O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A QUEBRADA NÃO É CHAPA BRANCA! Nota de repúdio à alteração de imagem na peça de divulgação da III Mostra “Cinema da Quebrada”

publicada originalmente pelos parceiros do Coletivo Zagaia

Há uma imagem, do filme “O Muro da Vergonha”. Nela vemos um muro, erguido na Favela do Moinho, no qual há uma pichação: “Haddad sustenta o muro da vergonha do Kassab”. Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo, ergueu o muro e que não havia sido posto abaixo pela administração do atual prefeito, Fernando Haddad. O muro foi derrubado pela própria população, em protesto. 

Havia uma imagem: essa mesma, também retirada do filme, com a pichação inscrita. Essa imagem supostamente foi usada pelo Cinusp e pela organização da III Mostra Cinema da Quebrada para a divulgação do evento. “Supostamente” porque a imagem não foi de fato utilizada. O Cinusp e produção da mostra alteraram ela digitalmente, modificando seu conteúdo. Por meio de uma intervenção grosseira, apagou-se o nome do prefeito Haddad da pichação, restando da frase apenas o verbo e o predicado: “sustenta o muro”. Assim mesmo, sem sujeito. A mostra exibe o filme, mas não sustenta o compromisso com suas imagens no momento de divulgar o evento. Será que ocorreu ao Cinusp e aos organizadores da mostra que tal posição, além de contraditória, é um ato de violência contra todos os filmes exibidos, e não somente aquele que teve sua imagem alterada? Não percebe o Cinusp que tal ato atinge também as lutas e posicionamentos expressos nos sons e imagens desses filmes? 

Por isso, nós, realizadores com filmes na programação da III Mostra Cinema de Quebrada, viemos, através dessa carta, demonstrar nosso repúdio ao procedimento realizado pelo Cinusp e organização da mostra e exigir dos responsáveis: 

a) que se pronunciem publicamente, através de comunicado no site do Cinusp e na sua página no facebook, sobre o ato da manipulação; 

b) que retirem a imagem alterada da capa da pagina do Cinusp no facebook e a substitua pela imagem original; 

A existência da mostra é, em princípio, positiva. Abrir um espaço de reflexão na academia para a produção cinematográfica da periferia é indispensável, sobretudo na USP, uma universidade com poucos alunos “da quebrada”. Mas é preciso deixar bem claro que a relação com a periferia não pode se dar pela via da domesticação.

Quem quer exibir a quebrada, que seja para dar a ela voz e imagem, e não para silenciá-la. Quem quer dar espaço e tela para a periferia, tem de ser honesto com o recado e as lutas que vem dela. Não topamos exibir nossos filmes na Mostra para correr o risco deles serem apresentados num contexto que parece se envergonhar ou temer o que dizem suas imagens. Nos é difícil compreender que um evento destinado a pensar e exibir as imagens da quebrada se preste ao papel de apaziguar conflitos que seus realizadores, em contrário, desejam promover. Não nos parece sequer razoável que uma universidade pública promova o silêncio ao invés do questionamento e do conflito. 

A quebrada não é chapa branca e sua voz e seus conflitos não serão apaziguados num cordial panos quentes com o poder. Esperamos que essa seja uma oportunidade de o Cinusp se retratar ante o ocorrido e pautar sua conduta futura na promoção de um maior diálogo com a periferia e a arte política que se arrisca, sem temer nem maquiar o que dizem as imagens dos filmes. São Paulo, 27-11-2014, 

Assinam:

Adirley Queirós, cineasta
Affonso Uchoa, cineasta
Andre Novais, cineasta
Coletivo Tela Suja Filmes
Diogo Noventa, cineasta e diretor teatral
Ester Marçal Fer, cineasta
Evandro Santos – cineasta e educador
Felipe Terra, cineasta
Flávio Galvão – Coletivo Fabcine
Lincoln Péricles, cineasta
Rafael Fermino Beverari, cineasta e educador
Renan Rovida, cineasta
Rodrigo Sousa e Sousa, cineasta
Romulo Santos – cineasta e educador
Rede de Comunidades do Extremo Sul
Thiago B. Mendonça, cineasta – roteirista e produtor de Dias de Greve
Viviane Ferreira, cineasta

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