O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Gullar à deriva!



Ferreira Gullar tenta apalpar, às escuras, o limite de sua própria consciência. Talvez falte até mesmo as paredes onde se apoiar: a defesa aberta do capitalismo, afinal de contas, parece não ter limites.

Mas trata-se, no caso de Gullar, de uma defesa frágil: serve-lhe muito mais o famoso provérbio do fim do mundo em barranco, para morrer encostado. 

A podridão é tão franca que o velho burguês sarcástico dá lugar, aqui, ao ressentimento digno de pena: Ferreira Gullar emburreceu tanto politicamente que não é capaz de perceber que mesmo os defensores do capitalismo, há mais de um século, deixaram de falar seriamente.

Explico: ontem, 03 de fevereiro, o poeta escreveu um texto para o jornal Folha de São Paulo, com o seguinte título: "não basta ter razão". O objetivo é desancar de uma vez por todas o marxismo.

O êxito é alcançado: de fato, qualquer marxista atento que leia o artigo perderá as cadeiras. Mas não pela verdade do conteúdo exposto, e sim pela burrice do autor. 

Quem é capaz de persuadir alguém, através de argumentos racionais, de que o capitalismo é bom?

Nenhum argumento atualmente é capaz de tal proeza. As pessoas não são ludibriadas por argumentos bem construídos. Não se transmite a ilusão através de ideias bem encadeadas: não que elas sejam inúteis, mas são insuficientes. 

É preciso um operário sem dedo! Ou coisa que o valha.

Ao menos no título do artigo há coerência: "não basta ter razão". Como pode alguém admitir, de saída, que não tem razão? O que significa isto? Nada, absolutamente nada, para um religioso.

"Que a sorte me livre do mercado", diz um verso num dos poemas de seu último livro. 

Religiosa é a relação de Gullar com o mercado: ele só não percebe que existe uma diferença entre cordeiro e pastor. O cordeiro é incapaz de defender suas preferências religiosas. A única coisa que ele assimilou do pastor foi a necessidade de acreditar. Nada mais.

Quando pressionado a falar, o cordeiro fica desajeitado, escolhe mal as palavras, é desequilibrada sua entonação. Daí, pronto, esbraveja. Eis aí o novo Ferreira Gullar: um homem que aprendeu (como ele mesmo insinua) a necessidade de defender o capitalismo, mas não as "razões" dessa defesa, isto é,  o jeito "certode fazê-lo. 

Podemos compará-lo a Marinetti, que se converteu ao fascismo italiano. Tornou-se um inimigo perigoso. Nesse caso, nós não devemos respeitá-lo, se bem que não se trata de respeito. Gullar é herdeiro de Marinetti, porém bem mais inofensivo. 

Suas mãos tremem demais. Não apalpam a carne. Oferece os dedos para o cumprimento. Chegará dia em que não poderá pegar mais na caneta. 

Que tipo de recuo é este? 

As palavras, finalmente, serão substituídas por borrões pré-alfabéticos. 

Porque, como diz Drummond: "... o medo, com sua física, / tanto produz: carcereiros, / edifícios, escritores, / este poema; outras vidas. / Tenhamos o maior pavor, / os mais velhos compreendem. / O medo cristalizou-os. / Estátuas sábias, adeus. / Adeus, vamos para frente, / recuando de olhos acesos. / Nossos filhos tão felizes... / fiéis herdeiros do medo, / eles povoam a cidade. / Depois da cidade, o mundo. / Depois do mundo, as estrelas, / dançando o baile do medo".

Mas a história, talvez, dirá a homens velhos como Ferreira Gullar: "Estátua sábia, adeus!". 

(Abaixo, o texto na íntegra, para que cada um tire suas próprias conclusões).


Não basta ter razão. 

03/02/2013

Entendo que alguém, que durante toda a vida tenha tido o marxismo como doutrina e o comunismo como solução dos problemas sociais, se negue, a esta altura da vida, a abrir mão de suas convicções. Entendo, mas não aprovo. Tampouco lhe reconheço o direito de acusar quem o faça de "vendido ao capitalismo." Aí já é dupla hipocrisia.

