quer dizer, concerto, nas horas vagas, máquinas de escrever, principalmente aquelas lançadas na década de cinquenta ...

Longe, dois senhores. Adivinhei. Um deles balançava a cabeça afirmativamente. 

Movimentos resignados de pescoço, melhor dizendo: olhos fechados. O da esquerda concordava com o provável diagnóstico que o outro lhe fazia.

Havia didatismo nos gestos. E brilho nos olhos. Promovido, talvez. Ou suprimido.

Acerquei-me. Aproximou-se o homem - um homem é um homem aliás. Pude divisar o tom de denúncia. O homem - que é um homem? - pode divisar a certeza. Ouvi do que se tratava. O homem ouviu. (Já deve ter começado o jogo do corinthians!) Quem ouviu?

  - O capitalismo precisa acabar. A grande conclusão. Basta olhar a sua volta...

Indicou o vagão. Saí para que pudessem contemplar o mesmo espetáculo que eu contemplava minutos atrás.

Meu movimento indicou-lhes que prestava atenção no que diziam. Olharam-me, e a si próprios, com antipatia treinada. Na escola da vida! Ergueram-se e saíram com os cotovelos abertos. Asas, talvez.

Voltei. Vozes lá fora, na rua. Atores gritavam. Tom de denúncia também. Ora! Era tarde. Estava na linha errada. Fim de linha! Zero à esquerda. Extinção. Voltar. Calmamente saí.

João .

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