O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

EXISTE UM BLOCO BRANCO?


Do ponto de vista dos trabalhadores, o que vimos ontem em São Paulo? As principais organizações de esquerda desfilaram (ou melhor: tentaram desfilar) pelas ruas da cidade. Qual o verdadeiro conteúdo do desfile? Do início ao fim, a tentativa de "conduzir" o ato assumiu um caráter inteiramente burguês. Era inevitável, já que os "inimigos" - aqueles que representavam o ponto de vista dos trabalhadores no ato - eram os meninos do Blac Block.

Antes da polícia mostrar os dentes, a repressão já havia começado. Mas, como? Por parte de quem? Da própria esquerda. A repressão da polícia, nesse sentido, foi apenas um "complemento natural". De certo modo, inclusive, as constantes tentativas, por parte das organizações, de isolar o bloco negro, foram mais odiosas que a própria repressão policial - afinal de contas, a polícia é um inimigo nítido.

Não é delírio. Literalmente: a esquerda preparou o terreno para o "massacre". E a repressão veio a galope, como sempre, sem distinguir o preto do rosa: a própria esquerda foi "massacrada" pela polícia. Mas tudo bem, desde que, amanhã cedo, todos saibam que "a culpa foi do Black Bloc". Parece delírio, mas é verdade: a repressão não começou com as bombas da polícia, mas lá atrás, no início do ato.

No lugar da polícia, estudantes universitários, organizações de esquerda (PSTU, PSOL, e derivados). É como diz o provérbio: com tais amigos, quem precisa de inimigos?

E a razão é simples: a maioria dos integrantes do Black Bloc são pobres. Não é exagero. Trabalhadores ou filhos de trabalhadores, que, na ausência de perspectivas mínimas, atiram-se na via da ação direta. Os militantes das atuais organizações de esquerda talvez não sejam capazes de compreender essa motivação. Afinal de contas, dentro do capitalismo, a possibilidade de estudar, comer bem, viajar, etc. não deixa de ser uma perspectiva máxima.

Isso explica a disposição e a coragem dos meninos do bloco negro, e também a arrogância da esquerda. O antagonismo de classe apareceu como fator central, ganhando expressão empírica em vários momentos do ato. Divergências táticas, oposição ao anarquismo, defesa dos professores, etc. é tudo mentira. Insistir em supostas divergências táticas - como faz o PSTU e o PSOL, por exemplo - é mentir para os trabalhadores. Uma crítica "tática" ao Black Bloc é objetivamente impossível. Demonstra, além do mais, uma profunda incompreensão da luta de classes.

Não bastam as mentiras da mídia burguesa, da igreja, da família? Certamente, não. É preciso ainda (e sobretudo) a mentira política, historicamente preparada pelos "representantes" da classe trabalhadora. O Black Bloc, atualmente, é o setor mais avançado da juventude brasileira. É uma dura verdade, difícil de reconhecer. A ação do bloco negro é uma projeção insuportável da ausência total de perspectivas na qual afunda a juventude. No fim das contas, expor a falta de perspectiva, por meio da ação direta, converte-se num modo inteligente de recuperar alguma perspectiva.

Eis a questão. Esta é a "dialética intrínseca" que determina a ação do Black Bloc: expor a falta de perspectiva para recuperar alguma perspectiva. Não faz sentido? Mas, na realidade, as questões que a esquerda se coloca são outras: o que é o Black Bloc? Jovens absolutamente desconhecidos, agindo "por fora" das organizações. Há um profundo sentimento de propriedade nesse incômodo. Tudo o que diz respeito aos trabalhadores (métodos de luta, palavras de ordem, etc.) é como se fosse propriedade privada das atuais organizações.

Mas, novamente, a AÇÃO do Black Bloc inverte a pergunta: na verdade, senhores, quem lhes deu o direito de controlar os processos de luta, com unha de ferro, no lugar dos trabalhadores? Mito de narciso às avessas, o método da ação direta acaba sendo uma espécie de espelho da crise de direção: utilizado pelo bloco negro, expõe à luz do dia os métodos da própria esquerda, e seu verdadeiro conteúdo de classe. E a esquerda, totalmente incapaz de auto-crítica, responde, por sua vez, exigindo que o Black Bloc "preste contas" de seus métodos.

Nas ruas trava-se uma verdadeira relação de força. Ou os meninos do Black Bloc aceitam o enquadramento na legalidade burguesa, ou a esquerda realiza uma auto-crítica, e tenta absorver a energia revolucionária do Black Bloc. Evidentemente, as direções não largam o osso. Só um imbecil acreditaria nisso. O Black Bloc, por sua vez, se mantém fiel a seus métodos (até quando?). No limite, a consequência é óbvia - e foi o que vimos ontem em São Paulo: na medida em que não conseguem reprimir a ação do bloco negro, a maioria dos setores da esquerda tende a defender, abertamente - em bloco branco! -, a legalidade burguesa.

O bloco negro não espera muito de si mesmo. Não encara a ação direta como meio de superar o capitalismo. Está claro. É inaceitável que uma organização que se propõe dirigir os trabalhadores contra o capital seja capaz de negar esta evidência. A ação direta é apenas uma tentativa imediata de recuperar o futuro. Se amanhã os trabalhadores tomarem as ruas, não fará o menor sentido a destruição de agências bancárias, ou concessionárias.

Nas Teses de Abril, Lênin propôs: "Fusão imediata de todos os bancos do país num banco nacional único sob controle dos Sovietes de deputados operários".

O conteúdo desta tese não está contido, de algum modo, na ação do Black Bloc? Porém, quanto aos meios para atingir esse objetivo, não faz o menor sentido exigir respostas do Black Bloc. Tal exigência é apenas um meio sórdido utilizado pelas organizações, para desviar o foco de suas próprias responsabilidades.

Se o espírito de junho não morreu, isso é devido à ação direta do Black Bloc. Os mesmos que, no Rio, usaram o próprio corpo para proteger os professores, contra a repressão. Os mesmos que, ontem, saíram às ruas com o objetivo de proteger o ato, e, mesmo assim, foram rechaçados pela esquerda, pelos próprios manifestantes.

No entanto, ao contrário do que muitos pensam, o repúdio da esquerda em relação ao Black Bloc não é pontual. É apenas a manifestação superficial de profundas mudanças nas condições da dominação burguesa no país, que, por diversos motivos, é cada vez mais instável.

A velha "espontaneidade das massas" pode e deve atingir níveis mais altos de radicalização. Consequentemente, os verdadeiros contornos dos atuais partidos da esquerda - todos, sem exceção, considerando o que representam atualmente -, tornar-se-ão cada vez mais nítidos, do ponto de vista de classe, isto é, aos olhos da classe trabalhadora.

Com certeza, a repressão da polícia não foi nada, em relação ao que pode. Mas, do outro lado não é diferente: o Black Bloc ainda é pouco!

Não se trata de acreditar no elemento espontâneo como meio de superação do capitalismo. Trata-se da certeza de que a radicalização espontânea é uma consequência inevitável das próprias contradições desse sistema. E que, portanto, tais contradições evidenciam a falta de horizonte das direções atuais. Isso ficou provado, mais uma vez, ontem.

Todo apoio ao Black Bloc!

Saudações vermelhas ao Bloco Negro!

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