Tornei-me marxista por acaso, ao ler o livro de um padre católico sobre a teoria de Marx. É verdade que o Brasil daquela época estava envolvido na luta pela reforma agrária e pelo repúdio ao imperialismo norte-americano, que se assustara com a Revolução Cubana.

Confesso que meu entusiasmo por um Brasil concretamente mais democrático não me permitiu examinar, ponto por ponto, a doutrina marxista, para nela descobrir equívocos e propósitos inviáveis.
Não ignorava, claro, as acusações feitas ao regime soviético, mas atribuía aqueles erros à fase stalinista que, após a denúncia feita por Khruschov, havia sido superada. A verdade é que essas questões --sobretudo depois que os militares se instalaram no poder-- não estavam em discussão: o fundamental era derrotar a ditadura e avançar na direção do regime socialista.

Com o AI-5, em dezembro de 1968, a repressão aos comunistas e opositores do regime militar intensificou-se, multiplicando-se os casos de tortura e assassinatos.

Tive que deixar o país e ir para a URSS. Convivendo ali apenas com militantes brasileiros e de outros países, pouco pude conhecer da vida dos cidadãos soviéticos, a não ser daqueles que pertenciam à máquina oficial.

De Moscou fui para Santiago do Chile, aonde cheguei poucos meses antes da queda de Allende.
Mergulhado no conflito ideológico que opunha as duas potências antagônicas -URSS e EUA-, não me foi possível ver com maior clareza o que de fato acontecia nem muito menos os erros cometidos também por nós, adversários do imperialismo norte-americano. Isso se tornou evidente para mim, anos mais tarde, quando o sistema socialista ruiu como um castelo de cartas.

Tornou-se então impossível não ver o que de fato ocorria. O regime soviético não ruíra porque um exército inimigo invadira o país. Pelo contrário, foi o povo russo mesmo que pôs fim ao sistema e o fez porque ele fracassara economicamente.

Não obstante, muitos companheiros se negavam a aceitar essa evidência. Passaram a atribuir a Gorbatchov a culpa pelo fim do comunismo, como se isso fosse possível. A verdade é que as pessoas, de modo geral, têm dificuldade em admitir que erraram, que passaram anos de sua vida (e alguns pagaram caro por isso) acreditando numa ilusão.

E, além do mais, é compreensível, uma vez que o socialismo propunha derrotar um sistema econômico injusto e pôr em seu lugar outro, fundado na igualdade e na justiça social.

É verdade também que em alguns países onde o socialismo se implantara muito foi feito em busca dessa igualdade. Não obstante, algo estava errado ali, já que o regime era obrigado a coibir a livre opinião e impedir que as pessoas saíssem livremente do país. A pergunta é inevitável: alguém, que vive no paraíso, quer a todo custo fugir dele?

Tampouco o regime capitalista é o paraíso. Longe disso. A diferença é que, dele, podemos sair se o decidirmos, criticá-lo e, pelo voto, mudar o governante. Mas não é só isso. O capitalismo é dinâmico e criativo porque é a expressão da necessidade humana de tudo fazer para melhorar de vida.

Neste momento mesmo, milhões de pessoas estão inventando meios e modos de criar empresas, realizar empreendimentos que lhes possibilitem lucrar e enriquecer.

Como poderia competir com isso um regime cujo processo econômico era dirigido por meia dúzia de burocratas, os quais, em nome do Partido Comunista, tudo determinavam e decidiam? Isso conduziu o comunismo ao fracasso e levou a China a tornar-se capitalista para escapar do desastre que pôs fim ao sistema socialista mundial.

O capitalismo, por sua vez, é o regime da exploração e da desigualdade, precisamente porque se funda no egoísmo e na busca do lucro máximo. Se deixarmos, ele suga a carótida da mãe.

O grande problema, portanto, é este: como estimular a iniciativa criadora de riqueza e, ao mesmo tempo, valer-se da riqueza criada para reduzir a desigualdade. 

(Ferreira Gullar)




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