É comum na fala de professores, alunos e pais a defesa do ensino público de qualidade. Espera-se da escola que, ao socializar as crianças e os jovens com o mundo dos adultos, ensinem os seus alunos a serem cidadãos consequentes e trabalhadores qualificados. Apresentando-lhes o mito do homem bem-sucedido, a escola, faz com que o novíssimo cidadão em formação compreenda, ou melhor, decore a primeira lição: “devo estudar para ser alguém na vida”, mesmo que o que se ensina não faça sentido algum tanto para alunos quanto para professores e muito menos para os pais. O objetivo da escola pública – porém, burguesa – se cumpre na medida em que o oprimido passa a reproduzir os ideais do opressor (FREIRE). Ou seja, na medida em que o sonho, o desejo do estudante é tonar-se um burguês bem sucedido, uma vez que ele tem a ilusão de que o estudo é o fator determinante para a ascensão social, a escola cumpriu o seu papel.
A escola terá então a tarefa de moldar um tipo de cidadão adequado ao modo de produção dominante para que o status quo social econômico e político – tanto dos exploradores quando dos explorados – continue inalterado, esse é o desafio dos educadores comprometidos com o ensino – burguês – público de qualidade.
De acordo com dados oficiais o ensino fundamental no Brasil está universalizado, isto significa que nossas crianças, bem ou mal, pois a qualidade do ensino é questionável até mesmo para os ideais burgueses, possuem o mínimo de instruções para a perpetuação do capitalismo no Brasil, por outro lado, no ensino médio a situação é outra, boa parte dos nossos jovens que deveriam estar cursando o ensino médio encontra-se dispersa fora das escolas: desempregados ou em subempregos; desde o trabalho escravo ou semi-escravo da agroindústria à criminalidade urbana.
De qualquer maneira, em relação aos jovens brasileiros, décadas atrás, a situação não era muito diferente quanto ao número de jovens fora das escolas, contudo, sobretudo nos grandes centros do país, elas – as escolas – incluíam em suas grades curriculares, além da matemática e da gramática, o ensino de humanidades: Filosofia e Arte, por exemplo. Esperava-se com isso formar cidadãos – entenda-se força de trabalho – mesmo que em pequeníssimo número, mais capacitados, mais completos para as exigências de um país em “desenvolvimento” que precisava mostrar ao mundo que também poderia participar do bloco progressista.
Entretanto, as Humanidades, foram postas de lado durante o período da Ditadura-Civil-Militar (1964-1985), pois, o progresso à brasileira – inspirado por um tipo de leitura positivista – prescindia de elementos que pudessem causar a reflexão crítica acerca do funcionamento de máquinas ou de governos. Naquele tempo priorizou-se o ensino tecnológico que deixaria marcas até hoje nas instituições de ensino brasileiras e consequentemente nas subjetividades de professores, alunos e pais, desde o nível básico até o ensino superior. Talvez, os militares entendessem que o ensino de humanidades, de Filosofia, por exemplo, fosse uma prática subversiva por natureza e, portanto prejudicial ao municiar os alunos com elementos teóricos que possibilitassem a contestação de milagres, mesmo os de caráter econômicos. Fato é que com o fim do regime militar, o ensino de humanidades vem – gradativamente – sendo implantado nos currículos Brasil afora, porém, não sem resistências... Um exemplo disso é a polêmica levantada por alguns seguimentos da burguesia guarulhense acerca da criação de um campus da Unifesp voltado para as humanidades quando estes queriam algo mais “adequado ao perfil da cidade” (?).
O ensino técnico, ainda hoje, é defendido calorosamente pelos defensores das chamadas políticas neoliberais. O argumento de que o país necessita de uma força de trabalho especializada para poder operar maquinário avançado, dominar técnicas contemporâneas de logística ou administração é difundido pelos representantes das indústrias, tecnocratas ligados aos governos municipais, estaduais e federal e intelectuais comprometidos com os interesses do capital monopolista nacional e internacional. Todos dizem que o país necessita reduzir a dependência da força de trabalho especializada estrangeira. Ou, talvez, o interesse dos capitalistas seja o de criar uma força de trabalho nacional especializada, porém, mais barata.
