O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

ATUALIDADES - CARTA DE GLAUBER ROCHA A JOAQUIM PEDRO



Querido Joaquim,

Espero que nossa amizade continue quente – como da última vez que nos vimos aí no ap. de Ipanema.

Eu e a Paula gostamos muito de você e Krystina e temos saudades. Espero que tenha lido meu livro... Espero com ansiedade O Homem do Pau Brazyl. Vem a Veneza?

Escrevo-lhe porque ontem sonhei acordado num barato com Os Inconfidentes. Revi todo o filme e gostei muito. Quando vi na RAI, em 1972, não gostei. Extranho... o cinema penetra no computador da memória e é possível, anos depois, rever um filme... Sinto-me Tyradentes? Não sei...

Disseram-me que você teve dificuldades na produção...

Cacá escreveu-me, esteve por aqui depois de Cannes, Marcos Faria mandou-me o nº da Revista Luz & Ação. Gustavo telefonou-me. Creio que devemos nos REUNIR outra vez, acima dos grilos psicológicos pequeno-burguêses. UNIDOS somos fortes e fazemos o melhor cinema do mundo. Separados, somos fracos, e deixamos o espaço descoberto pelas forças reacionárias.

A Europa marcha para o socialismo, com a subida de Mitterand “c´est la lumière sur le fin de ciecle”...(sic). E o Brazyl? Partidos políticos VAZIOS, líderes sociais-democratas capitalistas, esquerda fragmentada, sectária e colonizada, tudo como há 20 anos, tudo como nos tempos de Janio...

Nosso grupo ao qual me refiro no livro com admiração e entusiasmo, foi dividido durante a Ditadura de Medici e por motivos neuróticos e políticos que tiveram seus lugares há 10 anos mas que agora devem ser expulsos em nome de novas perspectivas revolucionárias.

Sei que você não se dá com o Cacá, com o Gustavo e com o L. Carlos mas sugiro uma pausa cristã e mineira no sentido de restabelecer o diálogo com os irmãos. Também briguei, perdi minha irmã, sofri campanhas mas a vida de Sto. Agostinho foi pior. Todos nós – você, Leon, Cacá, Gustavo, David, Paulo César, Mario Carneiro, eu, Nelson, Jabor, Luiz Carlos e outros somos imprescindíveis na luta pela independência política e cultural do Brazyl e do III Mundo porque fazemos cinema – o que é exercer grande poder nas áreas subdesenvolvidas. O cinema capitalista é lazer. O cinema revolucionário é subversão. Confundiu-se “objetivos comerciais” “com objetivos culturais”. A “luta pelo mercado” é uma hipócrita máscara à “luta pelo lucro” e com SEXO. Aí temos a chanchada pornográfica e populista. E a revolução? Convive com a prostituição? TV não é concorrente. A TV está nascendo no Brasil. Não acabou com o Cinema no resto do mundo. Os problemas são falsos. Abaixo Cinema de “melodrama”. Abaixo Cinema idealista ficcional! Abaixo a montagem narrativa realista teatral! Somente a Revolução Ideológica e formal poderá desalienar nossa cultura. Mais tarde a TV divulgará as grandes Obras, julgadas “difíceis” pelos burocratas dos partidos, críticos colonizados e intelectuais subdesenvolvidos. Nossa missão política é religiosa, por isto não podemos nos dar ao luxo histérico e estéril de romper nossa unidade em nome de visões personalistas, românticas, narcisistas, burguesas enfim.

A Cooperativa deverá ser a Assembléia onde o Cinema Novo se reúne, ampliando os quadros, como um Partido Político. É necessário abrir a luta ideológica no seio do Partido (Cooperativa & Cinema Novo) e a partir de um Projeto Revolucionário colocar as necessidades diante da Embrafilme. Acabou o período pessedista. É necessário um período de movimentação política fundamentada na unidade do Partido do Cinema, núcleo de um futuro Partido de Intelectuais. O Caos da Embrafilme não se resolverá a não ser de uma discussão ideológica que proponha alguma coisa melhor. Ninguém tem o direito de ser burro, cínico, hipócrita ou vigarista. Chega de sacanagem! O País é nosso e não vamos deixá-lo aos abutres. Escreva-me para Hotel Central – Sintra – Portugal. 

Um abraço e beijos a você, Kristina e família.
Glauber (e Paula)

PS: Telefone a Gustavo, Leon, Cacá, Nelson... Luz & Ação.

carta retirada do site http://www.filmesdoserro.com.br

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