O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

domingo, 6 de novembro de 2011

Sobre o Otimismo e o Pessimismo

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(contra ambos)
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É realmente óbvio que o pessimismo é um sentimento pequeno-burguês?  Digo, num sentido obviamente marxista? Para responder a esta pergunta, deve-se formular outra, aparentemente imprópria: Há provérbios suficientes no mundo? Quer dizer: Há no mundo provérbios para tudo?
Falsa questão. O importante é que a resposta já foi colocada aproximadamente na forma de provérbio, quando dizemos, por exemplo: “Pobre não tem depressão”. Afirmação sádica, e, por isso mesmo, suspeita. Seja como for, alguma coisa aí parece verdadeira. Não sei, mas se tivesse o direito de inventar um provérbio, diria, nesse exato momento: “O pessimismo é um luxo de quem pode pensar na vida”.
Um operário, ou um operador de telemarketing, não tem tempo para o pessimismo. Pela mesma razão invertida, ou seja: o trabalhador não tem tempo de pensar na vida. Por isso, o operário que ainda não sabe o que isto significa, responde, ardentemente: “Sou otimista!”.  
Mas a obviedade termina quando descobrimos que o pessimista (necessariamente pequeno-burguês) poderia não ser pessimista, exatamente por que, enquanto pequeno-burguês, instalado numa poltrona desconfortável, pensa.
Noutras palavras: apesar de pequeno-burguês, tem a possibilidade de não pensar como tal – exatamente por sê-lo. Não se trata de um mero jogo de palavras: o pequeno-burguês me entende.
Vejamos. O sentido mais largo da dialética, seu pressuposto generalíssimo, e constante, é aquele segundo o qual tudo é processo (contraditório e mutável). Sob o pano de fundo desse princípio geral, o que responderíamos ao pequeno-burguês caso nos perguntasse: “Qual o problema do pessimismo, se o mundo é realmente péssimo?”. Responderíamos:
- O pessimismo anula o pressuposto mais amplo da dialética: o processo, pelo qual o mundo tornou-se a tragédia que se vê. Ou seja: apesar de trágico, veio a ser como está sendo, ou seja: virá a ser outra coisa.
Ora, pequeníssimo-burguês, não se apavore. Mas pense o quão preocupante é dizer que o mundo “não tem mesmo jeito”. Não se trata, para você, de negar este ou aquele aspecto da luta de classes, mas de negar a própria luta de classes. Um marxista reconhece, evidentemente, que o mundo está péssimo. Ao mesmo tempo, levanta-se imediatamente contra aquele que, ao ouvi-lo falar, conclui que devemos, então, aderir ao pessimismo.
Já se pode ouvir: “Devemos ser otimistas, então?”. De onde vem esta voz? Conclusão inversa, também ela aparentemente óbvia?  Do mesmo núcleo duro, irradiador de desespero: o cérebro empedernido do pequeno-burguês.
O pequeno-burguês é aquele que detesta as réguas, pois, além de centímetros, possuem também os malditos milímetros. Impaciente, não enxerga, por exemplo, os variados matizes de uma mesma cor. Na música, a idéia da pausa entre uma nota e outra o incomoda profundamente. Um poema é um gueto: não vale à pena passar. Não se trata, para ele, de “oito ou oitenta”. Mas de... “oito, ou oitocentos milhões”. Para ser coerente, deveria odiar-se a si mesmo!
Respondemos com o mesmo princípio:
- O otimismo também anula o pressuposto mais amplo da dialética, a idéia de processo. Embora o mundo tenha se tornado a tragédia que se vê como conseqüência de um longo processo histórico, que nos autoriza a enxergar a possibilidade real de uma saída, e nos obriga a abandonar o pessimismo cego (como se pudesse existir... pessimismo lúcido), isto não quer dizer, por outro lado, que este processo de saída é fácil, inevitável e espontâneo. Logo, também o otimismo é equivocado!
A medida do mundo, meu caro pequeníssimo-burguês, meu irmão, meu igual, não é a aparente imutabilidade de sua deprimente condição existencial.
Aliás, nada mais inventado por você mesmo do que sua própria condição. Não me refiro a sua agonia (por que esta é geral), mas à sensação de paralisia que te acomete, como se a paralisia de sua consciência (e de seu coração) fosse o reflexo de um mundo paralisado. Sua parada cardíaca, nobre egoísta, não significa que a vida parou de pulsar.
O maior dos otimistas mantém um pacto de alma – e de classe - com o maior dos pessimistas. Pessimista é derrotado, fraco, obscuro, desesperançado, fatalista...  Não deixa de ser verdade. Já o otimista é o iludido mal intencionado, manipulador de consciências, voluntarioso... Outra verdade.
Mas, ambos, sempre tão zelosos de sua própria posição, que temem profundamente o anúncio de seu contrário. É o mesmo princípio que rege o casamento  entre democracia ocidental, de um lado, e o terrorismo árabe, de outro.
Pessimistas fatalistas, e otimistas voluntaristas, Lukács pensava em vocês quando escreveu:
Fatalismo e voluntarismo são contrários apenas numa perspectiva não-dialética e a-histórica. Para a concepção dialética da história, eles provam serem pólos que se complementam necessariamente, reflexos intelectuais em que o antagonismo da ordem social capitalista e a impossibilidade de resolver seus problemas em seu próprio domínio se exprimem claramente”.  
A crítica dialética precisa ser incansável. É difícil? Claro, e penoso. Não sou eu, nem ninguém que o diz, pequeno-burguês, mas a própria realidade, a mesma, aliás, que dificulta enormemente a tarefa. Isto significa: quanto maior for a dificuldade, maior a necessidade de superá-la (à realidade), e não o contrário. (In) felizmente, é assim.


Um comentário:

  1. esse texto, no seu âmago, esta mais para pessimismo ou otimismo?
    (rs) abs Júlio

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