Fato é que, concomitante à defesa do ensino técnico, as chamadas ciências humanas retornaram ao ensino médio, hoje, o ensino de Artes, Filosofia e Sociologia, além de História e Geografia, são defendidos pela legislação (LDB) a fim de garantir a formação de um cidadão e de um trabalhador capaz de compreender as necessidades do mercado que exigem um sujeito capaz de relacionar diferentes habilidades com o intuito de torná-los mais produtivos. Mesmo os militantes de esquerda, no âmbito da educação pública, defendem que tais reformas implementadas pelos governos chamados por eles de neoliberais não garantem ao Brasil a formação de uma força de trabalho capaz de atender às demandas do capitalismo ou em outras palavras às demandas contemporâneas do mercado: “Do ponto de vista educacional, as reformas têm reforçado amplamente a formação de um aluno/trabalhador adestrado, polivalente e com pouca possibilidade de ampliar seu poder de abstração para atender as necessidades mais imediatas do mercado de trabalho, desprovendo, assim, os alunos de arsenal teórico-político capaz de potencializar e aguçar sua visão crítica para agirem contra o sistema que os explora e oprime enquanto classe trabalhadora.” (LIMA, APEOESP).
Ora, mas, será a escola pública burguesa capaz de – ao mesmo tempo – formar cidadãos/trabalhadores que atendam as necessidades do mercado de trabalho e potencializar e aguçar a visão crítica dos mesmos para que estes, munidos de um arsenal teórico-político fornecido pela escola, ajam contra o sistema que os oprime enquanto classe trabalhadora?
Uma leitura do iluminismo (Aufklärung) do qual Marx e Engels certamente foram “seguidores” afirmava categoricamente que o homem deveria ou deve “submeter à natureza as suas necessidades” para tornar-se livre ou para se libertar, caso contrário, isto é, se o homem é quem se submete a natureza, ele tende a permanecer na menoridade (Kant), no misticismo, na animalidade... O esperado ensino público de qualidade na sociedade capitalista tanto para a burguesia progressista quanto para a pequena burguesia de esquerda não é nada mais do que uma ideia reguladora. Ora, tal ideia diz respeito aos interesses e necessidades do mercado de trabalho, inalcançáveis quando percebemos o lugar que o Brasil ocupa na divisão internacional do trabalho; ora diz respeito ao oportunismo honesto ou não de uma camada da pequena burguesia simpática às “ideias” de uma esquerda política fundamentada num tipo de marxismo vulgar.
A experiência soviética, talvez seja o lugar mais adequado para onde devemos olhar se quisermos ter uma noção do devir da escola após a tomada do poder pelo proletariado e a instauração de sua ditadura. Talvez lá encontremos os melhores exemplos (quem sabe os únicos exemplos concretos estejam lá) do papel que a escola deve assumir se de fato entende que o seu papel enquanto ensino público a serviço do proletariado é dar condições para que os alunos sejam capazes de potencializar e aguçar sua visão crítica para agirem contra o sistema que os explora e oprime reconhecendo na revolução socialista a única possibilidade de chegarmos ao comunismo e aí quem sabe, não mais como ideia, mas como realidade concreta obtermos um ensino público não de qualidade, mas adequado às necessidades humanas nos capacitando a submeter minimamente à natureza aos nossos interesses.
Enquanto isso a escola em todos os níveis (do ensino primário ao superior) permanecerá um local hostil ao desenvolvimento do materialismo histórico e dialético. Enquanto instituição a escola formará – no máximo – cidadãos. O lugar da formação do militante comunista é outro, embora a sua forma em muitos casos se assemelhe a da escola, o conteúdo e o objetivo são completamente diversos, ao invés do cidadão (sociedade homogenia) é necessário que o proletariado entenda-se enquanto membro de uma classe (sociedade de classes) e que a sua classe, o proletariado, possuí interesses antagônicos quando se depara com outras classes (luta de classes), sobretudo, a burguesia. Para chancelar a nossa opinião acerca do lugar da teoria marxista na sociedade capitalista, recentemente, ela foi classificada como sendo uma “teoria duvidosa” pela Capes, instituição ligada ao MEC, que se negou a financiar um projeto de pesquisa cuja linha teórica era o materialismo histórico e dialético.
Por fim, este brevíssimo ensaio tem a pretensão apenas de apontar as nossas primeiras impressões acerca da situação do ensino público no país, sendo assim, não é preciso mencionar que nossos estudos ainda estão aquém do que necessitamos, entretanto, existe uma vasta bibliografia que certamente poderá nos auxiliar na compreensão do que é e na elaboração do que pode vir a ser um ensino público de qualidade, sigamos em frente.
Bibliografia utilizada:
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia.
Ezio de Lima. Ainda as reformas neoliberais na educação in. debates simpro guarulhos educação 2.
Leandro Costa
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