O Coletivo Cinefusão surge, no final de 2008, a partir da iniciativa de trabalhadores de diversas áreas - cinema, jornalismo, publicidade, artes cênicas, filosofia, arquitetura, fotografia -, empenhados em criar primeiramente uma rede colaborativa que pudesse dar conta da junção dessas linguagens e também da possibilidade de abarcar potencialidades em busca de produção artística independente, mas também de reflexões concretas acerca da sociedade. É principalmente sobre este último pilar de atuação política, que o grupo vem, atualmente, pensando o cinema, sempre vinculado a outras expressões artísticas e movimentos sociais.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

E se vivêssemos todos juntos?

O filme francês "E se vivêssemos todos juntos" debate, e em alguma medida problematiza, a chegada dos seres humanos à velhice. 

A construção da frase acima aponta para duas vertentes opostas: primeiro, uma possível redução a uma réles obra, e segundo, quando se leva em conta o mundo que vivemos, nos guia em direção de como e para onde a obra pretende construir seus discurso.

A primeira coisa, que acredito ser importante apontar, é que o filme se constrói a partir do ponto de vista de uma classe média-alta francesa, que chegou aos  80 anos de idade, com todos os conflitos existenciais, físico-biológicos, que qualquer ser humano irá passar, e a eminência de, simplesmente, deixar de existir - sensação que quanto mais o tempo passa, mais latente se apresenta. Entretanto, imagino, que para aqueles que recebem a obra sob um ponto de vista "de abaixo" (falo do terceiro mundo, que diferente da França, não possui os cuidados da vida pública, que só são possíveis historicamente através das relações de trabalho, tanto dentro do país, quanto da relação do país com o continente, e sucessivamente, para mais e para menos, com o mundo), o filme é potente, mas no que diz respeito ao caminho com que se chega a velhice, se torna uma sensação bastante agradável - sensação que se expõe não só por como os personagens levam a vida: jantares regados das melhores refeições, casas confortáveis, a opção por manter um jardim ou construir uma piscina para os netos, até a forma bastante conservadora da fotografia, mas que não atrapalha em quase nada a clareza e beleza com que a história é contada.

Escrevo sobre este filme tentando tornar um pouco mais complexa, e sincera, a relação de espectador, e lutando insistentemente para que não critique o filme, a partir de uma possível ideia do que seria um filme meu. Logo, o paralelo do terceiro mundo, afim de expor um antagonismo de classes sociais, existe como forma de manterem vivos aqueles que recebem a obra e procuram criar algum tipo de relação com ela.

Meu ponto de vista, e que representa o de uma classe social, dentro do sistema capitalista, recebe o filme, a partir de uma realidade social bastante inversa: todos os cuidados básicos que vemos no filme com os seres humanos caem por água na realidade brasileira, sendo modesto, e um tanto reducionista, na análise. Na realidade tupiniquim nossos velhos morrem nas filas das aposentadorias, depois de terem trabalhado (terem tido sua força de trabalho explorada) sobre toda sua juventude, onde os cuidados básicos de saúde em todas as idades são cada vez mais precários, em paralelo à indústria farmacêutica, por sua vez, atrelada a uma ciência que permanece sob o mesmo regime de pesquisa aos interesses única e simplesmente de mercado. Se é possível a comparação há no mínimo uma discrepância bastante considerável no que diz respeito a dignidade dos caminhos para se chegar na velhice.

Lembro de uma fala de Paulo Arantes sobre o filme "Entre os Muros da Escola", também francês: "Genial, mas essa sala de aula do filme, para nós - no Brasil- é o céu". P. Arantes se referia obviamente a condição dos educadores da rede pública de ensino no Brasil.

Esse tipo de análise é cada vez mais recorrente quando se coloca filmes produzidos em nações de grandes potências econômicas, com outras realidades, "emergentes", atrasadas, que sofrem ainda os processos tardios do capitalismo.

Geralmente estes filmes, quando se propõem a criticar o mundo em que são engendrados, que apesar da metafisica do absurdo que faz crer que, muitas vezes, o inferno dos outros são só os outros, dão conta de outras problemáticas, que a história trata de escancarar cedo ou tarde: depressão, alto indíce de suicídio, frieza das relações humanas, e que num futuro próximo sempre terão como grande final uma crise econômica - vejamos o que tem acontecido com as economias das grandes potências.

Longe  de supor alguma inutilidade do filme em relação a realidade, cada vez mais devastadora, em todos os âmbitos da vida, ele apresenta um ponto de vista de extrema sensibilidade não só em relação ao pavio curto do vida, mas também, que nesta trajetória, somos meras coisas, que quando a pele já não a mesma da mocinha da capa da revista, nossos dentes não são tão fortes, não somos mais, sequer, humanos.

Seria uma admirável estupidez dizer, como dizem alguns críticos ao capitalismo - de artistas a intelectuais - que filmes como esse reduzem a questão mais abrangente - política - a um drama muito especifico do mundo. Este, também(!), ainda é um grande problema.

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