O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Também é Natal na cracolândia.


(o natal existe: todo o Mundo é triste)

O Natal chegou, mais uma vez.


As frases de efeito, chavões, clichês, lugares comuns, etc. que se erguem contra o Natal, povoando o imaginário daqueles que aparentemente detestam o capitalismo, converte-se naturalmente em bloqueio à verdadeira crítica da mercadoria. A revolta assim se transforma em papagaiada, mesmices, do tipo: o natal é a festa da hipocrisia! Nos porões da nossa consciência existe um saco cheio - e vermelho! - dessa ideologia reciclada, que, no fundo, não passa de mais uma atração das festividades natalinas. De fato, o natal já não incomoda tanto quanto os seus críticos morais de plantão. 


A hipocrisia, o parco entusiasmo do trabalhador analfabeto, despolitizado e dominado pela ideologia (petista) do consumo, é infinitamente menos corrosiva do que a hipocrisia histérica da classe-média, que se auto-intitula “reflexiva”. Quem são eles? Nós: artistas, estudantes de Humanas, professores universitários, agitadores culturais, etc. etc. Chamar de corja esse segmento social, por seu pedantismo parasitário, pode parecer um insulto  contraditório. No entanto, muito cuidado leitor: sentir-se insultado com o xingamento é provar justamente sua exatidão! Contente-se com a verdade, e não tenha medo em ser a exceção da regra. Enfrente sua caganeira cheirosa... cagão!

***

“O natal chegou mais uma vez”. Esta frase conserva um conteúdo ideológico gritante, e ensurdecedor. A sensação de imutabilidade, de que nada acontece e de que vivemos numa realidade imóvel, é um dos resultados mais perversos, no nível da consciência, que o veneno da mercadoria produz. O efeito é tão devastador e vertiginoso que beira a loucura: repetem-se detalhadamente os mesmos comportamentos, ano após ano...

Ainda estamos no ano passado? O ano passou, ou tudo não passa de uma eterna véspera – eterna temporada no inferno do consumo?

Os mecanismos que conformam o aparelho mental de um consumidor padrão assemelham-se enormemente aos de um viciado em crack: comportamento repetitivo, uniformização assustadora das funções motoras, incapacidade de comunicação, redução da capacidade cognitiva, confusão mental, sensação repentina de sufocamento, irritabilidade, etc.

Para o viciado, o efeito da droga de certa forma é permanente. Toda a sua vida, nos dias em que não está sob efeito da droga, é uma espécie de odisséia (com toda ironia) que só faz sentido quando o objetivo é alcançado: o consumo. Essa é a medida palpável de onde devemos partir: a experiência sensível das pessoas, e não de esquemas morais inócuos.

Uma festividade voltada ao consumo, no reino absoluto da mercadoria, aparece necessariamente como um verdadeiro caos moral. Não pode ser de outro modo.  A dissolução ética em curso é plenamente compreensível à luz das forças cegas de acumulação do capital, que regem os anseios mais subjetivos das pessoas. Espantoso, nesse sentido, é ainda nos espantarmos com isso. O nível moral só se presta à constatação do óbvio, exemplo simples para fins pedagógicos.

Mas, justamente no nível mais sensível à consciência podemos observar que as coisas mudaram, e mudam, ao contrário do que parece. Primeiro: a derrocada cultural, ou o reforço diário da ideologia do consumo, não esbarra num grau zero de destruição subjetiva – pelo contrário: seguindo-se até as últimas conseqüências a marcha só será interrompida por uma destruição definitiva da base social que lhe sustenta: o fim da própria civilização humana.

O natal, nesse sentido, serve para alguma coisa: é um termômetro. Todos percebem, ou “sentem”, que as “festas” do ano atual mudaram em relação ao ano anterior. Difícil é confessar que mudam pra pior. Seja como for: trata-se de uma expressão simples, mas altamente reveladora do ritmo pelo qual nos aproximamos de um abismo irreversível.

De outro lado, a crise, alastrando-se em ondas sucessivas e cada vez mais largas de desemprego em massa, medidas econômicas restritivas contra a classe trabalhadora, etc. O Brasil afundará em breve... Com o seguinte desconto, que parece tornar imperceptível o efeito da crise: a miséria atual extrema de algumas nações européias não é novidade para nós: o desemprego aqui é crônico, e a miséria permanente. Mas, como foi dito, o buraco é sem fundo...

No telejornal do meio-dia, mostraram a imagem de uma rua do centro da cidade de São Paulo. Como um formigueiro, pessoas moviam-se aparentemente sem rumo. A jornalista hesitou por reveladores milésimos de segundos. Cracolândia, ou 25 de março? O editor deu a informação, e o tom do informe, imediatamente, revelou-se eufórico... De fato, como não pensávamos, era a rua do comércio feliz. Mas um silêncio fúnebre se manteve indisfarçável... Resquícios de uma dúvida sinistra. Visto de certo ângulo, o cinismo é digno de pena.  

João .

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